Amália , sempre Amália
Os nomes que engrandeceram o nosso Património , ou que são também o nosso Património, têm uma característica comum: a memória. E se , por vezes, o silêncio simula afastá-los, logo em seguida há quem os rememore e a pujança da obra legada retorna para fruição jubilosa. Amália Rodrigues é uma dessas figuras. Ícone do Fado, por mais que seja interpretada por afirmados, distintos ou novos valores , ela permanece no topo e na vanguarda desta lusa canção.
Hoje, Segunda –Feira, é apresentado, na Embaixada da França, em Lisboa, o livro "Amália uma voz no mundo" de Jean-Jacques Lafaye, que foi o seu empresário internacional. Para ele, Amália Rodrigues é "uma malabarista das harmonias".
No DN de ontem , Domingo , estava publicado, sobre este acontecimento, o seguinte:
“A obra, agora traduzida para português e editada pelo Museu do Fado, tem um prefácio de João Braga e reproduz fotografias inéditas da fadista e vários documentos, como a troca de correspondência com o editor discográfico Rui Valentim de Carvalho ou o representante de Amália, João Belchior Viegas.
"Amália uma voz no mundo" divide-se em quatro partes, uma delas inteiramente dedicada aos sete anos que Lafaye trabalhou com Amália, de 1985 a 1992, período que coincidiu com as celebrações mundiais dos seus 50 anos de carreira artística.
Uma das partes reproduz a entrevista que o autor fez à fadista em 1982, na qual a criadora de "Gaivota" conta o seu trajecto desde que "aos quatro anos" cantava as canções que ouvia a pedido dos vizinhos.
Nesta entrevista, a fadista é questionada sobre várias matérias como "o progresso do mundo", "o que pensa da humanidade", se "o amor pode substituir tudo", sobre música, porque começou a escrever poemas, e até sobre a sua fé em Deus. Nesta última matéria a criadora de "Foi Deus" (letra e música de Alberto Janes) atesta: "Tenho fé, creio em Deus mesmo que não haja Céu. Creio que a verdadeira fé é essa".
A dado passo da entrevista, a artista afirma: "Nada é perfeito, íntegro, absoluto na Terra. Mas nunca se sabe o que pode acontecer, temos sempre uma esperança no nosso íntimo, para nós e para os outros".
Sobre Amália Rodrigues escreve o autor: "Há nela um combate que se espera, e nós amamos aqueles que nos arrancam aos nossos nada secretos. Amália é a força de viver, a vitória subtil do trágico sobre a tragédia - toureira da canção, arrisca-se ao cantar, malabarista das harmonias, pronta a morrer para renascer".
O fadista João Braga afirma no prefácio que a Amália que "vamos reencontrar neste livro é indispensável" apesar dos "rios de palavras" que se escreveram sobre a artista. Lafaye, argumenta João Braga, "mostra-nos uma Amália rara para nós: Amália fora de Portugal, mais vulnerável e mais saudosa". Uma obra, escreve o fadista, que é sobretudo "para a imensa legião de admiradores que a descobriu nos anos do fim [da carreira]".
A obra "Amália uma voz no mundo" foi editada originalmente em 2000 e só agora é traduzida para português, por Luiz de Lima, sendo apresentada Segunda-feira às 18:30 na embaixada da França em Lisboa, com a presença do autor. Esta sessão é, segundo fonte diplomática gaulesa, "uma homenagem do embaixador Pascal Teixeira da Silva, a Amália Rodrigues, cantora com uma personalidade e uma voz inimitáveis".
Amália Rodrigues morreu em 1999, em Lisboa; foi a mais internacional dos artistas portugueses, tendo actuado nos cinco continentes, dos Estados Unidos ao Japão, de França a Timor-Leste, passando pelo Líbano, Israel, Brasil, Itália, China, ex-União Soviética, entre outros países.
Além do repertório fadista, com temas como "Ai, Mouraria", "Maria Lisboa" ou "Povo que lavas no rio", Amália interpretou folclore português como "Tirana", "Valentim" ou o "Malhão de São Simão", os poetas medievais e renascentistas, nomeadamente Roriz de Castelo Branco e Luís de Camões, além de marchas de Lisboa e canções como "Covilhã, cidade neve". Amália gravou também vários temas em espanhol, inglês, italiano, e francês."
Lusa, publicado por Isaltina Padrão, in DN 28/10/12
Gaivota
Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse,
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa,
Esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu,
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro,
Esse olhar que era só teu,
Amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração
Amália Rodrigues
Composição: Alexandre O'Neill / Alain Oulman