segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Celebrar o 25 de Novembro


Tem um ano esta crónica de Eugénio Lisboa. Eclodia , nessa época, em Portugal, uma acesa discussão  sobre a celebração do 25 de Novembro. Eugénio Lisboa não recuou perante essa estranha  balbúrdia ao  registar a sua opinião. Homem destemido, independente, nunca fugiu a pensar pela sua própria cabeça contra modas ou marés. A clarividência das suas asserções foram sempre  de uma profunda e inteligente justeza. 
A nossa eterna gratidão.
 
Celebrar o 25 de Novembro
por Eugénio Lisboa
“Vai por aí uma estranha balbúrdia, que é também uma vergonhosa balbúrdia: celebrar ou não celebrar o 25 de Novembro, conjuntamente com o 25 de Abril. A gente democraticamente moderada, que sempre se identificou com o movimento que, em 25 de Novembro, pôs cobro a fantasias totalitárias de vascogonçalvistas inconformados com o advento de uma “democracia burguesa”, mostra-se agora bizarramente desconfortável com a celebração daquele movimento salvífico. Porque tal celebração é “fracturante”, por outras palavras, pode desagradar ao PCP e ao BE.
Quanto ao fracturante, já lá vamos. Antes disso, quero apenas chamar a atenção para um importante pormenor: o 25 de Abril e o 25 de Novembro significam exactamente a mesma coisa: o 25 de Abril deitou abaixo uma ditadura e o 25 de Novembro impediu que outra ditadura se instalasse, em substituição daquela. Exactamente o mesmo, pelo que se não divisa a razão de celebrar uma e nos encolhermos, envergonhados, perante a outra.
Quanto à data de 25 de Novembro ser “fracturante”, temos conversado: todas, mas todas as datas que assinalamos são ou foram fracturantes. Celebrar o 25 de Dezembro é fracturante para os portugueses muçulmanos ou budistas ou simplesmente ateus ou agnósticos; o 1º de Dezembro é fracturante para os portugueses favoráveis à união de Portugal com a Espanha: havia muitos, na altura da Restauração, havia não poucos entre os do tempo da Geração de Setenta e bastantes portugueses haverá ainda hoje favoráveis a tal união, ou, no mínimo, nada preocupados com o advento dela; o 5 de Outubro é fracturante, para os monárquicos: há-os por aí e o nosso MNE acolhia, não há muito, um número não insignificante deles (até nunca percebi como, sendo monárquicos, aceitavam representar, no estrangeiro, um Estado republicano); os feriados de Fátima são fracturantes para os agnósticos, os ateus e os portugueses praticantes de outras religiões. Agradecia que me dessem, sendo capazes, uma data celebrativa que não seja fracturante. O 25 de Abril, a cuja celebração, justamente se não objecta, é também uma data fracturante: todos os saudosistas do Estado Novo não escondem a sua aversão a essa data. E todos nós sabemos de gente, ao mais alto escalão da hierarquia do Estado, que sempre se recusou a exibir um cravo vermelho na data da Revolução dos cravos. Portanto, invocar o carácter fracturante do 25 de Novembro é apenas uma vergonhosa cobardia de quem se assusta com o sururu que venham a fazer os suspeitos do costume. Para os quais, de resto, o 25 de Abril que gostam de celebrar, não é o mesmo 25 de Abril que assinalam os outros portugueses… Fractura? Por amor de todos os deuses do Olimpo: arranjem outra desculpa! Não celebrar o 25 de Novembro corresponderá a uma grande maioria de portugueses ajoelharem perante uma minoria recalcitrante e conhecidamente pouco amiga da liberdade de pensamento. Não vejo um Mário Soares a ceder desta maneira!”
                                                                        25.11.2023                     
Eugénio Lisboa,
           que não tem receio absolutamente nenhum dos Anónimos do Costume.

domingo, 24 de novembro de 2024

Ao Domingo Há Música

Cabo Verde

É assim, a música

A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
– sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração – por fim
o branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas.
Eugénio de Andrade, in "Os lugares do lume", Editores Assírio & Alvim, Junho de 2019

O poeta  sabe como a Música interroga sobre tudo,- o mundo, a vida-, e como, fulgurantemente, vai dizendo tudo sobre o que não se vislumbra para que nada fique por se sentir. 
O apontamento de hoje traz-nos uma  voz quente de Cabo Verde. Um autor e compositor que tem actuado nos mais variados palcos do mundo e tem  sido galardoado com distintos prémios.  Foi também Ministro da Cultura de Cabo Verde.

Mario Lucio, em Oh Linda (com Coro e Orquestra Gulbenkian).Arranjos: David Lloyd. Maestro: Rui Pinheiro. Maestrina do Coro: Inês Tavares Lopes. Mix e mastering: Rui Ferreira.
“Cretcheu», Mario Lucio com Coro e a Orquestra Gulbenkian, é fruto de um encontro entre o artista cabo-verdiano e uma das mais prestigiadas orquestras europeias, a Gulbenkian, que resultou em dois concertos realizados em Lisboa na Grande Sala da Fundação Calouste Gulbenkian, nos dias 8 e 9 de Junho de 2022. 
"Esteticamente, projectei este disco de modo a que o ambiente, a toada e o sentimento da minha música, a tradicional e a autoral, encontrassem a música do Outro. A minha música vem de muitas músicas, muitas músicas têm também da minha. A proposta não é trazer a música tradicional, ou popular, para o ambiente sinfónico, nem o inverso, mas, sim, conseguir uma confluência, um enlace", diz Mario Lucio.

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Mario Lucio, em Força de Cretcheu (com Coro e Orquestra Gulbenkian). Arranger: Élodie Bouny. Producer: Mario Lucio. Composer: Eugénio Tavares. Lyricist: Eugénio Tavares

 

Mario Lucio, em  Migrants (Shakespearience). Lyrics and Music: Mario Lucio. Arrangement: Rui Ferreira . Choir Arrangement: Sofia Adriana Portugal . Percussion/Bass: Rui Ferreira . Galician Tambourine: Tiago Manuel Soares . Electro-Acoustic Guitar/Electric Guitar: Telmo Sousa . French Horn/Wagner Tuba: Ricardo Matosinhos . Flute/Piccolo Flute: David Leão . Choir: Sofia Adriana Portugal .Vocal: Mario Lucio .

  

"O júri da secção de world music da Académie Charles-Cros, a Academia Francesa de Música atribuiu o Prix de La Musique, na sua selecção dos melhores desse ano ( 2023), na categoria Criação ao álbum “Migrants”, de Mario Lucio - o músico e compositor cabo-verdiano – editado pela Banzé/MDC/PIAS. A cerimónia aconteceu na sexta-feira, 31 de Março de 2023, no Musée des Confluences de Lyon. Mario Lucio torna-se, assim, no segundo músico cabo-verdiano a merecer a prestigiosa distinção, depois de Cesária Évora, em 1995, ter recebido este prémio, tido como o equivalente francês do Grammy, atribuído anualmente a grandes destaques ou obras impactantes na cena musical mundial. A Académie Charles-Cros foi criada em 1947 por um grupo de críticos e especialistas em gravação. O atual presidente é o renomado maestro Alain Fantapié. A Academia, além de sua função deliberativa coletiva, trabalha com comissões especializadas (Música Clássica, Música Contemporânea, World Music, Jazz e Blues, Canção, Público Jovem, Letras e Documentos Sonoros). 
O disco "Migrants" foi produzido e arranjado por Rui Ferreira.

sábado, 23 de novembro de 2024

Dois escritores no quarto andar


Dois escritores no quarto andar 
por Rubem Braga
"A última crônica de meu livro Um pé de milho é sobre a rue Hamelin, de Paris, “onde morreu Proust”, faço notar doutamente, e onde vivi eu. Ao escrever aquela crônica eu ouvira cantar o galo, mas não sabia onde. Digo ali que “onde Proust morreu vive hoje um sindicato”. Era o que eu pensava na ocasião.
Eu vivia no quarto andar do número 44 e no segundo habitava meu amigo, o escritor gaúcho dom Carlos de Reverbel. Juntos fomos procurar o tal número onde morreu Proust e demos com o tal sindicato. Mas acontece que procurávamos um número errado. O verdadeiro — descobrimos depois — era o nosso 44 mesmo…
Não quero fazer pouco de dom Carlos de Reverbel, mas eu sou um proustiano mais íntimo do que ele. É verdade que meus inimigos assoalham que eu jamais li, no duro mesmo, todos aqueles volumes, embora, em conversas de salão eu seja capaz de discretear sobre Swann, descrever Combray ou Balbec, falar de Albertina ou da senhora duquesa de Guermantes. “O Braga tem as lantejoulas, mas não sabe as coisas” — murmuram os invejosos.
Pois que se mordam de inveja: Proust morreu exatamente no apartamento do quarto andar, de número 44, onde eu vivi. Dom Carlos morava, eu já disse, no segundo; pode alegar a seu favor que várias vezes foi ao quarto me visitar, o que o classifica, sem dúvida alguma, como o segundo proustiano do Brasil.
Léon Pierre-Quint conta que Marcel Proust alugou todo o quarto andar do edifício, que então devia ser novo; ali morreu em 1922, ano em que pela primeira vez eu vinha ao Rio de Janeiro, vestido de marinheiro do Encouraçado S. Paulo, trazido pela minha irmã para ver a Exposição do Centenário. Eu tinha nove anos de idade, nunca ouvira falar de Proust e estava longe de supor que 25 anos depois iria dormir na cama em que ele morria aquele ano. Mais pobre do que Marcel, aluguei apenas o grande quarto de frente com uma entradinha e um banheiro, o que me custava 6 mil francos em 1947; não era caro, levando-se em conta que nesse tempo eu era casado.
Conta Leon Pierre-Quint que Proust escolheu um quarto muito frio (não diz qual) temendo que a calefação central fizesse mal à sua asma. Não posso afirmar, mas devia ser o meu quarto; era friíssimo. Imagino quantas vezes ele não se quedou, como eu, a olhar a rua lá em baixo, pela vidraça encardida, a esfregar as mãos de frio. Ah, bem que me parecia suspeita aquela velha cama, bem que notei certos estremecimentos nas cortinas e pressenti, no tapete desbotado, o rasto de antigos pés que o pisaram em noites de insônia, e vagas nódoas de remédio. Posso informar com a maior segurança que, pelo menos nos últimos anos de sua vida, Proust não tomava banho de chuveiro. Não havia chuveiro na casa. Encontrei uma banheira com manchas de sujos imemoriáveis; mandei lavá-la, esfregá-la, flambá-la com álcool, mas nem assim me animei a tomar um banho nela; preferi comprar um chuveirinho de borracha que adaptamos à pia. Eu não podia adivinhar que era a banheira de Proust…
Às vezes, pela madrugada — conta o biógrafo — Proust despachava Odilon em um táxi para procurar algum amigo que viesse conversar com ele. Imagino-o perfeitamente à espera, escutando o ruído agônico do pequeno elevador que, no quarto andar, para perigosamente entre dois degraus da escada, uma velha escada sempre às escuras em que os passos reboam absurdamente alto. O amigo o encontrava na cama, com um lenço no pescoço, todo vestido sob os cobertores, com luvas de algodão, vários pares de meias e o plastron branco sobre a camisa amarrotada, no quarto fechado cheirando a remédios, a fumigações, a Proust. Eu positivamente ainda recolhi ali um pouco desse cheiro, dentro do qual foi escrito o último volume de Sodoma e Gomorra; homem bárbaro de um país semibárbaro, me lembro de que muitas vezes combati esse cheiro abrindo de par em par as portas que dão para a sacada e a que dá para o corredor, formando corrente de ar para grande pânico da arrumadeira. Ah, se eu soubesse aproveitar bem aquele cheiro, que coisas sutis não haveria escrito no lugar das croniquinhas triviais que eu mandava para O Globo!
Proust cochilava três dias à custa de veronal, depois ficava três dias desperto à custa de cafeína, falando de literatura, de pintura (esses jovens: Giraudoux, Picasso…), recitando Anatole ou Beaudelaire, discutindo finanças e mundanismo, falando em mandar vir seus livros, seus móveis, suas coisas, o que nunca chegou a fazer.
Também tive minhas noites de insônia na rue Hamelin; não terá ficado dentro de mim um pouco da angústia proustiana? Seria distintíssimo, mas receio que não; três copos de Beaujolais me punham facilmente em boa forma.
De qualquer modo, os jovens intelectuais que quiserem escrever sobre Proust devem me consultar para “fazer ambiente”. Posso, por exemplo, descrever o cubículo em que a concierge lá em baixo (uma velha, positivamente a mesma da era proustiana) está sempre fazendo contas, passando roupa a ferro ou espichando o nariz para ver quem entra, quando não atende ao telefone com sua voz chorosa:
– Passy, soixante-et-un deux fois…
Tomem nota, rapazes: Passy 61-61; é o antigo telefone do Proust e do Braga."
Rubem Braga, in Ai de ti, Copacabana , Global Editora, São Paulo ,Brasil
Rubem Braga
AUTOR E OBRA 
"Rubem Braga (1913-1990) foi um escritor e jornalista que viajou e viveu em diferentes lugares do Brasil e do mundo. Além disso, entre 1961 e 1963, foi embaixador do Brasil em  Marrocos. Como escritor, lançou seu primeiro livro de crônicas, O Conde e o Passarinho, em 1936, seguido por diversos outros, e escreveu inúmeras crônicas que foram publicadas em diferentes jornais e revistas. Sobre a relevância como cronista, Miguel Sanches Neto, escritor e professor de literatura, explica: "As crônicas de Machado e de boa parte dos escritores do século XIX tinham um tom seco, quase jornalístico e eram cheias de referências históricas, próximas do gênero que hoje conhecemos como jornalismo literário. Rubem Braga conferiu à crônica o lirismo, a poesia e a leveza que antes não existiam". Assim, além de ser uma referência, pode ser considerado um precursor do desenvolvimento da crônica no Brasil, estabelecendo parâmetros que, até hoje, exercem influência no modo como esse gênero é pensado e feito.
 Ai de Ti, Copacabana! é uma seleção, feita pelo próprio autor, de crônicas escritas de abril de 1955 a fevereiro de 1960. São textos que trazem características como fluidez, brevidade e oralidade, e abordam uma variedade de temas como amores, tempo, morte, viagens, encontros e desencontros, sendo interessante notar que a leveza da linguagem utilizada pelo autor muitas vezes contrasta com a forte carga emocional, poética e subjetiva que essas crônicas carregam, fazendo o leitor se emocionar e ser tocado diante de situações corriqueiras como um encontro com velhos amigos ou a observação do sol que entra pela janela."

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A propósito da Apresentação do último livro de Eugénio Lisboa, "Manual Prático de Gatos para Uso Diário e Intenso"



Um gato tem absoluta honestidade emocional: os seres humanos, por uma razão ou outra, podem esconder seus sentimentos, mas um gato não.
Ernest Hemingway

Como aquelas grandes esfinges que vagam pela eternidade em atitudes nobres sobre a areia do deserto, eles olham sem curiosidade para o nada, calmos e sábios.
Charles Baudelaire

 

No passado dia 19, na magnífica Livraria Travessa, em Lisboa, aconteceu um belíssimo momento entre Eugénio Lisboa e muitos amigos. Amigos especiais porque  vinham à celebração do seu último livro , um hino ao felino mais protegido e amado por todos, sua Alteza Real , o Gato. 
O convite, formulado pela Editora Guerra & Paz , avisava , com  todas as letras, do carácter de tal evento, ou seja, a apresentação de um terno e intenso livro  de homenagem a gatos. 
Não sei se o livro fosse apenas dedicado a gatos, sem a pena brilhante e clarividente de Eugénio Lisboa, teria feito acorrer tantos amantes de gatos. Sei  que, quem lá foi, pretendeu homenagear Eugénio Lisboa e a sua longa e persistente paixão por gatos , sem  esquecer o lema  de  Mark Twain: Quando um homem ama gatos, sou seu amigo e camarada, sem maiores apresentações.
No início da sessão , a cantora Amélia Muge cantou , a cappella, um poema de Eugénio Lisboa que fará parte do seu  novo disco. E a rede, em torno do poeta, estabeleceu-se. Os elos  apertaram-se em  afecto, apreço por tanta ventura literária, proporcionada por este poeta maior.
Manuel S. Fonseca, além de  editor , tem, nas palavras, o manejo talentoso de quem sabe escrever para, de um modo empático e eficaz,  apresentar  os dois intervenientes na sessão. Luís Caetano , o grande promotor da Literatura  da Antena 2, com programas dedicados às diversas áreas.  E o filho de Eugénio Lisboa, João Lisboa, crítico de música do Jornal Expresso.
Luís Caetano , também um amante de gatos, era, pois,  o apresentador natural   e de mérito deste opíparo Manual de Gatos.  Entrevistou , variadas vezes,  Eugénio Lisboa nos seus programas.
Entre as merecidas referências feitas  por  Manuel da Fonseca, destacamos estas: Pela força das coisas e pela ronda da noite, o Luís Caetano tem agarrado na literatura, na sua irmã poesia, no seu irmão romance, e tem-lhes oferecido uma aventura dialogada, sussurrada, musicada.
Pesa nos ombros de Luís Caetano um rosário de assombrosos desabafos literários: Portugal deve ao Luís Caetano, horas de confissões íntimas, de autoras e autores, até de alguns editores, horas de prazer, as pequenas e grandes delícias, dulcíssimos abades de Priscos da literatura. Obrigado Luís, por estar connosco.
Sobre João Lisboa, Manuel Fonseca  teceu o seguinte: E quero dizer obrigado ao João Lisboa que acompanhou a preparação desta edição e deste lançamento. Vamos ouvi-lo, no final, depois da apresentação do Luís Caetano.
O João falará do seu pai, certamente, mas também deste livro onde, afinal, o João também está, como personagem, de corpo inteiro, em romanesca e felina relação com a Ísis, com a Artemísia. Obrigado, João, por nos honrar com a sua presença.
Quer um  quer outro souberam evocar o poeta e dar ao livro a dimensão que merece. Um livro de extraordinário fulgor e de infinda e deliciosa ternura por esse elegante e misterioso felino.
O momento maior foi proporcionado pela audição da gravação de um poema de Eugénio Lisboa , lido pelo próprio poeta,  realizada num programa de Luís Caetano. A comunhão foi total. Eugénio Lisboa era um entre todos os que ali estavam. Num instante, a  sua presença passou a ser real, física. Se a emoção fosse mensurável, seria possível ter atingido a grandeza máxima, a eternidade do instante.
As palavras do poeta  Giuseppe Ungaretti ganharam ,de novo, forma:  O gato é um amigo silencioso que nos ensina a encontrar a paz dentro de nós.
E a preciosa aferição de que os poetas não morrem rendeu-se à  verdade do momento.  Eugénio Lisboa provou-o . 
Manuel S. Fonseca soube homenageá-lo. Para ele, junto um veemente e grato aplauso, tal como aquele  que  solicitou para  Eugénio Lisboa.

Título: Manual Prático de Gatos para Uso Diário e Intenso
Autor: Eugénio Lisboa
Categoria(s): Ficção, Poesia, Sem categoria
Nº de Páginas: 92
Ano de Edição: Novembro 2024
Editora: Guerra & Paz
Preço: 18,00 €

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Viver com gatos ajuda a ser sábio

Quem o afirma é Eugénio Lisboa e acreditamos plenamente. Eugénio Lisboa era um  amante de gatos. Teve vários e a última, Ísis,  foi a grande companheira de todos os dias. Além de um fulgurante e multifacetado escritor , Eugénio Lisboa era um homem cultíssimo e detentor de uma  magna sabedoria. 
Acaba de ser publicado um livro dedicado ao Gato, Manual Prático de Gatos Para Uso Diário e Intenso, mas Eugénio Lisboa  escrevia muito e nunca deixou de compor  outros poemas felinos até nos deixar, a 9 de Abril deste trágico ano.  Eis alguns :

Ode (insuficiente) ao gato

De bons condimentos, é, de certeza,
feito o gato, emissor de beleza,
inventor de quanto é esbelteza,
descendente da mui alta nobreza,
dotado de altíssima destreza,
com momentos raros de safadeza,
e tiques de inigualável leveza,
mesmo meditando, a cocar a preza,
filósofo, todo ele subtileza,
implacável, mas sempre com fineza,
dado a ademanes de Sua Alteza,
fazendo tal inveja à gentileza,
de cauda perpendicular e tesa,
é tudo isto o gato, de certeza,
pra já não falar da sua esperteza!
          24.12.2023
Eugénio Lisboa
Um gato no inverno

Um gato no inverno é outro gato,
muito secreto, mas muito próximo.
Aquece-se com seu espesso fato,
de pelo muito lustroso e finíssimo.

No inverno o gato descobre nichos
impensáveis: só ele os imagina,
entre todos os concebíveis bichos,
co’a sua imaginação felina!

No inverno, melhor que nós, ele sabe
o modo sábio como se aquece
e os bons sítios onde um gato cabe!

Quentinho, escondido, o gato esquece
a actividade que embrutece
e louva o não fazer, que engrandece!
          24.12.2023
Eugénio Lisboa


NOTA: Este título – UM GATO NO INVERNO – foi-me sugerido pelo título de um romance célebre – UN SINGE EN HIVER – cujo talentoso autor, Antoine Blondin, pertenceu, com Roger Nimier, ao movimento literário conhecido como dos “hussards”.
O gato de Leonardo
Ser gato

Não é gato quem quer, é só quem pode
Se nem Leonardo inventou o gato,
o melhor é que ninguém se incomode
a querer entrar nesse campeonato.

Ser gato é empresa transcendente,
muito além de qualquer poder humano.
Sonhar sê-lo é sonho de demente,
que ignora as subtilezas do bichano.

O mais que se pode é tender pra gato,
mas sem nunca lá se poder chegar!
O percurso a fazer, longo e chato,

convida o candidato a meditar:
antes, talvez, evitar as alturas,
do que ficar com nódoas e fracturas.
          29.12.2023
Eugénio Lisboa

Inventário de razões para se ser gato

Os gatos nunca sonham com impérios,
não trocam nunca uma boa soneca
pela honra de dirigir ministérios
ou pelo direito a usar beca.

Os gatos não cambiam um petisco
por um Rolls-Royce ou por um Ferrari.
Se pretendem estender-lhes um isco,
mostrem-lhes um prato de calamari.

Os gatos têm ambições modestas:
cama, mesa e roupa bem lavada,
de vez em quando, umas lindas festas,

e, de preferência, não fazer nada!
Se o gato em qualquer nicho cabe,
o gato, acima de tudo, sabe!
          31.12.2023
Eugénio Lisboa
Metamorfose

Transformei-me finalmente num gato,
isto é, aprendi a bem viver:
trabalho e chatices não acato
e porreiríssimo é o lazer!

Viver com gatos ajuda a ser sábio,
e a descobrir tesouros escondidos :
em vez de frequentar o alfarrábio,
observar o felino bem flectido.

Os olhos do gato inculcam mistérios,
que muito importa desvendar:
antes isso que conquistar impérios,

que apenas servem para devastar.
O gato é o melhor instrutor
e, do bom viver, o melhor gestor!
          03.02.2024
Eugénio Lisboa

domingo, 17 de novembro de 2024

Ao Domingo Há Música

 

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida
E é um sonho louco este nosso mundo…
Mario Quintana, Os Degraus

Que mais desejar, quando as cordas se soltam ou as teclas acordam. A música impregna o ar e, se nos abrirmos ao momento, o sonho    acomete-nos e a loucura, que tolda o mundo, desaparece. É esse o próprio enigma da Música.
Schindler´s List Theme, de John Williams, com o virtuosismo do violinista Itzhak Perlman, acompanhado pela Los Angeles Philharmonic, sob a direcção do Maestro Gustavo Dudamel
  
Chopin, “Raindrop” Prelude, pelo perfeccionista do piano Lang Lang.
Vivaldi Winter (1st movement), com o virtuoso do violoncelo Luka Sulic , acompanhado por  outras preciosas cordas. 
 

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

A magnificência da natureza


Ao longe, os rios de águas prateadas
Por entre os verdes canaviais, esguios,
São como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!
António Nobre,

Um registo dos melhores momentos da Natureza  para lembrar quão desastrosa tem sido a mão humana  ao agredi-la com desleixo, ganância e severa destruição. Basta um olhar para que se conclua que se vai perdendo  essa beleza gratuita, com tanta agressão e algumas calamidades incontroláveis. 
Não há cimeiras climáticas que sejam suficientes para estancar a poluição, se o Homem o não  quiser.
Os melhores momentos da Mãe Natureza ,em 4K HDR 60 FPS Dolby Vision 

"Mergulhe na beleza, de tirar o fôlego,  do nosso planeta com "Os melhores momentos da Mãe Natureza em 4K HDR 60 FPS Dolby Vision". Este vídeo impressionante captura as paisagens dramáticas e inspiradoras que a natureza tem a oferecer, exibindo cores vibrantes e detalhes intrincados que ganham vida em ultra-alta definição. De pores-do-sol serenos a cachoeiras estrondosas, cada quadro é uma celebração do mundo natural, habilmente filmado em resolução 4K e aprimorado com tecnologia HDR para uma experiência de visualização incomparável. Sinta o poder da natureza enquanto explora montanhas majestosas, florestas exuberantes e oceanos tranquilos, todos apresentados em hipnotizantes 60 quadros por segundo para um movimento fluido que dá vida a cada cena. Seja  um amante da natureza, um viajante ou simplesmente buscando um momento de paz e tranquilidade, este vídeo certamente o  cativará e inspirará. Não se esqueça de desfrutar, comentar e se inscrever para mais experiências visuais impressionantes que destacam a beleza do nosso mundo. Ative suas configurações Dolby Vision para a melhor experiência de visualização! Junte-se a nós nesta jornada visual e testemunhe os melhores momentos da Mãe Natureza como nunca antes!"

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Aqui , ao lado, mora um povo que canta

Fotografia de Emilio Beauchy, aproximadamente 1885.Sevilha, Espanha

Aqui , ao lado, mora um povo com história . História que, tal como a nossa, tem raízes profundas onde se entrelaçam portugueses e espanhóis ou não partilhássemos todos a vetusta Península Ibérica. 
Há quem diga que o choro do "Cante Jondo" tem  idêntico trinar  no Fado. Que se descortina  a alma de cada povo através desses cantares.  
"O 'cante jondo' é um estilo dentro do flamenco, uma forma de expressão. De acordo com o dicionário da Real Academia Espanhola, o 'cante jondo' ou 'cante hondo' é o canto andaluz mais genuíno, de sentimento profundo. O termo 'jondo' não é mais do que a forma dialetal andaluza da palavra 'hondo', que é aquilo que tem profundidade. Federico García Lorca, (1870-1920), um dos poetas espanhóis mais representativos do século XX, reivindicou-o como o canto andaluz por excelência, um canto profundo, sincero, de tom grave e de grande intensidade. No flamenco, esse canto é o de maior emotividade. Segundo o poeta, é o canto mais escuro e misterioso onde a magia do duende se manifesta  num momento imóvel e único. O cante jondo aproxima-se do ritmo dos pássaros e da música natural do álamo preto e das ondas; é simples em antiguidade e estilo. É também um raro exemplo de canção primitiva, a mais antiga de toda a Europa . Para Lorca, o duende é uma espécie de espírito mágico, passional e original que só pode ser sentido em momentos pontuais e que  não tem nada a ver com a técnica, e sim com o sentimento. Como dizia Goëthe, é um poder misterioso que todos sentem e que nenhum filósofo explica."
Em 2010, a Unesco declarou o flamenco Património Cultural Imaterial da Humanidade. 

Nestes dias calamitosos da região de Valência (Espanha), vítima de uma  pesada intempérie,  acorrem-nos, em jeito de grande apreço e solidariedade, as vozes de excelentes cantores de flamenco.
Niña Pastori e  Miguel Poveda, em   Ya No Quiero Ser,  do Álbum " Realmente Volando ", gravado em directo  do  Teatro Real de Madrid,  em 2018.
 
Um dos maiores nomes do flamenco, Enrique Morente, (1942-2010), em La Alhambra lloraba.
   
Estrella Morente, filha de Enrique Morente, em La gazpacha - La repompa - La tía Concha.
   
 India Martinez , em  El Aire y El Baile.
   
Ángeles Toledano,  uma das mais promissoras vozes da nova geração  de flamenco, em  Bulerías, (Música para mis oídos) .