sexta-feira, 30 de abril de 2010

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Urgentemente



É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã

domingo, 25 de abril de 2010

LIBERDADE

"A alma de uma época está em todos os seus poetas e filósofos e em nenhum."
Fernando Pessoa



Liberdade

— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Miguel Torga, in 'Diário XII',1975



Liberdade

O poema é
A liberdade

Um poema não se programa
Porém a disciplina
— Sílaba por sílaba —
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
— Como se os deuses o dessem
O fazemos


Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas",1977


Explicação do País de Abril

País de Abril é o sítio do poema
Não fica nos terraços da saudade
não fica em longes terras. Fica {exactamente aqui
tão perto que parece longe.

Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.


Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.

(...)
País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.
(...)

Manuel Alegre, in " Praça da Canção ", 1965

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Os LIVROS no Dia Mundial do Livro


A minha relação com os livros é de permanente enleio. Comecei a deixar-me enlevar era ainda muito pequena. Recordo as estantes cheias de livros na casa da minha infância. Os meus pais liam muito e todos os dias se celebrava a leitura após o lanche e antes de deitar. A minha Mãe emprestava a voz a mil e uma histórias que nos faziam sonhar. Os livros cresciam semanalmente e para todos nós existia sempre um novo título a descobrir. O fascínio das palavras ficava nos nossos ouvidos e povoava de sonho a nossa imaginação. Com o tempo acedi às letras e passei a devorar com consentimento ou sem ele os livros da casa. Fui crescendo e vieram as letras proibidas pela ditadura. Essa leitura fruía como manancial inesgotável de deleite e de afirmação identitária, colocando-me lucidamente no lugar oposto ao da ideologia vigente, castradora da liberdade. Os livros proibidos por uma censura legalizada e oficializada enchiam muitas das prateleiras mais recônditas da casa. Esses devorava-os com um maior deslumbramento , roubando à noite muitas horas de sono. Tinham, então, para mim um redobrado apelo: o sabor supremo da palavra e a descoberta de um novo mundo mais justo e livre. Portugal , além de um pequeno ponto no extremo da Europa, estava fechado, encarcerado numa ideologia fascista que nos obrigava a resistir e a escavar os Subterrâneos da Liberdade.
Os livros sempre me acompanharam, marcando e moldando os meus dias. Estruturei-me, cresci, aprendi, ensinei e fiz descobrir com eles e através deles. Com poesia ou com prosa, eles sempre se entrelaçaram em mim numa laboração constante, pulsativa, provocatória, obrigando-me a uma fiel e perene rendição.
Aos livros, a minha homenagem. Hoje e sempre.

As cinzas de Abril


Entre tornados, chuvas torrenciais, sismos e vendavais chegaram as cinzas vulcânicas produzidas por erupções há muito previstas, mas cujos nefastos efeitos não tinham sido eficaz e preventivamente tratados por esta Europa de céus vulneráveis. Em Portugal , terra sísmica e de tradição catastrófica, os milhões da crise entraram e, de suborno em suborno, eles aí andam nas primeiras páginas dos jornais e no "prime time" dos noticiários televisivos. Não queimam as mãos de quem os agarrou e muito menos de quem os perdeu. Comissões de Inquérito, Audições Parlamentares, Investigações Policiais e são milhões e milhões que voam, de bolso em bolso, neste país de pobres onde ainda se contam os tostões para que a fome não cresça antes do final do mês. A amplitude da diferença é tão aberrante que emerge quase assassina na forma como se impõe. Milhões para uns e tostões para muitos outros. E o Abril do nosso encanto assim se transformou em cinzas. Que o digam as rosas que de tão coloridas se tornaram cinzentas.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

As mãos


Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre, in "O CANTO E AS ARMAS ", 1ª edição, Nova Realidade, 1967
e
cantado por Adriano Correia de Oliveira

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cantigas de Abril

A cantiga é uma arma

A cantiga é uma arma
eu não sabia
tudo depende da bala
e da pontaria
Tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
e eu não sabia

Há quem cante por interesse
há quem cante por cantar
e há quem faça profissão
de combater a cantar
e há quem cante de pantufas
p'ra não perder o lugar

O faduncho choradinho
de tavernas e salões
semeia só desalento
misticismo e ilusões
canto mole em letra dura
nunca fez revoluções

Letra e Música de José Mário Branco, 1975

terça-feira, 20 de abril de 2010

ABRIL DE ABRIL


Foi ontem, 19 de Abril, inaugurada a Cátedra Manuel Alegre instituida pelo Departamento de Românicas da Faculdade de Letras da Universidade de Pádua, em Itália, com o objectivo de promover o estudo da Língua, Literatura e Cultura portuguesas. Os proponentes desta Cátedra declararam ter escolhido Manuel Alegre porque "é um poeta, romancista, político e intelectual de topo do Portugal contemporâneo. Sem nunca renunciar ao empenhamento político, explora num registo de contínua e forte originalidade áreas temáticas universais, como a da errância, já que 'todos somos exilados de Florença' na esteira da grande tradição literária filiada em Portugal na 'lusitana antiga liberdade', de Luís Vaz de Camões, particularmente cara também ao lema da Universidade de Pádua: Universa Universis Patavina Libertas (Liberdade de Pádua, Universal e para todos)"
Na dissertação que proferiu nesta sessão inaugural, Manuel Alegre afirmou : (...)"Não sou um académico. Estou aqui como poeta e agradeço que seja nessa qualidade que me recebem, já que, no meu país, historicamente, poesia e língua quase se confundem." ” Eduardo Lourenço, num ensaio sobre a minha escrita, fala da "nostalgia da epopeia". Eu tenho essa nostalgia. A minha visão de Portugal é uma visão poética, uma visão integradora, em que se misturam poemas, batalhas, revoluções.” (...) "Hoje, como sempre, poesia é liberdade".
E da Liberdade, Manuel Alegre sabe-lhe as letras que molda em palavras feitas poemas.
" Abril de Abril" é um poema que emerge desse saber.

Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.

Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.

Manuel Alegre, in "Atlântico", Moraes Editora, 1981

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Viver na mentira e no medo do futuro

Por BAPTISTA-BASTOS
Perguntamo-nos, entre a perplexidade e o espanto, se exercemos o suficiente das nossas recusas para que nos não acontecesse a "dimensão" única que nos é rudemente imposta. Parece uma conjugação de perversidades, sem conciliação possível com os nossos dramas. José Sócrates insulta-nos quando a "crise internacional" se converte na categoria central do seu discurso político. E trata-nos como beócios como quando, anteontem, foi à televisão "explicar" o PEC. A verdade é singela: muito antes dos sismos cíclicos do capitalismo, já sofríamos a desestruturação trazida pelo "mercado". Sócrates não dispôs, por absoluta ignorância, de um projecto que se opusesse a essa ofensiva. E havia algumas possibilidades alternativas, entre as quais as propostas contidas num livro do socialista Fernando Pereira Marques, Esboço de Um Programa para os Trabalhos das Novas Gerações, lamentavelmente pouco conhecido.
Um ensaio muito sério, muito original e muito estimulante, editado em 2007, por um intelectual para quem Portugal está longe de ser uma nação condenada. "É necessário encontrar novas vias para a reforma radical do modelo de sociedade e de economia que se impôs nos países desenvolvidos, à custa do atraso, da pobreza e até da guerra em que vivem os demais." Eis um dos poucos livros que criticam o capitalismo, cuja análise anda arredia das nossas preocupações. Na imprensa, então, o supérfluo representa uma simbiose da imperícia e do desconhecimento das lógicas de poder.
Sócrates fez o que lhe era possível, dir-se-á. Não. Sócrates fez o que a consciência socialista (o que quer que isto seja) verberaria com impetuosidade. A extensão e os danos deste ciclo político podem pôr em causa a democracia. No nosso caso, o pouco que dela resta. O primeiro-ministro abriu caminho para o que de pior certamente advirá. E os putativos substitutos podem mesmo reclamar ainda mais penosos sacrifícios da nossa parte. Sócrates exacerbou as dimensões racionais da vida social. A sociedade portuguesa vive na ambivalência da inferiorização e da revolta. Quando ele diz que não vai aumentar impostos; que os ricos irão pagar mais; que as nossas penas e os nossos pesares serão minimizados, está a fugir da verdade a sete pés. A associação da ética republicana (de que tanto fala), com a assunção da linguagem dos factos, distingue a honra e a decência da trapalhice e da ambiguidade. José Sócrates, que arrastou consigo um pesado descrédito para o PS, conjugou a sua debilidade ideológica com uma insaciável sede de poder - que percorre, invariavelmente, aqueles que são passíveis de variações consideráveis.

Artigo de Opinião de Baptista Bastos publicado no "Diário de Notícias", em 10/03/2010

domingo, 18 de abril de 2010

Imagens dos nossos dias

Polónia


Islândia


Planalto Tibetano



Rio de Janeiro

Os anos dourados

Os anos 50 foram apelidados de anos dourados. Representam uma época de grandes mudanças e avanços em muitos domínios. O sistema de comunicação é profundamente alterado pelo aparecimento da televisão. Na música é o rock a comandar.
"Smoke Gets In Your Eyes" dos Platters de 1958 foi um sucesso que perdura até aos nossos dias.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Islândia, o vulcão e a Primavera


A erupção do vulcão , no sul da Islândia, está a provocar o degelo do glaciar Eyjafjllajokull ameaçando assustadoramente as zonas envolventes, enquanto as cinzas continuam a invadir os céus da Europa impedindo qualquer circulação de aviões. Em terra nunca se ficou tanto tempo a ver as nuvens.
Por cá, a chuva voltou intensa , o vento entre uivos e rugidos sibila asperamente e juntos, em indesejada cumplicidade, transformaram a Primavera em plena invernia.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Os céus da Europa estão fechados


O vulcão, no glaciar Eyjafjllajokull, no sul da Islândia, entrou em erupção, pela primeira vez em 200 anos, a 20 de Março e retoma, agora, as erupções que levaram ao condicionamento do espaço aéreo europeu. A nuvem de cinzas ameaça a visibilidade e a segurança nos céus da Europa.Os voos foram cancelados e a maior parte dos Aeroportos do Norte da Europa encerrou. As cinzas que emergem da erupção podem danificar e obstruir os motores dos aviões provocando acidentes catastróficos. Em trânsito ficam milhares de pessoas olhando para o ar.
Ontem, quarta feira, no Sul da Islândia, cerca de 800 pessoas foram retiradas preventivamente das suas habitações por se encontrarem na rota da actividade vulcânica.
2010 continua a ser o ano de todas as intempéries. Esta fecha os céus da Europa.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Oh gente da minha terra

"Há palavras que fazem bater mais depressa o coração…" escreveu Almada Negreiros. Estas batem desmedidamente porque cantam o poema do Fado que sempre foi português. A voz é de Mariza. Excelente e genuína.



É meu e vosso este fado
Destino que nos amarra
Por mais que seja negado
Às cordas de uma guitarra

Sempre que se ouve o gemido
De uma guitarra a cantar
Fica-se logo perdido
Com vontade de chorar

Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que a recebi

E pareceria ternura
Se eu me deixasse embalar
Era maior a amargura
Menos triste o meu cantar

Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que a recebi

Letra de Amália Rodrigues
Música de Tiago Machado

terça-feira, 13 de abril de 2010

"A ARTE DE MORRER LONGE"

O novo livro de Mário de Carvalho, que estará nas livrarias a partir de 21 de Abril, narra a «história do jovem casal Arnaldo e Bárbara, lisboetas, empregados de escritório, moradores num pequeno apartamento no Lumiar e que se encontram em processo de divórcio."
Com um domínio excelente da língua portuguesa, Mário de Carvalho retrata sempre magistralmente as suas personagens , construindo uma efabulação perfeita. Essa mestria é já evidenciada na caracterização da personagem Quintão Malpique que de tão real nos parece familiar.
«Descortina o leitor um tipo de português largo e inflado, ovante e intrusivo, propenso à calvície, com sobrancelhas de escovilhão, riso beiçudo, pelame encaracolado em todo o corpo, amador da piadola e da pirraça, grosseiro para os mais fracos, airoso para os superiores, em absoluto impenetrável a noções básicas de decência e decoro? Uma figura digna das Metamorfoses, em que se hibridam o entranhado lanzudo e o atávico malandrim? Não descortina? Então é porque este Quintão Malpique era uma raridade e convém, na passagem, examiná-lo mais de perto como espécime singular.
Se lhe perguntassem por que é que ele se tinha queixado à polícia, por carta anónima, duma velha dependurava os cobertores nas traseiras do prédio, sem que isso afectasse ninguém, e muito menos os empregados duma empresa que não moravam ali, ele responderia, rindo: «É só p`ra chatear.» Do mesmo modo, quando telefonava para a Câmara, disfarçando a voz , a denunciar um vizinho que fazia obras clandestinas numa casa de banho, era «só p`ra chatear». Também era «só p`ra chatear» o gesto de deixar o elevador encravado no nono andar para que um casal de idosos , com o seu velho cão, tivesse de se arrastar pelas escadas.
Comprazia-se, naturalmente, com a incomodidade dos outros. Uma acção que tivesse como motivação «chatear» parecia-lhe absolutamente justificada, desde que não fosse ele o chateado. Uma representação popular – aliás falsa e caluniosa – que atribui o incêndio de Roma a Tibério Nero Enobarbo, para depois celebrar a catástrofe, a toque de cítara, poderá não andar longe do feitio de Quintão Malpique, descontando o pendor artístico.
Desde que descobrira a Internet, aliás tardiamente, tinha sido um alvoroço. Aplicava boa parte das horas de serviço a escrever comentários anónimos nos blogues alheios e nas páginas que os admitissem. Apreciava especialmente os jornais e as suas colunas de posts.
Eis uma amostra de uma contribuição de Quintão Malpique para o debate nacional, que pode ser encontrada facilmente na imprensa electrónica, a propósito da questão, hoje esquecida, dos apoios ao cinema português:
Esses senhores o que querem é repimpar-se!!! É só mama!!! Banquetes de lagosta, em Nice e em Cannes, aproveitando os favores do Estado e o dinheiro dos contribuintes. Isto é tudo sempre no poleiro, a chuchar no orçamento, à custa do Zé Povinho, e a gastar os nossos ricos carcanhóis com filmalhadas que ninguém percebe nem ninguém vê. Topam? Deviam era mandá-los todos cavar batatas e elas coser meias, a ver se ganhavam calos nas mãos e eram úteis ao povo que é quem mais ordena. Tá? Ao menos o doutor Salazar tinha critério e dava ao povo aquilo que o povo queria.»

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ter uma Ideia do Mundo


«E disse-me hoje que não tenho ideias. Tenho opiniões que são ideias à procura de um homem que morra por elas. Infelizmente é verdade. Infelizmente pois de qualquer modo ele bem sabe que agonizo a minha ausência de convicções como se elas existissem. O que é a minha melancolia senão uma convivência absurda com o nada que me cerca por todos os lados?
Eu tenho ideias não as tendo. Passo a vida a dar voltas às ideias dos outros para concluir que não são ideias que valha a pena ter. À parte um ou outro homem ninguém tem senão ideias que são de toda a gente como o ar que se respira. Eles não as têm e pensam que têm. Eu não as tenho, sei que não as tenho, sofro por não as ter e luto para tê-las, pois ter uma ideia do mundo (a Ideia do Mundo) é a única coisa que me interessa na vida.»
Eduardo Lourenço

domingo, 11 de abril de 2010

Acordai

E porque é Abril , é também o tempo de RElançar o forte grito "Acordai" com Música e Letra de F. Lopes Graça, arranjo de J. Gomes Ferreira e excelente interpretação do Coro da Academia de Amadores de Música



Antes que Seja Tarde


Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

sábado, 10 de abril de 2010

O Bolero

Em 1928, Ida Rubinstein encomendou a Ravel a criação de uma peça para balett.
Ravel compôs uma nova obra que ficou para sempre conhecida como " O Bolero de Ravel". A estreia efectuou-se a 22 de Novembro de 1928, em Paris, na Ópera Garnier sob a direcção de Walther Straram, com coreografia de Bronislava Nijinska e cenários de Alexandre Benois. A grande dançarina foi Ida Rubinstein.
Neste excerto do romance, " A Música da Fome", o autor, Le Clézio, descreve magistralmente a plêiade de movimentos e de instrumentos que, em articulação, se conjugam num crescendo triunfal nesse grandioso Bolero.

"Os últimos compassos do Bolero são tensos, violentos, quase insuportáveis. O som sobe, enche a sala, agora toda a assistência está de pé, olha para o palco onde os bailarinos rodopiam, aceleram o movimento. Há pessoas que gritam, os tantãs retumbam e sobrepõem-se às vozes. Ida Rubinstein, os bailarinos são fantoches arrebatados pela loucura. As flautas, os clarinetes, os saxofones, os violinos, os tambores, os címbalos, os timbales, todos os instrumentos se flectem, extremamente tensos, até à estrangulação, até quebrarem as cordas e as vozes, até quebrarem o egoísta silêncio do mundo.
A minha mãe , quando me contou a estreia do Bolero, falou-me da sua emoção, dos gritos, dos aplausos e dos assobios, do tumulto. Algures na mesma sala encontrava-se um homem que ela nunca conheceu, Claude Lévi-Strauss. Como ele , muito mais tarde, minha mãe confiou-me que aquela música mudara a sua vida.
Agora, compreendo porquê. Sei o que significava para a sua geração aquela frase repetida, seringada, imposta pelo ritmo e o crescendo. O Bolero não é uma peça musical como as outras. É uma profecia. Conta a história de uma raiva, de uma fome. Quando termina em violência, o silêncio que se segue é terrível para os sobreviventes atordoados."
J.M.G. Le Clézio, in " A Música da Fome ", Edições D. Quixote, 2009

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Primavera aparecia quando o calendário a dava

A reflexão sobre a poluição e os efeitos nefastos que provoca no Ambiente já vem de antanho. Este excerto da novela ” Sereia” de Camilo Castelo Branco que alude ao ano de 1762 , tempo de harmonia ambiental, atesta como o progresso conduziu à desordem dando origem a “conjecturas” já preocupantes. O autor faz quase uma antevisão profética da profunda mudança dos "factos" e da consequente alteração do equilíbrio do mundo propalada pelas desconcertantes invenções dos "engenhosos destruidores" da vida corrente que eram os homens da Ciência.
Dois séculos passados não se conjectura mais. A poluição devastou , destruiu e ameaça gravemente a sobrevivência das gerações vindouras.
A incúria do Homem cresceu ao longo dos séculos numa cegueira galopante e desmedida. A modernidade de Camilo não bastou para alterar a rota perversa do Progresso e prevenir um desenvolvimento sustentável.

(…)«Naquele tempo, os dias de Maio no Porto, eram temperados, alegres, perfumados, encantadores. A primavera, há cem anos, aparecia quando o calendário a dava. Ninguém saía de sua casa às cinco horas duma tarde cálida de Maio, com um casaco de reserva no braço para resisitir ao frio das sete horas; nem o peralta portuense levava escondido na copa do chapéu o cache-nez, com que, ao anoitecer, havia de resguardar as orelhas da nortada cortante.
O globo, naquele tempo, movia-se em volta do sol com a regularidade assinada pelos astrónomos. A gente ditosa, que então viveu, podia confiar-se nos entendidos em rotação dos planetas; e os sábios podiam sem receio responsabilizar-se pela pontualidade das estações. Quem, à face da folhinha, se vestisse de fresco em Maio, podia sair à rua trajado de holandilha ou vareja, que não entraria em casa a espirrar constipado pela súbita frialdade que o surpreendeu. A gente fiava-se dos sábios, os sábios da ciência, e as ciências dos factos repetidos.
Depois, porém, daquela época, desconcertaram-se os sistemas das regiões altas. As pessoas muito espirituais receiam que este desconcerto venha a desfechar em acabamento do mundo; outras, mais racionalistas, pretendem que a desordem das estações proceda de causas que, volvido um indeterminado período, cessem de existir. Ninguém se lembrou ainda de conjecturar que as vaporações constantes das fornalhas e o fluido eléctrico de que o ambiente está saturado, possam ter influído na substância dos sólidos e fluídos componentes do maquinismo celeste, alterando-lhes o modo de actuarem sobre a terra. Se algum sábio estivesse de pachorra para demonstrar a profundeza desta minha hipótese original, ficávamos convencidos nós de que a civilização do fumo e dos arames eléctricos, afinal, acabaria de todo com a primavera. Em compensação, os engenhosos destruidores das nossas alegrias em Maio, haviam de inventar uns fogões cómodos para nosso uso em Julho.»
(…)
Camilo Castelo Branco in “A Sereia”, (1ª edição, 1865)


“A Sereia”
de Camilo Castelo Branco
Edição/reimpressão: 2006
Páginas: 272
Editor: Edições Caixotim
ISBN: 9789728651565
Colecção: Caixotim Clássico

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Portugal em Abril

São passados quase trinta e seis anos do Abril dos cravos. Agora temos rosas e já não são vermelhas , apenas cor-de-rosa. Um rosa bem pálido e esbatido, daquele que se tem dificuldade em classificar porque diluido por tantas lavagens já não se enxerga a raiz, a origem e a tonalidade da verdadeira cor.
Alguém já classificou os poetas como os maiores legisladores naturais do mundo porque são capazes de regular as palavras para traduzir a vida. Sophia de Mello Breyner Andresen é o exemplo dessa verdade. Atentemos no final do seu poema "Lagos II" integrado na obra " O Nome das Coisas" de 1977.
" IV
Ou poderemos Abril ter perdido
O dia inicial inteiro e limpo
Que habitou nosso tempo mais concreto?

Será que vamos paralelamente
Relembrar e chorar como um verão ido
O país linear e transparente

E sua luz de prumo e de projecto? "

Reflectindo sobre as palavras sagazes e poéticas de Sophia poderemos reinterrogar-nos sobre este Portugal em Abril. Estará como o rosa diluido, desbotado sem rumo ou sem projecto? E o dia inicial inteiro e concreto terá sido perdido?
PEC, Comissões de Inquérito, Corrupção, Remunerações pecaminosas, Inaugurações fictícias e muita miséria escondida enchem o Portugal deste Abril.
"Meu pobre Portugal, hei-de chorar-te!" escreveu Alexandre Herculano no exílio. Herculano que, para além de ser português, foi poeta, romancista , historiador e um homem de luta pela Liberdade e pela Justiça social; mas isso não basta para que o Portugal de hoje, no ano de 2010 em que ocorre o bicentenário do seu nascimento, lhe preste uma justa e adequada homenagem oficial.
Portugal deste Abril onde andas? Perdido, sem norte ou em desnorte?
Abril em Portugal já não é o que era, mas corta-fitas e puxa-bandeiras ainda andam por aí.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Assim vai o Mundo

Na ilha de Samatra, na Indonésia, registou-se novamente um violento sismo de 7.8 na escala de Ritcher lançando o pânico e provocando alguns feridos e desalojados. O alerta de Tsunami foi lançado, mas retirado duas horas após a ocorrência do sismo.Na Tailândia foi também sentido o mesmo sismo, mas não se registaram quaisquer danos.




Chuvas muito intensas atingem o Estado brasileiro do Rio de Janeiro provocando 102 mortos, quase dois mil desalojados, meia centena de feridos e quatro desaparecidos.
Foi classificado como o maior dilúvio dos últimos 44 anos. "Em 15 horas, entre as 17:00 (21:00 em Lisboa) de segunda-feira e as 08:00 de terça-feira as estações meteorológicas registaram 288 milímetros.
As previsões meteorológicas apontam para continuação de chuva forte.
O Governador da capital carioca, Sérgio Cabral, já decretou três dias de luto nacional. Segundo o Globo que cita fonte do Instituto de Geotécnica do Rio, «as zonas Oeste e Norte, especialmente as regiões perto do centro da cidade do Rio de Janeiro, e o município de Niterói, na região metropolitana, foram as mais atingidas».

Alunos observam os escombros da antiga escola , em Porto Príncipe, no Haiti após três longos meses sobre a calamidade que arrasou a cidade. A hora da reabertura das aulas chegou num país ainda marcado pela destruição.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Tejo Que Levas As Águas


Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Leva nas águas as grades
...

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

Tejo que levas nas águas

Adriano Correia de Oliveira (Avintes, 9 de Abril de 1942 — Avintes, 16 de Outubro de 1982) foi um dos maiores trovadores portugueses do Sec. XX. Lutou tenazmente pela liberdade e a sua voz melódica e peculiar denunciou , com coragem, a opressão exercida no tempo da ditadura em Portugal.
Infelizmente, as palavras deste "Tejo que Levas as Águas" encaixam na realidade actual. Que infortúnio o nosso e quão frágil é a memória dos homens. Preservar a pluralidade em liberdade deve ser sempre e primodialmente um ideário permanente de todos os Homens.
Em memória de Adriano Correia de Oliveira, neste Abril de 2010, fica esta excelente canção que pertence ao Album “Que Nunca Mais” com textos de Manuel da Fonseca, arranjos e direcção musical de Fausto.

A esperança da Primavera


As mimosas em flor são sempre um espectáculo que prende o nosso olhar e faz com que a beleza do devir natural do tempo, em Primavera renascida, nos reconforte e quase nos faça acreditar que as intémpéries invernosas, que tanto nos têm fustigado, desapareceram em recolhimento permanente e vitalício.
Um dia virá em que deste renascer a bonança almejada se estabelecerá entre nós. Que se encurte o Tempo e que se viva até lá.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O homem que se entregou a nós

Por Baptista Bastos
No Museu do Neorealismo, em Vila Franca de Xira, foi inaugurada, no último sábado, uma exposição, que estará aberta até 26 de Setembro, sobre a vida e a obra de António Borges Coelho. Este homem modesto e discreto, investigador incansável e de uma probidade exemplar, é um dos dois ou três maiores historiadores portugueses contemporâneos. Como se escreve no texto que antecede o livro da exposição, ele navegou sempre no outro lado do rio, onde estão aqueles que, "em baixo fazem andar a História." Uma obra monumental, de características únicas, acrescentada, agora, com o fascinante "Donde Viemos", primeiro volume da História de Portugal, a que Borges Coelho, com 82 anos, meteu ombros.
Prisões nas masmorras do fascismo, perseguições de todo o jaez e estilo, dificuldades inúmeras, obstáculos inauditos jamais tiraram do belo rosto deste português maior o sorriso infantil, nem lhe toldaram a capacidade de recomeçar. "Não guardo ressentimento de coisa alguma", disse, na sessão de abertura, acrescentando a sua inabalável convicção nas infinitas possibilidades do homem. É muito difícil ouvir-lhe lamúrias, queixumes ou manifestações, por breves que fossem, de rancores. Ele dá sempre a volta às coisas negras e expõe logo a certeza de que a História é como "procurar a luz para ver as sombras."
Não há maniqueísmo no trabalho majestoso de António Borges Coelho; mas há, isso sim, a procura da grandeza do homem, mesmo quando o homem se deixa envolver pelas sombras. Os livros que tem publicado são a demonstração dessa busca soberana entre as demais: o que nos fez, o que atraiu, o que nos galvanizou e o que nos esmoreceu. Sem jamais se deixar hipnotizar pelo que escreve (e como escreve, este prosador sem par!), ele não passa pela História como um espelho pelo caminho. Desvenda o porquê das coisas, as causas e os despojos. Escreve a olhar para trás, para andar sempre para a frente. Borges Coelho ensina-nos, com a simplicidade, a decência e o escrúpulo, que é na tentativa de escrever que reside a coragem de escrever, e que, em História, não se acredita nem deixa de se acreditar: em História, ou se a conhece, ou não.
A exposição no Museu do Neorealismo é um esforço assinalável pela honestidade do propósito e pela justiça do alcance. António Borges Coelho tem pago, pela inteireza de carácter e de convicções, o preço de deliberados "esquecimentos" e de omissões propositadas. Os seus pares, os seus amigos, numerosos, variados, exactos e inamovíveis, assistem à mediatização de medíocres, premiados e incensados por uma Televisão ignorante, por um jornalismo sem alma e sem critérios de valor e por estratégias políticas desprovidas de elevação. Com o encantador sorriso de garoto que ilumina a sua face e nos ilumina a nós, seus parceiros e companheiros de vida e de batalhas, ele passa de lado e vai à vida: horas e horas de trabalho à banca do zelo, da honra da rectidão.
Não sabe dizer que não. Não se nega a um pedido, a uma solicitação de palestrar. Nunca fala de si nem dos tormentos passados. O pudor impede. A educação impossibilita. Como é possível não gostar, não apreciar este homem que fez da vida uma outra moral em acção, e a quem apetece aplicar a frase de Malraux sobre André Gide: o contemporâneo capital.
Casou-se na cadeia. Com uma mulher que Salazar também encafuara na prisão. Costumo pensar que não há ela sem ele, nem ele sem essa escora fundamental do edifício por ambos construído. Uma memória a dois, que se expande nesse fixar o que fica, nesse ficar o que o tempo deixou para trás. "A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento", escreveu Milan Kundera, em "O Livro do Riso e do Esquecimento." Isso mesmo.
A história como memória e interpretação do que a memória dos homens nos legou em livros e em acções. Eleger como os fundamentos das coisas o trabalho, as fadigas do "povo meudo" de que falou Fernão Lopes e cuja lição modelar Borges Coelho tem seguido, com interpretações próprias e exemplares.
É indispensável ler a obra de António Borges Coelho. Não se deixe manobrar, meu Dilecto; não volte as costas ao conhecimento; não desconheça donde viemos para saber quem somos. Sobretudo para saber quem somos. Sem fadiga, enfrentando todos os óbices, desafiando todas as dificuldades, António Borges Coelho tem entregue a sua vida a esse cuidado e a essa tarefa. Para se entregar a nós, Dilecto, para se entregar a nós!
Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no "Jornal de Negócios", em 26/03/2010

domingo, 4 de abril de 2010

Domingo de Páscoa


" Após as vésperas de Sábado, ao romper da aurora do primeiro dia depois de Sábado, Maria Madalena e a outra Maria foram visitar o Sepulcro. Houve, então, um grande tremor de terra: e um Anjo do Senhor desceu do céu, aproximando-se do túmulo, revolvendo a pedra, e assentou-se sobre ela. O seu rosto tinha o brilho de um relâmpago e os seus vestidos eram brancos como a neve. Os guardas, logo que o viram , encheram-se de tal pavor, que ficaram como mortos! E o Anjo, começando a falar, disse às mulheres: " Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, porque ressuscitou, como dissera! Vinde e vede o lugar onde o senhor havia sido colocado! Ide depressa dizer aos seus discípulos que Ele ressuscitou e que vos precederá na Galileia, onde O vereis. Eis o que antecipadamente vos anuncio."

Evangelho segundo S. Mateus 28, 1-7

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Requiem - dies irae de Giuseppe Verdi

Um excelente e clássico desempenho da BBC Welsh Orchestra e do National Chorus of Wales de 1994, em National Eisteddfod, no Vale de Neath.