sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Morreu o poeta Manuel António Pina



ARTE POÉTICA
Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
Manuel António Pina, in Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal”, Assírio & Alvim, 2011

"Morreu esta sexta-feira à tarde, no Porto, o escritor e jornalista Manuel António Pina. Galardoado em 2011 com o Prémio Camões, o mais importante da Língua Portuguesa, tem uma vasta obra de poesia e literatura infantil, sendo também autor de inúmeras peças de teatro e de livros de ficção e de crónica. O corpo do escritor estará em câmara ardente a partir das 16 horas deste sábado na Igreja do Foco, onde às 9.30 horas de domingo é celebrada missa pelo bispo das Forças Armadas. O corpo seguirá depois para o cemitério do Prado do Repouso.
Manuel António Pina, jornalista, poeta e escritor tinha 68 anos, nasceu no Sabugal, licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Vivia no Porto e foi jornalista do "Jornal de Notícias" durante três décadas, sendo repórter, redator, editor e chefe de Redação, mantendo até há poucos meses, na última página do JN, a crónica "Por outras palavras" e foi ainda cronista da "Notícias Magazine".
Foi galardoado em 2011 com o importante Prémio Camões, e a sua vasta obra é fundamentalmente constituída por poesia e literatura infantil, sendo também autor de inúmeras peças de teatro e de livros de ficção e de crónica. Algumas dessas obras foram adaptadas ao cinema e televisão e editadas também em disco.
Na área da literatura, destacam-se os livros "O país das pessoas de pernas para o ar", "O têpluquê", "Gigões & anantes", "História com reis, rainhas, bobos, bombeiros e galinhas", e "O tesouro", enquanto que na poesia, sobressaem os títulos "Nenhum sítio", "Um sítio onde pousar a cabeça", "Cuidados intensivos", "Nenhuma palavra, nenhuma lembrança", "Os livros" e "Como se desenha uma casa" .
Prémio Camões que lhe foi atribuído em 2011, Manuel António Pina foi distinguido ao longo da sua longa carreira literária e jornalística com inúmeros prémios, nomeadamente o Prémio de Poesia da Casa da Imprensa (1978) ; Prémio Gulbenkian (1987); Prémio Nacional de Crónica Press Club/ Clube de Jornalistas (1993); Prémio da Crítica, da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários" (2002); Prémio de poesia Luís Miguel Nava (2003) e Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores/CTT (2005).A sua obra está traduzida em França (francês e corso), Estados Unidos, Espanha (espanhol, galego e catalão), Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Croácia e Bulgária.
Numa das suas últimas entrevistas que concedeu ao JN e questionado concretamente sobre as múltiplas homenagens de que tinha sido alvo, nos últimos tempos, Manuel António Pina disse reagir " Com desconforto e com gratidão. Também sou leitor, embora bissexto, daquilo que designa por minha "obra" e, sem pretender representar a rábula da modéstia, sou lúcido q.b. em relação a ela para aceitar iniciativas do género sem cepticismo".
Nessa mesma entrevista e pronunciando-se especificamente sobre situação de crise que o país vive, afirmou o seguinte: " Diz-se que os povos felizes não têm história. Não é fácil (nem bonito) dizê-lo, mas às vezes, a infelicidade de um povo é a felicidade dessa espécie de historiadores do presente que os cronistas (sobretudo aqueles que, como eu, praticam sobretudo a crónica como género jornalístico e não literário) são". Agostinho Santos in JN 

1 comentário:

  1. ...Morreu Manuel António Pina! Do seu estado de saúde, ultimamente, não se esperava outro desfecho, infelizmente!...
    Morreu o poeta, o escritor, o homem atento a tudo quanto se passava à sua volta, ao redor de todos nós, morreu um dos nossos!
    Morreu um pouco de todos nós!...
    Ele era uma voz livre, uma das poucas vozes livres em Portugal!

    ResponderEliminar