domingo, 28 de fevereiro de 2010

A tempestade tomou conta do mundo


Sábado, um violento sismo com magnitude de 8,8 na escala de Richter atingiu o centro do Chile, causando mais de 700 mortos e afectando cerca de dois milhões de pessoas. A violência do tremor foi a mais forte registada nesta região nos últimos 50 anos e teve o epicentro a 115km a Norte de Concepción e a 39 Km de profundidade de acordo com a informação veiculada pelo Instituto Americano de Pesquisa Geológica (USGS). Foram sentidas quase trinta réplicas que lançaram o pânico e deixaram muitas pessoas emprisionadas nas suas casas vitimas dos desmoronamentos ou submersas nos escombros. O perigo de tsunamis pairou por toda a costa do Pacífico, tendo-se registado ondas de grande volume não só no Chile como noutros paises. A dor chega de novo e de rompante marcando tragicamente um povo e um país.



Em França, a tempestade Xynthia matou pelo menos 45 pessoas . Após uma reunião no Matignon François Fillon fala de "catástrofe nacional" e Nicolas Sarkozy anunciou ir visitar, amanhã, as zonas mais castigadas. O balanço dos mortos e desalojados não é ainda definitivo sendo , por tal, susceptível de aumentar. No Departamento de Vendée, o mais castigado , 29 pessoas morreram após a passagem da tempestade , a mais violenta e mortífera desde 1999. A ruptura dos diques na costa Atlântica provocou múltiplas inundações nas habitações situadas nas proximidades. A Europa vai também sucumbindo as agruras destas intempéries globalizadas que nos vão tão frequente e desprevenidamente atormentando. Tinhamo-nos esquecido de quanto é forte e violenta a Natureza quando toma conta de nós.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

U2 and Pavarotti, Miss Sarajevo

Pavarotti & U2, em Modena, Itália, interpretando magistralmente "Miss Sarajevo", uma das mais lindas canções para partilhar com o mundo em memória de uma parte dele.




U2:
Is there a time for keeping your distance
A time to turn your eyes away
Is there a time for keeping your head down
For getting on with your day
(...)
Pavarotti:
Dici che il fiume
Trova la via al mare
E come il fiume
Giungerai a me
Oltre i confini
E le terre assetate
Dici che come fiume
Come fiume...
L'amore giunger
L'amore...
E non so più pregare
E nell'amore non so più sperare
E quell'amore non so più aspettare

You say that the river
Finds the way to the sea
And as the river
You'll come to me
Beyond the borders
And the thirsty lands
You say that as river
As river
Love will come
Love
And I cannot pray anymore
And I cannot hope in love anymore
And I cannot wait for love anymore

U2:
Is there a time for tying ribbons
A time for Christmas trees
Is there a time for laying tables
And the night is set to freeze.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Morte de Orlando Zapata, prisioneiro político de Cuba

Um dos principais dissidentes políticos cubanos, Orlando Zapata, morreu na tarde de terça-feira num hospital da capital de Cuba, Havana, após uma greve de fome de 86 dias. O governo de Cuba considera os prisioneiros dissidentes como "mercenários" ao serviço dos Estados Unidos.
Há poucas semanas, a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional havia afirmado que o estado de saúde de Zapata era "preocupante" e feito um apelo para que a sua libertação fosse imediata.Esse pedido não foi atendido e Zapata acabou por não resistir ao estado de debilidade em que se encontrava. Foi ontem a enterrar, em Banes, na presença de dezenas de amigos e dissidentes. "Acabámos de o enterrar. Muitos irmãos [dissidentes] acompanharam-me, mas nós fomos reprimidos e escoltados por agentes da Segurança de Estado até aos últimos instantes", disse à AFP a mãe, Reina Luisa Tamayo.
Zapata é o segundo preso de consciência a morrer de greve de fome em Cuba, iniciada para criticar as suas condições de detenção, tendo o primeiro sido Pedro Luis Boitel, em 1972.
O líder cubano, Raúl Castro, disse na quarta-feira que "lamentava" a sua morte, mas negou a existência de torturas na ilha. A mãe de Zapata recusou os "lamentos" do Presidente.
Depois de uma primeira reacção considerada por muitos insuficiente, o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, exigiu ontem a Havana a libertação dos seus mais de 200 prisioneiros políticos e o respeito pelos direitos humanos. "É uma exigência fundamental de toda a comunidade internacional", afirmou, em nome da União Europeia (que actualmente preside).
O Governo espanhol defende uma alteração da política europeia para com a ilha, apostando numa aproximação. "A morte de Zapata constitui uma bofetada para a política do Governo em relação a Cuba", lia-se ontem no editorial do El Mundo.
Esperemos que Cuba se liberte dos fantasmas tão falsa e caducamente ameaçadores que descortina, ainda, na dissidência e retome definitivamente o caminho das liberdades fundamentais, entre as quais está aquela que levou Zapata à morte.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Póvoa de Varzim, As Correntes d'Escritas


Iniciaram-se, ontem, 24 de Fevereiro, As Correntes d'Escritas na Póvoa do Varzim, um dos maiores encontros de escritores ibero-americanos do nosso país. Esta é já a 11ª edição promovida pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim que se prolongará até Sábado, 27 de Fevereiro.
Maria Velho da Costa acaba de ser nomeada vencedora do Prémio Casino da Póvoa , com o seu livro "Myra".
Ao longo dos quatro dias, as Correntes dividem-se entre mesas-redondas e lançamentos de livros. Escritores portugueses, espanhóis, brasileiros, angolanos, uruguaios, argentinos, mexicanos e colombianos vão comentar os mais diversos e inesperados temas propostos pela organização, liderada por Manuela Ribeiro e Francisco Guedes, sob a tutela do vereador da Cultura Luís Diamantino.
A primeira mesa-redonda, Escrevo para desiludir com mérito, decorreu, ontem, às 17, com Ana Luísa Amaral, Eduardo Pitta, Fernando J. B. Martinho, Francisco Moita Flores, Gilda Nunes Barata, Zuenir Ventura e Catherine Dumas, professora francesa há muito radicada em Portugal, na moderação.
Hoje, quinta, 25, é a vez de Pedra a pedra constrói-se a poesia, às 10 e 30, com Manuel Rui, Maria Teresa Horta, Pedro Teixeira Neves, Rosa Alice Branco, Tiago Gomes e José Carlos de Vasconcelos; às 15, Passo e fico como o universo, com Bernardo Carvalho, Germano Almeida, Isaac Rosa, João Tordo, Tânia Ganho e Carlos Vaz Marques; e, às 17 e 30, O esforço inédito das palavras, com J.J. Armas Marcelo, Luís Naves, Manuel da Silva Ramos, Pablo Ramos, Paulo Kellerman e Inês Pedrosa.
Estas mesas-redondas são sempre intercaladas com lançamentos de livros e culminam, à noite, no Hotel Axis Vermar, onde estão alojados os convidados do encontro, com uma noite de poesia, excepto hoje, pois há festa especial de lançamento do novo livro de Roberto Bolãno , no Bar da Praia, a partir da meia-noite, com música a cargo do dj irmãolucia, e na sexta feira, 26, em que serão conhecidos os vencedores dos Prémios de Edição Ler/booktailors, às 22, no Auditório Municipal.
Durante o dia de sexta, decorrem mais três mesas-redondas: As palavras cercam-nos como um muro, às 10 e 30, com Héctor Abad Faciolince, Inês Botelho, Imma Monsó, José Carlos Barros, Pedro Pinto e Onésimo Teotónio de Almeida; O poeta é um predador, às 15, com Inma Luna, Ivo Machado, Jorge Melícias, Tiago Nené, valter hugo mãe e Francisco José Viegas; e A Literatura perverte a imaginação, às 17 e 30, com João de Melo, Leonor Xavier, Malangatana, Manuel Jorge Marmelo, Gonzalo Celorio e Ivo Machado.
As Correntes encerram, no sábado, 27, às 18 e 30, com a entrega dos prémios associados ao encontro. Além do galardão principal - Prémio Literário Casino, foram distinguidos Miguel Rocha de Pinho, com o Prémios Papelaria Locus, para jovens entre os 15 e 18 anos, e as escolas João de Deus, de Estarreja, EB1 de Ferreiros, de Gondomar, e EB1 de Touguinhó, de Vila do Conde, com o Prémio Conto Infantil Ilustrado/Porto Editora.
Este último dia arranca com mais duas mesas-redondas (há ainda uma em Lisboa, a 1 de Março, no Instituto Cervantes). João Paulo Sousa, Lourenço Pereira Coutinho, Paulo Moreiras, Sérgio Luís de Carvalho, Vítor Burity da Silva e José Mário Silva falam sobre Duvido, portanto penso, a partir das 10 e 30, enquanto que a Luandino Vieira, Mário Zambujal, Milton Fornaro, Onésimo Teotónio de Almeida, Ricardo Menéndez Salmón, Rui Zink e Maria Flor Pedroso cabe o tema Cada palavra é um pedaço do universo. Será o fim de uma maratona cultural, que inclui ainda inúmeras visitas a Escolas do município e sessões com alunos de concelhos limítrofes, assim como a projecção de dois documentários sobre Alexandre O'Neill e José Cardoso Pires (hoje, dia 25, às 21 e 45, no Auditório Municipal )
Informação do JL e da Câmara Municipal de Póvoa de Varzim

Madeira, o regresso



A perda de tudo ou de quase tudo não derrotou os que foram vitimados pela insana e implacável tempestade. Não, ei-los que voltam e num trabalho doloroso, mas pleno de coragem e dignidade iniciam a reparação do que lhes pertencia. Outros ajudam os que foram mais castigados que eles próprios e outros ainda, aqueles que não foram directamente atingidos, dão a mão fraterna num impulso conjunto e efectivo de reconstruir a sua ilha, a Madeira.
Assim, ainda é Portugal. Assim é a gente da Madeira.
Maria do Mar

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Soneto Primeiro


Não foi Guevarra, mãe, quem te rasgou
Com os punhais do frio pela manhã.
Foi quando eu te feri que um cão ladrou.
Das rosas veio um cheiro a hortelã!

Nos mastros adejavam as gaivotas.
Era Fevereiro. E a noite um pesadelo.
Da chuva que caía algumas gotas
Quiseram repousar no teu cabelo.

E eu nasci. No quarto ninguém estava.
À porta só a chuva é que teimava
Em molhar os lençóis da tua cama.

Não foi Guevarra, mãe, quem tu pariste
Foi um grito do povo azul e triste
Na noite em que chorei luas de lama.

Joaquim Pessoa , in "Amor Combate"

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

PORDATA, a maior base de dados estatísticos sobre Portugal


A maior base de dados estatísticos sobre Portugal, a PORDATA com acesso universal e gratuito, estará aberta a partir de hoje na Internet, resultado de uma iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, presidida pelo investigador António Barreto. Disponível em www.pordata.pt, reúne estatísticas sobre "quase todos os capítulos da sociedade portuguesa", com dados relativos aos últimos 50 anos, fornecidos por mais de 30 entidades que produzem estatísticas certificadas, segundo explicou Barreto à Lusa.
Barreto dedica o melhor de si à Fundação, cujo grande objectivo é "pensar, estudar e contribuir para o melhor conhecimento da realidade portuguesa", como se lê na sua carta de princípios. Em entrevista ao i, o sociólogo tinha já anunciado o projecto, que tinha como deadline a Primavera de 2010: “chama-se PORDATA, nome já registado, que serve para o mundo inteiro e para a net, sem acentos circunflexos, nem til, nem cedilhas... Por baixo há um subtítulo, "Base de Dados Portugal Contemporâneo": é a tentativa de agregar, organizar e homogeneizar os dados existentes sobre Portugal desde 1960 até hoje, em todos os domínios: demográfico, sanitário, educativo, populacional, emprego, desemprego, salários, vencimentos, justiça, cultura”.
Na PORDATA podem ser consultados valores diários e anuais, com destaque para os nascimentos e óbitos, o número de jornais em revistas em circulação e os valores da despesa pública com saúde e educação. Os dados não são estáticos, pelo contrário, têm actualização automática e em tempo real. Por exemplo, a cada jornal ou revista vendidos em Portugal, o número cresce, ou a cada utente atendido pelo SNS a despesa com saúde também aumenta.
No entanto, a PORDATA é mais do que uma grande base de dados, já que permite ao utilizador escolher e cruzar variáveis, criar os seus próprios quadros e gráficos "estáticos e dinâmicos", calcular taxas de variação e percentagens. Tudo, no máximo, em três cliques, segundo os responsáveis pelo projecto.
À semelhança do que se faz lá fora, agora os cidadãos portugueses podem, de forma rigorosa, “formar a sua opinião” e, logo, criar consciência da realidade social portuguesa. Isto, segundo o investigador, “contribui em larga escala para o desenvolvimento da sociedade, o reforço da cidadania e a melhoria das instituições públicas”


Por Nelma Viana, Publicado em 23 de Fevereiro de 2010, no Jornal i

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Plateia


Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

Miguel Torga, in "Câmara Ardente ", 1962

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A tempestade na Madeira II




























A tempestade destruiu e demoliu tudo o que se lhe opôs. Imagens violentas dessa submissão forçada que nos deixam magoados e lançam os madeirenses numa trágica situação. Entretanto, a solidariedade da sobrevivência vai também marcando o olhar de quem passa.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Tempestade na Madeira


Num ápice, num instante terrível e medonho a natureza tira ao Homem aquilo que lhe ofereceu e tudo o que ele construiu. E assim ficam imagens de devastação que arrastaram já 32 pessoas e desalojaram centenas. A pobreza vai aumentar e a tragédia provocada por esta força incontrolável transcende a capacidade de aceitação por aqueles que viram perigar os seus familiares e que se deparam ainda mais pobres e vulneráveis.
No tempo de todas as crises, as intempéries naturais geram outras crises que lançam o homem no desespero da perda imediata.

Que pretende Sócrates com estas reuniões?


Baptista Bastos
Que pretende Sócrates com estas reuniões?

As reuniões que o PS vai promover não resolvem nada de importante. Nem para aquele partido, nem para o Governo e muito menos para o País. Sócrates está metido numa camisa de onze varas, é acusado (com razão ou sem ela) de tropelias inomináveis, e cercado como até agora nenhum primeiro-ministro o foi. Tenta, talvez, a fuga para a frente, apoiado num hipotético consenso socialista. Mas o mal--estar também está instalado no PS.
José Sócrates dirigiu uma política abertamente de Direita, subtraindo ao PSD o lugar devido, e atirando este partido para o limbo. A desorientação larvar no PSD é directamente causada pelo Governo PS. Já o escrevi: Sócrates não tem amigos; tem instantes de amizade. Nem correligionários. Apenas um grupo de indivíduos, beneficiários do facto de estarem sempre de acordo com o chefe. Como escreveu João Chagas, grande jornalista e grande político da I República: "Mudam-se as caras, não se alteram as bocas. E as bocas são sempre as mesmas, na mesma manjedoura." A luta movediça pela substituição de Sócrates não é insídia da Imprensa, nem está para breve. Atirá-lo pela borda fora com que substituto?
Sócrates entende o perigo. E, também, que os seus inimigos são poderosos, eficientes, e dispõem de assalariados. A peregrinação que faz pelas estruturas do PS pode dar resultados emocionais momentâneos; porém, a longo prazo, alea jacta est. Ninguém o atura, ninguém o deseja, poucos o suportam. Ao contrário do que a propaganda disse (agora está em doce mutismo) ele não procedeu a reformas: aplicou deformas, deformou, reduziu, e criou um ambiente malsão na sociedade portuguesa. Enfrentou, não as corporações, enfrentou, isso sim, classes profissionais, provocando movimentos cívicos e populares dos de maiores dimensões desde que há democracia em Portugal.
[A propósito de democracia e de liberdade, e para que não haja dúvidas sobre o que penso, repito o que escrevi, na última semana, nestas páginas: "Quem diz que não há liberdade de Imprensa em Portugal ou é mentalmente indigente ou está a ser o serventuário de uma estratégia política repugnante. Os nossos problemas são outros e muitíssimo mais graves." E adianto: que significado real e concreto possuem aquelas sessões parlamentares sobre liberdade de Imprensa? Francamente, há gente que oblitera a natureza do problema e que perdeu o pouco que lhe restava de vergonha.]
Os estragos que José Sócrates fez, no tecido social português, são irreparáveis. Nunca é de mais insistir na sua actividade de lesa-pátria. Porque é disso que se trata, quando se trata das grandes ofensivas contra o mundo do trabalho, dos ataques à Educação, à Saúde (a passagem do sinistro Correia de Campos por esta pasta foi trágica para os utentes), à Previdência.
Que vai dizer Sócrates, nessas reuniões, aos seus "camaradas"? Mudar de carácter não muda; mudar de política nem ao de leve pensar nisso. Como lhes vai explicar a recusa em colaborar com a Esquerda e a cumplicidade com a Direita, como voltou a verificar-se para a aprovação do Orçamento de Estado? Os socialistas não estão imunes a estas "reformas", e viu-se, nos grandes protestos de rua, numerosos militantes do PS a engrossar a imensa corrente popular.
Os portugueses devem ter em conta que a situação caótica não poderá manter-se, por muitas reuniões que o secretário-geral promova. Ele quebrou os laços de civilidade, indispensáveis para a formação de um conceito de sociedade coesa e plural; depredou o capital emotivo que a ideia de "socialismo" em si mesma comporta; e afectou, gravemente, toda a Esquerda. As pessoas cansaram-se da lenga-lenga retórica; do quero, posso e mando; da soberba que fazem de José Sócrates o tipo de monarca absoluto. Creio que estes conclaves apenas servem para o aplauso, para as manifestações acríticas; não esclarecem nada porque renunciam, na essência, ao debate e ao combate.
José Sócrates não serve. Mas encontramo-nos numa situação dilemática: os outros não serão piores?
APOSTILA - Façamos uma pausa. Descansemos, um pouco, desta desvergonha que nos rodeia. "Já somos pouco a aguentar", dizia-me, há dias, um querido e velho amigo, daqueles que também se envolveu em tudo sem exigir nada, a não ser um país livre e livremente respirável. Façamos uma pausa para ler, devagarosamente, com deleite e prazer, "Livro de Reclamações", de um grande autor português, António Ferra, cuja modéstia é proporcional ao seu imenso talento. Não; ele não aparece nas recensões do "Público", e está omisso nas graves páginas da Colóquio. No entanto, é um importante poeta, culto, inovador e original. Lê-lo é penetrar na visão, simultaneamente onírica e real, terna e sarcástica, de um autor que prossegue um caminho no qual os valores teimam em se não perder.

Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no Jornal de Negócios, em 19/02/2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Fado Português

PORTUGAL e o Fado na mestria das palavras de José Régio pela voz ímpar de Dulce Pontes.



O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

José Régio, in "Poemas de Deus e do Diabo"

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Dalai Lama na Casa Branca



"Só existem dois dias no ano em que nada pode ser feito. Um chama-se ontem e o outro chama-se amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver." Dalai Lama


Dalai Lama é recebido, hoje, na Casa Branca por Barack Obama. O encontro vai realizar-se à porta fechada, num clima de crispação com a China que classifica como traição qualquer recepção ao líder espiritual do Tibete. Esta atitude reveladora de despotismo intelectual e material tem atemorizado muitos países que sucumbem à emergente afirmação económica chinesa recusando encontros oficiais com Dalai Lama. Infeliz e vergonhosamente Portugal já foi incluido na lista desses países.
A China invadiu o Tibete em 1950 , obrigando os Tibetanos a lutar pela sua nação durante nove duros anos em que mosteiros e milhares de vidas foram perdidas. Despojados dos seus direitos viram-se submetidos por um brutal regime totalitário que os anexou definitivamente.
Em 1959, porque estava em perigo a sobrevivência espiritual da Nação Tibetana, Dalai Lama abandona o Tibete, num exílio forçado que se prolonga até aos nossos dias .
"Sou um adepto fervoroso da doutrina da não violência, que foi ensinada pela primeira vez pelo Buda, sendo depois praticada pelo santo e líder Mahatma Gandhi", declarou Dalai Lama na Índia.
Em 1989 é galardoado com o Prémio Nobel da Paz, mas e apesar dessa distinção , os grandes e pequenos chefes do nosso mundo pequeno continuam a exercer uma diplomacia hipócrita e utilitária reforçando a política de afronta aos direitos humanos perpretada pela China.
Maria do Mar

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A teoria das emboscadas


Sócrates, o filósofo grego, era conhecido por nunca atacar os adversários de forma frontal, mas através de emboscadas. Usava a ironia para conquistar seguidores para os seus pontos de vista e cortejava os que queria submeter. Era considerado um mestre da psicologia. Sócrates, o primeiro-ministro, aprendeu muito pouco com o seu homólogo. Cada vez é mais evidente que ele, para conquistar, usa outro tipo de emboscadas. Que passaram pela conquista do sector financeiro que, aliada ao poder do Estado nas empresas estatais, acabariam por dominar a opinião publicada. E assim, criar, a hegemonia ideológica do seu gabinete em todo o País. Sócrates, o português, desconhece a ironia e dá pouco valor à persuasão através do diálogo. Prefere as teias urdidas nas sombras, através de eminências pardas que foram sendo colocadas em empresas públicas e privadas. Julgava que a anestesia social seria a melhor forma de governar Portugal como uma quinta. Sócrates domesticou o PS e, até há pouco, o Parlamento. Tornou irrelevante o poder legislativo. Depois conseguiu, com leis feitas à medida de necessidades pontuais e da disponibilização de meios financeiros, tornar o poder judicial um saco de gatos. A célebre teoria da separação de poderes foi inovada por Sócrates: o poder legislativo e o judicial respondiam, cada vez mais, perante o executivo. A questão do domínio das notícias publicadas seria o corolário da utilização do poder financeiro e empresarial que o Estado (e o executivo) dominam. A ironia de quem não a usa, é que este plano ainda não pereceu.

Artigo de Opinião de Fernando Sobral, publicado no Jornal de Negócios, em 15/02/2010

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Este é o tempo das utopias


«Este é o tempo das utopias. É isso mesmo.
A utopia está lá no horizonte.
Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar

Eduardo Galeano

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

LIBERDADE: "Je chante avec Toi Liberté" por Nana Mouskouri

Uma excelente interpretação de Nana Mouskouri em " Je chante avec Toi Liberté" de "Va, pensiero", (Coro dos Escravos Hebreus) da Ópera Nabucco de Giuseppe Verdi.
"Nabucco" foi uma das primeiras óperas de Verdi. Estreou no Scala de Milão, em 1842. Os fragorosos aplausos com que o público do Teatro Alla Scala de Milão consagrou, a 9 de Março de 1842, o Coro dos Escravos Hebreus durante a estreia da ópera Nabucco asseguraram ao seu autor, Giuseppe Verdi (1813-1901), um lugar definitivo no panteão dos grandes compositores italianos. Com muitas liberdades históricas, o argumento de Nabucco fala da dominação dos hebreus por Nabucodonosor e isso identificava-se com o sentimento do povo italiano daquela época. Quando o coro lançou os primeiros acordes daquela melodia tão simples quanto sublime, cantando as célebres palavras "Va pensiero sull’ali dorate" uma espécie de fagulha espiritual percorreu a plateia.
A Itália atravessava um momento histórico crucial. Não existia ainda como nação, era fragmentada em vários estados. A Lombardia, região da qual Milão era a capital, encontrava-se sob a férrea dominação do Império Austríaco. O anseio popular pela libertação, que logo mais se reflectiria nas árduas batalhas do "risorgimento", o movimento pela unificação italiana, era forte e genuíno. O público que esgotava a sala do velho teatro, naquela noite mágica, identificou imediatamente os sofrimentos dos judeus, cuja pátria fora invadida e dominada pelos babilónios, com a humilhação que os milaneses eram obrigados a padecer sob o domínio dos austríacos. A partir desta metáfora, "Va Pensiero" tornou-se o símbolo musical do "risorgimento" e é, ainda hoje, o hino da liberdade de todos os povos.

Trecho inicial do ensaio "A Presença Judaica na Ópera", publicado no livro Contos de Óperas e Cantos, de Sergio Casoy (Editora ALGOL, 2009), gentilmente cedido pelo autor.




Quand tu chantes je chante avec toi liberté
Quand tu pleures je pleure aussi ta peine
Quand tu trembles je prie pour toi liberté
Dans la joie ou les larmes je t'aime
Souviens-toi de jours de ta misère
Mon pays tes bateaux étaient tes galères
Quand tu chantes je chante avec toi liberté
Et quand tu es absente j'espère
Qui-es-tu? Religion ou bien réalité
Une idée de révolutionnaire
Moi je crois que tu es la seule vérité
La noblesse de notre humanité
Je comprends qu'on meure pour te défendre
Que l'on passe sa vie à t'attendre
Quand tu chantes je chante avec toi liberté
Dans la joie ou les larmes je t'aime
Les chansons de l'espoir ont ton nom et ta voix
La chemin de l'histoire nous conduira vers toi
liberté, liberté...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

I Want to Know What Love Is

"I Want to Know What Love Is" dos Foreigner é uma forte balada que estremece os corações e delicia os ouvidos. Neste dia, ditado por um oportuno calendário, em que todos querem namorar, talvez seja adequado querer saber o que é o AMOR.

Reinvenção



A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... – mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcança...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na trevas
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles, in "Flor de poemas"

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Haiti

F otografia de Jean-Claude Coutausse "Le Monde"


HENRI JEAN-LOUIS, 54 Anos, apesar da destruição e da ausência do seu próprio atelier continua a pintar telas que reproduzem imagens novas de um país acossado por tantas dores. No centro desta tela, Henri Jean Louis ergueu um campo de refugiados rodeado por uma esplendorosa e cromática paisagem haitiana que há muito tem interiorizada, embora esteja tão distante e escondida do seu horizonte visual, pintando e vivendo naquele devastado bairro.
Haiti precisa de continuar, mas continuar com um novo rumo que promova definitivamente a cada um a oportunidade de se realizar como pessoa num ambiente justo e digno, onde os direitos fundamentais não sejam apenas uma garantia.
Maria do Mar

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O Escorpião e o Mestre

Um Mestre Oriental viu um escorpião que se estava a afogar e decidiu tirá-lo da água, mas quando o fez, o escorpião picou-o. Com a reacção da dor, o Mestre soltou-o e o animal caiu outra vez na água, começando de novo a afogar-se.
O Mestre tentou tirá-lo novamente e mais uma vez o animal voltou a picá-lo.
Alguém que estava a observar esta cena aproximou-se do Mestre e disse-lhe:
-Desculpe-me, mas o senhor é teimoso! Não entende que todas as vezes que tentar tirar o escorpião da água ele irá picá-lo?
O Mestre respondeu:
-A natureza do escorpião é picar, e isto não vai mudar a minha, que é ajudar.
Então, com a ajuda de uma folha, o Mestre tirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida, e continuou:
-Não mude a sua natureza se alguém lhe fizer algum mal; tome apenas algumas precauções. Algumas pessoas perseguem a felicidade, outros criam-na. Quando a vida lhe apresentar mil razões para chorar, mostre-lhe que tem mil e uma razões pelas quais sorrir.
Preocupe-se mais com a sua consciência do que com a sua reputação. Porque a sua consciência é aquilo que é, e a sua reputação é o que os outros pensam de si. E o que os outros pensam… é problema deles!


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Miriam Makeba, a "mama" África do Sul

Outra voz que clamou por uma África do Sul sem segregação racial e livre. Regressou definitivamente a esse país a pedido de Nelson Mandela, em 1990.
Neste registo estão canções do concerto que realizou com Paul Simon no Zimbabwe, em 1987.


11 de Fevereiro de 1990, Nelson Mandela era libertado



A 11 de Fevereiro de 1990, Nelson Mandela era libertado, após 26 anos de prisão. Tinha, então, 72 anos. No Estádio do Soweto é aclamado herói e, a partir dessa data, desenvolve uma acção de pacificação e negociação que conduzirá ao fim do "apartheid" e à transição para um novo regime democrático na África do Sul.
Mandela através da sua acção, ergue-se como o símbolo do homem que, apesar de ter sido vítima de um duro racismo, soube difundir o valor primeiro da igualdade de todo o ser humano independente da cor e da raça. Ficará como o ícone do homem novo que viu para além das suas cicatrizes e projectou uma nova nação que detém uma das mais democráticas Constituições do mundo.
Hoje, na África do Sul, realizam-se diversas actividades comemorativas do vigésimo aniversário da libertação de Mandela (Madiba), esperando-se, contudo, que ele compareça apenas na sessão do Parlamento, na cidade do Cabo, devido à sua precária sáude.
Que Nelson Mandela continue no coração de África e seja um exemplo para este nosso mundo tão dissimuladamente segregador. A Madiba a minha homenagem e uma imensa admiração.

OS CINCO ELEMENTOS


Os cinco elementos

Por que água?, perguntas.
Porque se insinua entre fendas,
brota entre pedras,
confunde as esferas,
toma a forma do Mundo.
Por que vento?
Esvai-se entre ramos,
desliza entre abismos,
canta a voz que cede.
Por que fogo? inquires.
Circunda o nome,
labareda a sombra,
desintegra a alma:
e tudo torna cinza.
Por que terra? interrogas.
Porque submete os passos,
e quando a olhamos,
do alto,
sabemos do pó
a humana condição.
Por que céu?
Um silêncio alisa tua pele:
entre folhas,
um sopro se desprende.
Fogo e água…

William Furtado de Mendoza Santander, poeta peruano, in " A rua do padre inglês".

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

As catástrofes do nosso planeta

Quem dera que fosse Veneza, mas é infortunadamente Chalco, nos arredores da Cidade do México, após dias de chuvas intensas que roubaram a muitas centenas de pessoas os frágeis alojamentos e fizeram perecer quase 50 . Mais miséria, mais desalojados, mais vidas perdidas e outras ainda mais vulneráveis, expostas ao risco das intempéries naturais e daquelas que o homem vai provocando.
Maria do Mar

It's a man's world

James Brown & Pavarotti
Modena, Itália, 28 de Maio de 2002, duas vozes, duas personalidades que se juntam numa grande interpretação de " It's a man's world", canção já celebrizada pela extraordinária voz de James Brown.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

De novo os velhos ratos

Baptista Bastos
Continuo a frequentar, com mão diurna e mão nocturna, muitos daqueles poetas que, sem serem a minha escada de Jacob para atingir o céu, têm sido os inseparáveis companheiros da minha jornada para compreender os homens na terra. Muitos deles conheci pessoalmente, de muitos deles fui amigo pessoal, camarada de armas e ouvinte curioso e atento. Não merece a pena nomeá-los; são numerosos e talvez parecesse presunção dizer que com eles comparti tudo o que aconteceu na minha vida. As rivalidades entre eles sempre as coloquei à margem. Deram e continuam a dar a imagem do português médio e arteiro, desolado e trágico, cheio de sorriso e cheio de melancolia.
Não deixo de sorrir quando ouço a vã convocação dos seus nomes, feita por políticos notoriamente distantes do que chamam. Aposto que o dr. Cavaco nunca se deteve numa página de Torga e muito menos de Guerra Junqueiro. Citou-os, no entanto, na abertura das comemorações do centenário da República, com a displicência calma de quem os usa para suportar o que diz. Claro que foi um qualquer assessor do dr. Cavaco o autor do texto. Claro. Mas não deixa de causar uma estranha sensação de mal-estar a designação daqueles que nada têm a ver com estes. Pura girândola.
Há dias, José Sócrates, que, penso, também não será muito dado a estas coisas da literatura, convidou para um almoço (foi um almoço?, não percebi bem) jovens criadores portugueses. Trocou o nome a um deles, o que não tem muita importância, a não ser que se deseje atribuir importância a um acontecimento medíocre. Há anos, António Guterres também chamou a São Bento um sortido grupo de "intelectuais." O objectivo, disse ele, era o de conviver com os homens e as mulheres que "produziam cultura." Confesso que a expressão me incomodou. Saí, acaso espavorido, com Álvaro Guerra, e fomos beber uns uísques, para desanuviar. Não gosto nada destas reuniões. Nada dizem e a nada conduzem, a não ser a circunstância de os convidados sujeitarem-se a ser os "brinquinhos" da cultura com que os políticos se ataviam. Convites para isto e para aquilo recebo-os com regularidade. Em grupo, rejeito-os. Se for coisa de conversa, de troca de ideias, tudo bem. E tenho obtido conhecimentos e informações importantes, confissões e inconfidências que permanecem sigilosos.
Há dias, fui à estante e tirei um dos mais belos livros de poesia do nosso tempo: "O Nome das Coisas", de Sophia de Mello Breyner Andresen, editado em 1977, pela Moraes, no célebre Círculo de Poesia. Gostaria de partilhar com os meus Dilectos a beleza de um texto cuja grandeza jamais é ofuscada pela evidente intervenção que contém. E lá está o sonho permanente de integridade, o gosto inextinguível pela nitidez das coisas, pela eternidade inteira da liberdade.

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome de terrestre.

O poema chama-se A Forma Justa e vai por aí fora. Este pequeno livro da grande poetisa está repleto de ensinamentos a que a ordem do tempo atribuiu valor incalculável. A visão do mundo e a noção da relatividade das coisas encontram-se como um vaticínio (Nestes últimos tempos é certo a Esquerda muita vez / desfigurou as linhas do seu rosto / mas que diremos da meticulosa eficaz expedita / degradação da vida que a Direita pratica?).
Esta mundivivência reverte-nos para a situação actual. Sophia previu, como ninguém, a degenerescência de uma Revolução que recusara a pedagogia em favor da tomada do poder. As críticas que faz aos socialistas são premonitórias. Ela desejava uma sociedade ideal, fraterna e solidária (estas palavras são, hoje, apontadas como anacronismos), onde as possibilidades de tudo estivessem ao alcance de todos.
Assistimos a este desfile de contradições, de mentiras, de vacuidades, a esta petrificação do poder pelo poder, à ascensão da mais parda mediocridade que Portugal já gerou - e desalentamo-nos. Há dias, no programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira, RTP-1, ouvimos tamanha dose de pesares que fomos, esbaforidamente, tomar uns Xanaxes, a fim de aliviar, um pouco, o peso do nosso desânimo.
Nada nos impele à esperança; ninguém, daqueles que valem a pena ser escutados, nos induz que as melhorias estão próximas. Pelo contrário: tudo vai piorar, os portugueses vão viver num inferno de dor e assombro, o desemprego vai aumentar dramaticamente, a emigração voltou aos valores da década de 60, quando os homens fugiam "a salto", na demanda de um futuro mais justo; quando a nossa melhor juventude abalava da guerra colonial, do salazarismo, da espessa falta de ar e de sonho. Por esses anos, fui ver, em Paris, os bidonvilles, os bairros-da-lata imundos onde sobreviviam os nossos compatriotas. A responsabilidade dessa miséria inominável nunca foi rigorosamente atribuída. Mas sabe-se de quem era. Hoje, a erosão da mocidade mais culta e intelectualmente apetrechada, a angústia de não saber que futuro lhe está reservado faz-nos, de novo, lembrar Sophia:

Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos.
Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado.
Novos ratos mostram a avidez antiga

Artigo de Opinião de Baptista Bastos , publicado no " Jornal de Negócios ", em 5/02/2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ajudar o Haiti

Imagens terríveis e dolorosas de um povo, vítima de uma catástrofe e de uma miséria continuada.

Vários artistas cantam " Everybody Hurts " para ajudar o Haiti numa campanha de solidariedade internacional.



LYRICS
Leona Lewis
When the day is long and the night, the night is yours alone,
Rod Stewart
When youre sure youve had enough of this life, well hang on
Mariah Carey
Dont let yourself go, cause everybody cries and everybody hurts
Cheryl Cole
Sometimes.... sometimes everything is wrong.
Mika
Now its time to sing along
Michael Buble
When your day is night alone,
Joe McElderry
(hold on, hold on)
Miley Cyrus
If you feel like letting go
James Blunt
If you think youve had too much of this life, well hang on..
Gary Barlow
Cause everybody hurts..
Mark Owen
Take Comfort in your friends
Jon Bon Jovi
Dont throw your hand, oh no
James Morrison
Dont throw your hand.
If you feel like youre alone, no, no, no, you are not alone
Susan Boyle
If youre on your own in this life, the days and nights are long,
Aston Merrygold
When you think youve had too much of this life to...
Marvin Humes
...hang on
Shane Filan
Everybody hurts, sometimes,
Mark Feehily
Everybody cries
Kylie Minogue
And everybody hurts... sometimes
Robbie Williams
And everybody hurts... sometimes, so hold on, hold on
Everyone
Hold on, hold on, hold on, hold on, repeat to fade

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Jonathan Livingston Seagull

"Este é o filme que marcou uma geração e transformou o livro de Richard Bach num best-seller que vendeu 40 milhões de cópias e o fez viajar por 70 países do mundo. Fernão Capelo Gaivota é uma ave que não se contenta em voar apenas para comer, ou em lutar para sobreviver. Fernão tem prazer em voar e esforça-se para aprender tudo sobre vôo. Por ser diferente do bando, é expulso. Com excelente trilha sonora de Neil Diamond e magnífica fotografia, o filme é uma parábola. Faz uma analogia entre o homem e a gaivota, no sentido de mostrar as dificuldades de superação dos limites, do encontro com a liberdade verdadeira e a espiritualidade, pautadas no amor e na compreensão do outro."

Informações Técnicas:
Título Português: Fernão Capelo Gaivota
Título Original: Jonathan Livingston Seagull
País de Origem: EUA
Género: Drama
Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento: 1973
Estúdio/Distrib.: Paramount Pictures
Direcção: Hall Bartlett

Elenco:
Philip Ahn .... Chang (voz)
Richard Crenna .... Father (voz)
James Franciscus .... Jonathan (voz)
Kelly Harmon .... Kimmy (voz)
Hal Holbrook .... The Elder (voz)
David Ladd .... Fletcher (voz)
Dorothy McGuire .... Mother (voz)
Juliet Mills .... The Girl (voz)
Excertos :
"... Fernão, é que tu és um pássaro num milhão. A maior parte de nós percorremos um longo caminho.
Fomos de um mundo para o outro que era quase igual ao primeiro, sem nos preocuparmos com o destino, vivendo o momento.
Fazes alguma ideia de quantas vidas teremos de viver antes de compreendermos que há coisas mais importantes do que comer, lutar, ou disputar o poder no Bando?
Mil vidas, Fernão, dez mil vidas!
E, depois, mais cem vidas até começarmos a aprender que a perfeição existe, e outras cem para constatar que o nosso objectivo na vida é conseguir a perfeição e pô-la em prática.
As mesmas regras se aplicam, agora a nós: escolhemos o nosso mundo através do que aprendemos neste. Se não aprendermos nada, então o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e obstáculos a vencer."
(...)
"O que fizeste foi modificar abruptamente o teu nível de consciência, que, a propósito, até é bem mais evoluído que o que deixaste. Podes permancer aqui e aprender neste nível, ou voltar..."

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Cravinho diz que políticos estão no centro da corrupção grave


O ex-ministro socialista João Cravinho afirma que «o centro da corrupção grave em Portugal» está «no sector político». «Isso é o grande problema que nós temos pela frente», declarou o autor de um pacote anti-corrupção recusado pelo Governo.
Em entrevista à Rádio Renascença, Cravinho considera que «as redes de tráfico de influências são o principal problema do país» e acusa a classe política de não enfrentar o desafio.
«Isso hoje é o grande problema que nós temos pela frente, que é essencialmente um problema político, da classe política, e a classe política em Portugal, hoje, afasta toda e qualquer possibilidade de se considerar sequer o problema», diz.
«Podemos fazer uma experiência, vão agora à Assembleia e ponham as coisas preto no branco, numa linguagem muito simples. Onde está o centro da corrupção grave em Portugal? Eu digo, está no sector político. Perguntem aos líderes políticos e vão ver se eles não assobiam para o ar», afirmou o ex-ministro, numa entrevista que será transmitida este sábado no programa Res Publica.
Jornal SOL, 6/02/2010

De " Memória do Corpo"


Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes
a laranjeira em flor a cor do feno
a saudade lilás que há nos poentes
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.


Rosa Lobato Faria, em "Memória do Corpo", Textual editores, 1992

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O País dos tijolos

Eu mexo-me melhor na confusão, dizia Juan Domingo Péron. Desde então, esta mínima tem sido maximizada por todo o tipo de políticos. Não admira pois que a ideologia da confusão seja hoje seguida militantemente em Portugal. O País aproxima-se perigosamente da demência institucionalizada. A confusão tornou-se tão generalizada que já ninguém sabe quem é que está de um lado ou de outro do espelho que mostrava Alice. Portugal tornou-se o recinto dos loucos do "Voando sobre um ninho de cucos". Em que outro local do mundo dirigentes políticos e empresariais inovam a língua portuguesa acrescentando um novo significado à palavra "tijolo" (agora, "um pacote de dez maços de dez notas")? Em que outro sítio deste planeta os seus dirigentes discutem em voz alta o que fazer a um jornalista? Portugal está à beira da loucura. E ninguém ainda o avisou disso. É a "fast-food" política, onde só o imediato importa, que tornou tudo isto possível. Política é o que surge hoje no noticiário das oito. O longo prazo é o que surge amanhã no noticiário da noite. A relação crucial agora é entre o político, o jornalista e o conselheiro. As opiniões populares estão a ser continuamente testadas, mas só para confirmarem a resposta desejada. É por isso que a política do "focus group" e do nivelamento da informação se tornaram cruciais na política portuguesa. É esse vírus que está a corroer, como bicho-carpinteiro, a democracia portuguesa. Faz-se política como se estivéssemos no recreio da escola primária. E é nessa confusão que se move o poder.

Fernando Sobral, Artigo de Opinião publicado no "Jornal de Negócios" , em 3/02/2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Rosa Lobato Faria morre aos 77 anos

A actriz, escritora e compositora Rosa Lobato Faria, de 77 anos, morreu hoje depois de ter sido internada há uma semana com uma anemia grave num hospital privado de Lisboa. O seu editor na ASA e agora na Porto Editora, Manuel Alberto Valente, recorda-a como "uma pessoa extraordinária" e revela que Lobato Faria desejava publicar um novo romance este ano. Lauro António, realizador, frisa que "ela deixa uma marca forte no mundo do espectáculo e da cultura portuguesa".
Rosa Lobato Faria estava internada num hospital privado de Lisboa há uma semana devido a anemia e já há mais de seis meses que sofria de complicações devidas a uma cirurgia motivada por uma infecção intestinal. É viúva de Joaquim Figueiredo Magalhães, editor literário, desde 26 de Novembro de 2008.
"É uma grande dor e uma grande perda", lamenta Manuel Alberto Valente ao PÚBLICO, que editou o primeiro romance da autora - "Para além de ser muito bem escrito, trazia para a área da ficção essa marca poética muito forte de todo o trabalho dela" - e quase toda a sua obra desde então.
"Foi crescendo entre nós uma amizade muito grande. Eu era uma das primeiras pessoas a ler cada original que ela terminava. Tinha prometido entregar-nos brevemente o novo romance que queria publicar ainda este ano. Não sei em que fase estava da escrita desse romance, mas vou agora tentar saber junto da família."
Lauro António, realizador de cinema que dirigiu Rosa Lobato Faria em "Paisagem Sem Barcos" (1983) e "O Vestido Cor de Fogo" (1986), elogia a sensibilidade e a elegância da actriz, que "ao mesmo tempo [era] muito intensa ao nível das suas convicções e paixões". O realizador assinala ainda que "a imagem que se tinha dela correspondia muito à sua essência. Tinha uma beleza interior e exterior e uma certa serenidade – curiosamente aproveitei essa serenidade para lhe dar papéis em que era fria, distante, personagens um pouco hipócritas".
"E, não sendo uma feminista militante, tinha uma personalidade forte, e deu um bom retrato da mulher, ajudando a alterar a imagem da mulher em Portugal nos últimos 50 anos", sublinha Lauro António ao PÚBLICO.
O Ministério da Cultura manifestou, em comunicado, "grande pesar pelo falecimento" da poetisa e romancista, destacando que "a actividade que desenvolveu na área da escrita, fundamentalmente como autora de romances, mas também de poemas, contos, peças de teatro, argumentos para televisão e letras de músicas e, ainda, como actriz em filmes e séries televisivas constituem um legado que atesta a sua criatividade e extrema sensibilidade e que perpetuará como fonte de inspiração para novas gerações".

Da poesia ao romance

A escritora (poeta e romancista) e actriz nasceu em Lisboa em Abril de 1932. O seu primeiro romance, "O Pranto de Lúcifer", foi editado em 1995, mas publicara já antes vários volumes de poesia - como "Os Deuses de Pedra" (1983) ou "As Pequenas Palavras" (1987). O essencial da sua poesia está reunido no volume "Poemas Escolhidos e Dispersos" (1997). Em 1999, na ASA, publica "A Gaveta de Baixo", um longo poema inédito acompanhado por aguarelas do pintor Oliveira Tavares.
Como romancista publicou ainda "Os Pássaros de Seda" (1996), "Os Três Casamentos de Camilla S." (1997), "Romance de Cordélia" (1998), "O Prenúncio das Águas" (1999, que foi Prémio Máxima de Literatura em 2000) e "A Trança de Inês" (2001). Escreveu também "O Sétimo Véu" (2003), "Os Linhos da Avó" (2004), "A Flor do Sal" (2005), "A Alma Trocada" (2007) e "A Estrela de Gonçalo Enes" (2007), além de ter assinado vários livros infantis. Os dois primeiros romances tiveram tradução na Alemanha e "O Prenúncio das Águas" foi publicado em França pelas Éditions Métailié. O seu último livro, "As Esquinas do Tempo", foi publicado em 2008 pela Porto Editora.
Como actriz, Lobato Faria integrou o elenco da primeira novela portuguesa, "Vila Faia" (1983), e trabalhou com Herman José em "Humor de Perdição" também como argumentista. Filmou com João Botelho ("Tráfico, de 1998, e "A Mulher Que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos da América", de 2003). Foi também dirigida por Lauro António em "Paisagem Sem Barcos" (1983) e "O Vestido Cor de Fogo" (1986). Estreou-se como locutora na RTP na década de 1960.
Escreveu ainda dezenas de letras para canções, muitas delas para festivais da canção. Entre elas a conhecida "Chamar a Música", interpretada por Sara Tavares.
Notícia do Jornal Público de 2/01/2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Os livros de 2009

Selecção elaborada por E. Pitta, Gustavo Rubim, Isabel Coutinho, José Riço Direitinho, Luís Miguel Queirós, Maria da Conceição Caleiro, Rui Lagartinho.
1. 2666
Roberto Bolaño
Quetzal
Com esta obra-prima o génio do malogrado chileno Roberto Bolaño (1953-2003) abriu à literatura novos horizontes, como antes Borges, Musil, Faulkner ou Joyce - e poucos mais. "2666" é um livro pela persistência da memória na literatura, e em que a História contemporânea desfila diante dos nossos olhos como longa sucessão de desastres, de monstruosidades sem fim à vista. Este testamento literário - reflexão sobre o Mal, sobre a normalização da barbárie na América Latina e o desolador destino da Humanidade - é-nos dado numa escrita sem floreados, de onde emerge vivo esse "realismo visceral" profundo e complexo, preciso na sua ambiguidade. No fundo, as características da grande literatura. J.R.D.
2 . Caderno Afegão
Alexandra Lucas Coelho
Tinta da China
Alexandra Lucas Coelho escreve muito bem, para além do rigor dos fios temáticos sobre o que escreve. Aqui, não se trata de escrever bem ou mal, é outro patamar. É escrever, como diria Duras. "Caderno Afegão" é a travessia rigorosa e lírica por um país desde há muito convulso. País do pó, do cheiro a podre, porém de rosas que mesmo assim vingam. M.C.C.
3. Obra completa 1969-1985
Nuno Bragança
Dom Quixote
Em 1969, quando Nuno Bragança (1929-1985) publicou "A Noite e o Riso", não havia muita gente a escrever assim em Portugal. Ou até haveria um ou dois, mas eram poetas. Se "A Noite e o Riso" está há muito reconhecido como um dos livros decisivos para a renovação da ficção portuguesa na segunda metade do século XX, "Directa" (1979), "Square Tolstoi" (1981), os contos de "Estação" (1984) e a novela póstuma "Do Fim do Mundo" merecem igualmente ser relidos. A "Obra Completa" inclui ainda a peça radiofónica "A Morte da Perdiz", que nunca saíra em livro. L.M.Q.
4. Contos Completos - I
John Cheever
Sextante
John Updike tinha razão: John Cheever foi o maior estilista da sua geração. O primeiro volume de "Contos Completos" é um prodígio de virtuose que nos transporta a um mundo desaparecido, quando "Nova Iorque era ainda inundada pela luz do rio [...] e quase toda a gente usava chapéu." Foi o cronista dos subúrbios da classe média americana e da sua teia de códigos sociais. Dissecou com mordacidade uma série de "interditos" na década de 1940-50. A sexualidade foi um deles. Atormentado com a sua condição de homossexual, ridicularizou-a em "Clancy na Torre de Babel". Outros, como "" juventude e beleza!" e "Os malefícios do gin", são clássicos absolutos. E.P.
5. Obra Poética Completa de Edgar Allan Poe
Tradução, introdução de Margarida Vale de Gato e ilustrações de Filipe Abranches
Tinta da China
Comemorou-se em 2009 o bicentenário (1809-1849) do nascimento de Poe, o que terá induzido a edição de "Obra Poética Completa" (assim como "Todos os Contos"). Tradução cuidada de Margarida Val de Gato, belas ilustrações de Filipe Abranches. Poesia que faz a difícil simbiose da atenção e da imaginação, ambas delirantes, ébrias e justíssimas. Põe terá sucumbido à moral americana que o rotulou de devasso. Acabou pobre, bêbado e inanimado em Light Street, Baltimore. M.C.C.
6 . Ofício Cantante - Poesia Completa
Herberto Helder
Assírio & Alvim
É a obra poética de Herberto Helder em 2009. No mesmo sentido em que poderíamos dizer de uma fotografia: este é Herberto Helder aos 45 ou aos 67 anos. Isto, claro, se existissem fotografias das quais se pudesse dizer tais coisas. Em português, a palavra "obra" tanto é mero sinónimo de bibliografia como designação de um corpo orgânico que tem de ir mudando para ser o mesmo. O mesmo que o autor. "Ofício Cantante", que recupera o título da primeira compilação dos poemas de Herberto, publicada em 1967, inclui, além de reescritas várias e da entrada de inéditos, o livro "A Faca Não Corta o Fogo", cujos dois mil exemplares se esgotaram num ápice no final de 2008. L.M.Q.
7. Veneza
Jan Morris
Tinta da China
De Ruskin a Brodsky, sem esquecer o pessoal menor, já toda a gente escreveu sobre Veneza. Não obstante, a quota de Jan Morris é decisiva. O livro dela (não esquecer que "ela" foi homem até aos 46 anos) não se pretende de História veneziana nem mera derivação turística. O que Morris fez com superior mestria foi cerzir informação prosaica com erudição, sem beliscar a melodia da frase. Pela sua mão, percorremos as vielas e os "palácios periclitantes" da Sereníssima, cidade em conflito aberto com a realidade do mundo contemporâneo. E.P.
8. O Homem Sem Qualidades - Volume III
Robert Musil
Dom Quixote
Musil compôs, ao longo de vinte penosos anos, esta saga demencial sobre a decadência, enquanto presenciava o fim do Império Austro-Húngaro, a Iª Guerra e a ascensão do nazismo. (Coetzee disse que "este livro foi ultrapassado pela História, enquanto foi escrito"). Neste III volume, com material inédito, é possível vislumbrar um trabalho de composição tão gigantesco, violento e labiríntico como o homem que o criou e o tempo que ele viveu. H.V.
9. Os Desaparecidos
Daniel Mendelsohn
Dom Quixote
Não é ensaio histórico. Não é autobiografia, nem livro de memórias. Não é um romance, muito menos uma auto-ficção. Não é uma reportagem, nem um livro de viagens. Não é um livro sobre os alicerces do judaísmo e da cultura clássica. Mas tudo isso cabe em "Os Desaparecidos", de Daniel Mendelsohn, jornalista americano que no início do século XXI correu os quatro cantos do mundo para tentar perceber o que aconteceu a alguns dos seus parentes durante o Holocausto. R.L.
10. A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao
Junot Diaz
Porto Editora
Junot Díaz nasceu dominicano mas hoje é cidadão americano. Levou onze anos a escrever "A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao". O ajuste de contas com a ditadura de Trujillo é um exercício de mnemónica em clave pós-colonial (Díaz era uma criança quando deixou a ilha). Questionando a América por interposta administração Johnson, quando "Santo Domingo foi o Iraque antes de o Iraque ter sido o Iraque", constrói a epopeia dos imigrantes assimilados, divididos entre o "fukú" (maldição) e o vórtice do Império. Absolutamente singular. E.P.
11. O Resto é Ruído. À Escuta do Século XX
Alex Ross
Casa das Letras
Alex Ross é crítico de música da "The New Yorker" e com "O Resto é Ruído" embarcou num projecto ambicioso: não apenas uma história da música contemporânea mas um retrato da época contemporânea através da música, incluindo os grandes debates estéticos e ideológicos. A música "erudita" tem destaque, mas Ross não despreza a música "popular", num ensaio que vai do dodecafonismo aos Radiohead. Uma obra estimulante para compreender o século passado (e para comprar bons discos). P.M.
12. História de Portugal
Coordenação de Rui Ramos
A Esfera dos Livros
A História está na moda, mas faltava uma boa História de Portugal num único volume (a mais fiável era a coordenada por José Mattoso, em vários tomos). Este conjunto de ensaios agora editado reúne três especialistas que fazem belíssimas sínteses interpretativas: Bernardo Vasconcelos e Sousa para a Idade Média, Nuno Gonçalo Monteiro para a idade moderna e Rui Ramos (que coordenou o projecto) para o período contemporâneo. É a obra de referência de 2009 e da História portuguesa. P.M.
13. A Edição de Livros e a Gestão Estratégica
José Afonso Furtado
ed. Booktailors
A cadeia de valor do livro tem vindo a sofrer alterações e a forma como se produzem e comercializam livros neste início do século XXI está a ser repensada por todos. O sector editorial confronta-se com novos paradigmas, consumidores e leitores. É sobre estes temas que o director da Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian - que foi Presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura entre 1987 e 1991 - reflecte. I.C.
14. Caderno de Memórias Coloniais
Isabela Figueiredo
Angelus Novus
Sente-se o abalo que este "Caderno" causa no marasmo literário nacional em passagens como esta: "Foder. O meu pai gostava de foder. Eu nunca vi, mas via-se." Relato cru do racismo português em Moçambique no fim do Império, memória do amor de uma filha pelo corpo do pai, história de traição a uma "verdade" que morreu com a morte do colonialismo. Um texto parcial, violento, escrito como se escrevem cadernos: com o fantasma da verdade sempre ao lado. Isabela Figueiredo afirma-se escritora, num país onde só proliferam "autores", esses manequins de vender autógrafos. G.R.
15. A Rainha no Palácio das Correntes de Ar
Stieg Larsson
Oceanos
A adesão dos portugueses à saga "Millennium" é lenta quando comparado com outros países, mas tem dado passos seguros. "A rainha no palácio das correntes de ar" marca o fim da trilogia do autor sueco. A espécie de Pipi das Meias Altas versão gótica que é a "hacker" rebelde Lizbeth Salander passa quatro quintos do livro numa cama de hospital. Mesmo assim é a mais trepidante das três aventuras. R.L.
16. História de Israel
Martin Gilbert
Trad. Patrícia Xavier
Edições 70
As origens do Estado de Israel são ignoradas pela generalidade da opinião pública, condicionada pela barragem de propaganda anti-sionista que faz a "norma" dos media ocidentais. Se outra razão não houvesse, a "História de Israel" contribui para esclarecer o óbvio. Gilbert dispensa apresentações: é o mais famoso dos biógrafos de Churchill e um respeitado historiador inglês. Sem proselitismo, sistematiza factos a partir do fim do mandato britânico que antecedeu a fundação do Estado de Israel. Contextualiza com igual minúcia o essencial e o (aparentemente) acessório. E.P.
17. A Montanha Mágica
Thomas Mann
Dom Quixote
Esta tradução tem algo de milagroso. Lê-se desde as primeiras páginas sentindo que se Thomas Mann fosse português teria escrito assim. Hans Castorp, burguês, visita um primo, tuberculoso, no sanatório. Deixa-se abarcar pela atmosfera mágica do lugar. Julga-se ele próprio doente e aí fica até que a guerra de 1914 o desperta do seu sonho. Um dos pilares literários do século XX. M.C.C.
18. Entrevistas da Paris-Review
VV.AA.
Selecção, tradução e notas de Carlos Vaz Marques
Tinta da China
As entrevistas da "Paris Review" são lendárias. Carlos Vaz Marques seleccionou e traduziu dez: as de E. M. Forster, Graham Greene, Faulkner, Capote, Hemingway, Lawrence Durrell, Pasternak, Saul Bellow, Borges e Kerouac. São naturalmente desiguais, entre a excelência de Forster ou Bellow e a indigência de Kerouac. Nenhum autor vivo (havia por onde escolher), nenhuma mulher (idem). "Arquivo de fascínio", chama Vaz Marques à selecção. Assino por baixo. E.P.
19. Luz Fraterna
António Osório
Assírio & Alvim
Depois de ter publicado a antologia "A Casa das Sementes", em 2006, António Osório vê agora editada num só volume toda a sua poesia, desde "A Raiz Afectuosa" (1972) até "Libertação da Peste" (2002). "A Luz Fraterna", título desta compilação, inclui ainda inéditos e dispersos. Oportunidade para reler uma obra que, no seu aparente, e talvez real, anti-vanguardismo, na sua revalorização do sentimento, na sua comunicabilidade, marcou muito mais do que geralmente se reconhece a poesia portuguesa das últimas décadas. L.M.Q.
20. A Ilha
Giani Stuparich
Ahab
Giani Stuparich (1891-1961) escreveu um dos contos mais emblemáticos da literatura europeia do século XX. Um homem doente pede ao filho que o acompanhe naquela que será a sua última viagem à ilha adriática onde nasceu. Debaixo de uma luz crua, desapiedada e agreste, a meditação sobre a morte é transformada num sentimento vital, essencial e positivo. E tudo feito numa escrita elementar, límpida e despojada. J.R.D.
Selecção publicada no caderno “Ípsilon” do Jornal "Público", em 23/12/2009