terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Com Mozart

A música é minha vida e a minha vida é a música.
       Wolfgang Amadeus Mozart


“Deixem-me ouvir, uma vez mais, esses sons que foram, durante tanto tempo, a minha consolação e alegria.” Há quem afirme que foram as últimas palavras de Mozart .
Nesse tempo, a soprano Regula Mühlemann estava longe de vir a cantá-los. Mas que sabe dar-lhes beleza e sonoridade seria certamente reconhecido pelo grande compositor.
Ei-la, em Et incarnatus est, KV 472, de Wolfgang Amadeus Mozart ,(Great Mass in Cminor).
                                                 
 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Os cartoons da actualidade

"Um ano a gramá-lo", Henricartoon 

Martin Rowson, The Guardian

Martin Rowson, The Guardian

Chris Riddel, The Guardian

Walt Handelsman, Tribune Content Agency

Drew Sheneman, Tribune Content Agency

Marshall Ramsey, Creators Sindicate

Steve Breen, Creators Sindicate

Bob Englehart, Cagle Cartoons

Marilena Nardi, Itália

Martin  Chren, Eslováquia

Le vignette di ItaliaOggi

De Adder , Washington Post

Alen Lauzán, Chile

Chappatte, Le Temps

Chappatte, The Boston Globe

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Gato é substantivo e adjectivo

Gato é substantivo e adjectivo

Para os meus amigos felinos:
Ísis, Lua e Lindo, companheiros!

Dizer que há gatos e gatos é
uma grande calúnia, sem perdão:
gostar de gato é gostar bué,
seja em Leiria ou Roterdão,

seja gato ruivo ou cinzentão!
Pois gato é gato sem qualitativo:
gato não pede qualificação,
porque é substantivo e adjectivo,

tudo ao mesmo tempo: substantivo
indica felino pequeno, porém,
o termo gato é também adjectivo:

gato quer dizer beleza e desdém,
passada esbelta de grande alteza,
um mundo de vigor e de certeza!
                         26.02.2023
Eugénio Lisboa

Ao Domingo Há Música

Querer
Dentro del corazon
Sin pudor, sin razon
Con el fuego de la pasion
 
Querer
Sin mirar hacia atras
A traves de los ojos
Siempre y todavia mas
 
Amar
Para poder luchar
Contra el viento y volar
Descubrir la belleza del mar
 
Querer
Y poder compartir
Nuestra sed de vivir
El regalo que nos da el amor
Es la vida
 
*
Querer
Entre cielo y mar
Sin fuerza de gravedad
Sentimiento de libertad
 
Querer
Sin jamas esperar
Dar solo para dar
Siempre y todavia mas
 
Amar
Para poder luchar
Contra el viento y volar
Descubrir la belleza del mar
 
Querer
Y poder compartir
Nuestra sed de vivir
El regalo que nos da el amor
Es la vida
 
Há quem o cante em espanhol , língua que lhe é natural, mas há quem o cante em francês, em português ou apenas o cante . Dançá-lo, porém , todos seguem  a mesma linguagem: a sedução. 
O tango reina em Buenos Aires, mas vive em todo o mundo, dentro del corazon/Sin pudor, sin razon/Con el fuego de la pasion.

A bela voz cava de Francesca Gagnon , em Querer. 
  
Cristina Dascalescu, em Histoire d'un amour, com os bailarinos  Maria Filali & Özgür Karahan.
 
Soha , em  Mil Pasos - Tango  Argentina, com Maria Filali & Ozgür Karahan.
 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

O uso das palavras

Os escritores usam os fonemas,
para se aliviarem de terrores,
para destruírem duras algemas,
para se verem livres de desamores.
 
As palavras salvam-nos de abismos
e são, para nós, sólidos escudos:
sabem amaciar os cataclismos
e, solícitas, servem os estudos.
 
Se, às palavras, nós tanto devemos,
se tanto serviço elas nos prestam,
torna-se claro que nós não podemos
 
dar apoio àqueles que lhes emprestam
usos traiçoeiros, enviesados,
que só apontam a fins desgraçados!
                        25.02.2023
Eugénio Lisboa

A vida inteira (Katrina)

A VIDA INTEIRA
por Eugénio Lisboa
"Quando tinha dezasseis anos e vivia em Lourenço Marques, capital de Moçambique e capital da memória (a Maria de Lourdes Cortez que explique), comprei, na Minerva Central ou na Progresso, um romance intitulado, na tradução portuguesa de Tomás Ribeiro Colaço, A Vida Inteira (Katrina), cujo autor era uma autora, para mim desconhecida: Sally Salminen. O livro aparecia publicado numa boa colecção da Guimarães & Cª. Editores, intitulada: “Obras Primas Contemporâneas” e ganhara, cerca de dez anos antes, um prémio de 50.000 marks, dado por uma editora sueco-filandesa ao melhor manuscrito de romance enviado a concurso. O texto de Sally Salminen (sueca) era um de entre 76 submetidos à competição e o prémio tornou instantaneamente famosa a sua autora. Em seis meses, venderam-se, na Suécia (país pequeno), 50.000 exemplares. “Para encontrar um êxito comparável com este”, dizia a nota do editor português “seria necessário remontar a 1890 – data da revelação de Selma Lagerlöf”.
Eu estava numa fase em que o feitiço exercido em mim pelo Stendhal de Le Rouge et le Noir me criava uma espécie de inapetência por tudo quanto não fosse parecido com aquilo. O estilo seco, agudo e voltaireano do autor da Chartreuse permitia-me ler com gozo o Candide ou O Ingénuo, do dito Voltaire, mas tornava-me, de momento, difícil o acesso a prosa menos ágil. Seja como for, meti mãos ao romance sueco – e foi um deslumbramento.
A simplicidade, a espontaneidade da escrita de Sally Salminen, a desenvoltura narrativa e, sobretudo, a densidade soberba de experiência transfiltrada para a escrita subjugaram-me por completo. Havia também, é claro, o fascínio daquelas paisagens nórdicas e estranhas, para um adolescente que nunca saíra do Índico soalheiro, quente e húmido. Mas foi, sobretudo, aquele compacto de vida (“arrumada” em cerca de duzentas e cinquenta páginas despretenciosas e cheias) que me cativou. Dizia Charles du Bos, de Guerra e Paz, que era como se fosse a própria vida a falar. A Vida Inteira era também a vida a falar: mas fazendo-o em voz baixa e carregada de ensinamentos, alegrias e decepções, em voz humilde mas sábia e persuasiva. Stendhal dera-me, para sempre, uma imensa desconfiança em relação às vozes empoladas. Sally Salminen, embora em registo diferente (que tem Sibelius a ver com Voltaire?), agravava em mim a mesma desconfiança.
A Vida Inteira ficou-me sendo, pela vida fora, um desses tesouros preciosos e um pouco secretos, de que prefiro não falar, a não ser a muito poucos. Abro hoje uma excepção (e o meu exemplar não sai de casa, aviso). Nunca perdi o livro: de Lourenço Marques para Lisboa, de Lisboa para Lourenço Marques, para Cape Town, para Lourenço Marques, para Johannesburg, para Estocolmo, para Lisboa, para Londres, para Lisboa, finalmente, perdi muita coisa mas guardei, cuidadosamente, o livro dos meus dezasseis anos. Cinquenta e poucos anos depois e vários baldões pelo meio deixaram intacta – inteira – A Vida Inteira. Tenho-a aqui, ao pé de mim, enquanto escrevo esta crónica.
A que vem tudo isto? Porquê falar hoje de uma fulgurante experiência de leitura que tive há 50 anos? Porque estas experiências, às vezes (não muitas), se repetem. Tive há pouco uma quase semelhante. E não digo igual, porque já não tenho dezasseis anos e as emoções que certas descobertas me dão já não encontram os neurónios com a mesma frescura. Mas, se o encontro não foi igual, foi, pelo menos, tão parecido quanto é possível. Trata-se, aqui vai, da leitura de um romance que me fora enviado pela autora e que fui criminosamente pondo de lado, à espera de vez. Até que, ao fim de mais de um mês, peguei nele e meti-o na pasta, para o ir lendo a caminho de Aveiro (e volta). O livro a que me refiro é um romance, como disse, e tem sido incompreensivelmente negligenciado pela crítica (a sofisticada e a outra): talvez devido ao facto de a autora escrever também versinhos ligeiros para “shows” televisivos (é preciso ganhar a vida). Foi com preconceitos destes que Gide (bom leitor) começou por lixar a vida ao Proust, visto não acreditar que um snob lambedor de rabo de marquesas pudesse fazer boa literatura. Em geral, não consegue mas, às vezes, acontece... Enfim, chega de suspense: estou aqui a referir-me ao belo romance de Rosa Lobato de Faria, Romance de Cordélia. O livro é uma beleza: de desenvoltura narrativa, de escrita, de vigor, de humor, de malícia, de conhecimento (vasto e profundo) da vida. Espreme-se aquele fluxo imparável e encantatório de palavras e não saem palavras: saem histórias fabulosas, capitosas, cheias de bons e maus cheiros, sai experiência, sai um relato prodigioso de uma avó e de uma inesquecível relação com uma neta, saem horrores e coisas sublimes, o céu e o inferno, a cloaca da vida e o que a vida tem de melhor e mais puro. E tudo com um enorme talento, com brio, com inapagáveis golpes de asa, com uma energia que não exclui um fluir alado, com uma invejável capacidade de pairar sobre abismos sem que isso lhe envenene nem o sangue nem a caneta. E com a noção, sempre presente e de tantos outros tão ausente, de que a grande arte do romance é também eminentemente, uma arte de entretenimento: O Romance de Cordélia responde a um amplo leque de exigências, incluindo o nosso milenar desejo de não nos aborrecermos.
Rosa Lobato de Faria publicou, entre 1995 e 1998, quatro romances que se têm vendido, mesmo quando a crítica displicentemente os desatende. Deles disse o meu velho e ágil amigo (de olho de águia), João Bettencourt da Câmara: “Êxito espantoso para quatro breves anos nas letras nacionais – e que só deve à crítica nacional o favor de ter ficado calada (exceptuando, que eu saiba, o discernimento da Vértice e da Brotéria)”. Grande João! Tão grande, que te vou citar mais uma vez, para gozo meu e vexame deles (nos quais estive quase a ser incluído, embora com a desculpa de não ser crítico nem colunista regular e encartado). Aí vai e é do bom: “Livro que se constrói, em ficção, sobre uma série de histórias de vida reais, cuidadosamente recolhidas pela autora e por ela sabiamente recontadas, sem que se perca o drama, a violência, a ternura, a linguagem de um submundo forçado a ocultar-se sob as abas da nossa vergonha colectiva. (...) Mas mais vale experimentá-lo do que julgá-lo: quem tendo-o começado, for capaz de o abandonar merece um doce. O cianeto é por minha conta.” Meu caro João, como diria o Montherlant, c’est ça. C’est bien ça.
Dizia E. M. Forster que a prova final de um romance será sempre o nosso afecto por ele. Fiquei, ainda não tinha chegado ao fim da leitura, amigo do Romance de Cordélia. E em tal pânico de cessar de estar com a sua autora que, no intervalo de duas intervenções, em Aveiro, corri a uma livraria a comprar o que ali houvesse dela: havia dois romances! Estava salvo. Comprei-os e fui para a Universidade, para o combóio, para o Porto, para Lisboa, sossegado. Estava governado. São estes afectos que contam e que ficam. Não gosto de ir para um país qualquer, por muito tempo, sem levar comigo Os Maias, Le Rouge et le Noir, um Tolstoi, um Montherlant, algum Thomas Mann, as Conversações de Goethe com Eckermann, algum volume de A Velha Casa, alguma lírica de Camões, Montaigne... Não estou a falar dos melhores (há outros tão bons). Estou a falar dos que me fazem companhia. Dos que me aquecem a alma. Dos amigos com quem gosto de falar, à bâtons rompus. Na Vida Inteira estava a vida inteira. No Romance de Cordélia também. Acrescento-os, com gosto, ao pelotão dos amigos.

P.S. – Quando falo na desatenção da crítica, não quero deixar de mencionar aqui uma incomensurável consolação: o conhecimento que tive do notabilíssimo texto de apresentação do romance, lido por ocasião do lançamento do livro pela editora ASA, da autoria da minha boa Amiga e grande ensaísta, Teresa Martins Marques (outra que também pertence, de direito, ao pelotão acima referido)." 
Eugénio Lisboa, em crónica publicada no JL, Dezembro de 2013

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A VIDA INTEIRA

 

Quando li o romance A VIDA INTEIRA,
teria só os meus dezasseis anos,
abriu-se-me, ao futuro, uma clareira,
para mundos de gregos e troianos.

A autora era uma sueca,
Sally Salminen se chamava ela.
Teve, em Estocolmo, vida badameca,
de criada de servir, sem farpela.

Com esse romance, teve ela a glória,
mas nunca mais repetiu a façanha;
porém ficou, para sempre, na memória

de um rapaz pobre, cheio de sanha,
que, em África, vivia como ela,
pobre, à espera de saltar da sela!
                            24.02.2024
Eugénio Lisboa

Escrevi hoje este soneto, para me resgatar de não ter incluído, na lista de livros que marcaram a minha adolescência africana, este admirável romance: A VIDA INTEIRA (no original, KATRINA), numa tradução saborosa de Tomás Ribeiro Colaço.
Escaparam também, imperdoavelmente, estes livros: A AVENTURA EM BUDAPESTE, de Ferenc Körmendi; DOIS VIVOS E UM MORTO, de Sigurd Christiansen; OS DRAMAS DA INTERNACIONAL, de Pierre Zaccone. E ainda, nada de acanhamentos, dois livros da Condessa de Ségur: FÉRIAS e MEMÓRIAS DE UM BURRO. As dívidas pagam-se e nem todos os livros que nos marcam têm a estatura dos LUSÍADAS.
Para evitar comentários escusados, a minha lista é só de livros que me marcaram muito e não de todos os livros que li, na minha adolescência, até aos dezassete anos.

Слава до України! Glória à Ucrânia!



Agora torno-me a morte, o destruidor de mundos.
               Julius Robert Oppenheimer

Putin falou  à (sua) nação. Um discurso ardiloso de tanta mentira construída. Quase um delírio que só uma nação cega pode ter como sério e verdadeiro.  Queremos a vida, os outros (ocidentais) querem o poder. Palmas de um público , que presumo  bem seleccionado, ecoaram numa sala arregimentada para o  efeito.  Uma explosão de concordância ,  de falsa passividade e adulação levam-me a uma  outra passagem de um espectáculo posterior. Putin, rodeado por garbosos soldados , exaltando, ao rubro, a pátria, a religião e a família. As mãos manchadas de sangue ucraniano  a exortar a  nação aos valores tradicionais. Serão, certamente, os valores de Estaline: a carnificina.  Talvez se tivesse mostrado as imagens reais de tudo quanto tem feito na Ucrânia, desde a falsa invasão salvítica , os urras, que pediu ao público, tivessem sido de horror.
Uma infinda  dolorosa compaixão é o que sentimos todos nós perante a tragédia diária de um povo que tenta sobreviver às bombas assassinas,  à infernal  guerra  de um louco cruel  e sanguinário, de um destruidor de mundos.
Que Deus proteja a Ucrânia.
Glória à Ucrânia.

Dire Straits For Ukraine, em  Brothers In Arms  ( with Lyrics).
 
"As forças armadas da Ucrânia continuam a recuperar as terras formalmente tomadas por tropas russas, sob as ordens do presidente Putin. Este vídeo é para o povo da Ucrânia, juntamente com o seu  presidente Zelensky, que pegaram em armas contra as forças armadas russas que, há um ano, a  24 de Fevereiro de 2022 , invadiram a Ucrânia, sob as ordens do presidente Putin. 
Putin designa-a por  operações militares especiais. A NATO apela-a  de guerra. Tudo poderia terminar,   ou seja,    chegar ao fim  como acontece   a este vídeo."

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Entre o orvalho da tarde e o orvalho da manhã

Tristeza
 
Falo-me em versos tristes,
Entrego-me a versos cheios
De névoa e de luar;
E esses meus versos tristes
São ténues, céleres veios
Que esse vago luar
Se deixa pratear.
 
 
Sou alma em tristes cantos,
Tão tristes como as águas
Que uma castelã vê
Perderem-se em recantos
Que ela em soslaio, de pé,
No seu castelo de prantos
Perenemente vê. . .
Assim as minhas mágoas não domo
Cantam-me não sei como
E eu canto-as não sei porquê.
                             6-7-1910
Fernando Pessoa, in  Poesia do Eu - Obra essencial de Fernando Pessoa, Editora Assírio & Alvim – 2006 
Sol nulo dos dias vãos
 
Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!
 
Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!
 
Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
Fernando Pessoa, in  Poesias. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995), 1ª publ. in Athena, nº 3. Lisboa: Dez. 1924.
Ah, a esta alma que não arde

Ah, a esta alma que não arde
Não envolve, porque ama
A esperança, ainda que vã,
O esquecimento que vive
Entre o orvalho da tarde
E o orvalho da manhã.
                         1930
Fernando Pessoa, in  Poesias Inéditas (1919-1930). (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

As belas maravilhas naturais da Ucrânia

 
Neste filme em 4k Ultra HD, surgem as belas maravilhas naturais da Ucrânia. Cheia de paisagens incríveis, altivas montanhas , densas florestas  verdes, a Ucrânia é uma terra de impressionantes maravilhas naturais.  
Putin e a sua bárbara guerra destruiu muitos destes belos locais que compunham este grandioso país. Relembrar como era , é prestar à Ucrânia a memória de um tempo, que, no  futuro , agregue todos estes lugares numa paz duradoura.

As primeiras leituras


As primeiras leituras que marcaram profundamente a minha adolescência
por Eugénio Lisboa
“Para os leitores que se tornam grandes leitores intensivos, mas não traga-livros, as primeiras leituras feitas na aurora da adolescência deixam uma marca profunda. Diria mesmo, uma marca inapagável e transcendente.
Quando estabeleço uma diferença entre leitores “intensivos” e “traga-livros”, quero dizer simplesmente isto: o leitor intensivo não é o consumidor apressado de livros, saltando, ofegantemente, de um para outro, sem se demorar em nenhum; o leitor intensivo lê muito, mas lê devagar e demora-se longamente dentro do livro, relê-o em sucessivas revisitas e nunca mais o larga de vista. Ao longo da vida, vai aprofundando o conhecimento do livro, dos seus personagens, percebendo melhor os motivos e matizando os juízos. O leitor intensivo quase chega a pensar que foi ele que escreveu os livros que ficam, para sempre, consigo. E, de certo modo, assim foi. Para dar só um exemplo, a leitura, quando tinha catorze ou quinze anos, do belo romance de Stendhal, LE ROUGE ET LE NOIR, de tal maneira me marcou, que me pus logo a redigir o MEU romance, intitulado HISTÓRIA DE JULIÃO (o protagonista do romance de Stendhal chama-se Julien Sorel…). Porque tanto entrou em mim a beleza acutilante e descascada daquele romance, que para sempre me apropriei dele. A grande leitura é uma apropriação. Ler a sério é roubar. Ladrão de livros é o que o grande leitor é. E rouba-os de diferentes maneiras: uma delas é entrar na narrativa e modificá-la a seu contento. Querem um exemplo? Passo a vida a dizer que a protagonista daquele romance de Stendhal, a Senhora de Rênal, de quem realmente gostava era de mim e não do ambicioso latinista, Julien Sorel… Chamem-me o que quiserem: factos são factos.
Vou agora dar uma lista das obras que mais profundamente me marcaram, lidas em Lourenço Marques, até aos 17 anos, altura em que vim para Lisboa, cursar engenharia. Outro dia, farei alguns comentários sobre estes meus profundos “encontros”.
 
POEMAS LÍRICOS e PASSAGENS DOS LUSÍADAS - Camões
O BOBO – de Alexandre Herculano
A MORGADINHA DOS CANAVIAIS – de Júlio Dinis
VIAGENS NA MINHA TERRA – Garrett
FREI LUIS DE SOUSA - Garrett
O ARCO DE SANT’ANA – Garrett
FAMÍLIA SEM NOME – Júlio Verne
QUO VADIS? – Henryk Sienkiewicz
O SARGENTO-MOR DE VILAR – Arnaldo Gama
AS VIAGENS DE TOM SAWYER – Mark Twain
AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN – Mark Twain
VERMELHO E NEGRO – Stendhal
ARMANCE – Stendhal
RESSURREIÇÃO – Tolstoi
ASSIA – Ivan Turguenev
JANE EYRE – Charlotte Bronte
VILLETTE – Charlotte Bronte
CANDIDE – Voltaire
ZADIG – Voltaire
O LÍRIO VERMELHO – Anatole France
COÉFORAS – Ésquilo
REI ÉDIPO – Sófocles
NOITES BRANCAS – Dostoiewsky
ESTÁ MORTA! – Dostoiewsky
CORAÇÃO DÉBIL - Dostoiewsky
O ESCARAVELHO DE OURO – Edgar Poe
ARCO-ÍRIS – Wanda Wassilewska
ELECTRA E OS FANTASMAS – Eugene O´Neill
ANA CRISTINA – Eugene O’Neill
ALÉM DO HORIZONTE – Eugene O´Neill
NOSSA SENHORA DE PARIS – Victor Hugo
O DRAMA DE JOÃO BAROIS – Roger Martin du Gard
OS THIBAULT – Roger Martin du Gard
O TIO GORIOT – Balzac
UMA GOTA DE SANGUE – José Régio
POEMAS DE DEUS E DO DIABO – José Régio
FEL – José Duro
ESTES DIAS TUMULTUOSOS – Pierre Van Paassen
ADEUS ÀS ARMAS – Hemingway
POR QUEM OS SINOS DOBRAM – Hemingway
CONTOS – Hemingway
CONTOS – William Saroyan
AS VINHAS DA IRA – Steinbeck
RIKKI-TIKKI-TAVI – Rudyard Kipling
O HOMEM QUE MORREU -  D. H. Lawrence
UMA MULHER FUGIU A CAVALO – D. H. Lawrence
CODINE – Panait Istrati
TONIO KROGER – Thomas Mann
CONTOS – O. Henry
A LOUCURA DE PEREDONOV – Fiodor Sologub
OS MENINOS DIABÓLICOS – Jean Cocteau
VIDAS PARALELAS – Plutarco
PÂNTANO – João Gaspar Simões
A SELVA – Ferreira de Castro
ETERNIDADE – Ferreira de Castro
CAMINHOS CRUZADOS – Erico Veríssimo
TERRAS DO SEM FIM – Jorge Amado
CAPITÃES DA AREIA – Jorge Amado
O ALIENISTA – Machado de Assis
A ARMADILHA E OUTROS CONTOS – Pirandello
TEATRO  - Oscar Wilde
O RETRATO DE DORIAN GRAY – Oscar Wilde
CONTOS E NOVELAS – Oscar Wilde
TAMBÉM OS CISNES MORREM – Aldous Huxley
O SORRISO DA GIOCONDA – Aldous Huxley
SPARKENBROKE – Charles Morgan
O HOMEM, ESSE DESCONHECIDO – Alexis Carrel
AMOK – Stefan Zweig
HISTÓRIA DA FILOSOFIA – Will Durant
Eugénio Lisboa, em 22.02.2023

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Pipes of Peace

I light a candle to our love
In love our problems disappear
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear

All round the world
Little children being born to the world
Got to give them all we can till the war is won
Then will the work be done

Paul McCartney, em  Pipes of Peace.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Tempo de Balões

 
O Tom Sawyer andava de balão
e fez uma viagem do caraças.
O balão não servia pra espião
e nem o Tom estava para graças,
 
dentro do balão que o transportava,
de terra em terra, só pra conhecê-las,
vistas do ar. E o que importava
era conhecê-las e não comê-las!
 
Pois, se agora a China lança balões,
para espiar a terra do Tom,
dando enviesadas explicações,
 
já não apetece comer bombom,
dentro do balão que nos transporta,
em boa paz, prá cidade da Horta!
                            20.02.2023
Eugénio Lisboa
 
Peço ao Onésimo que me não leve a mal meter a Horta neste soneto sobre balões e espiões, mas, rima, a quanto obrigas!

O primo negro

Luanda , Avenida Marginal
Ilha de Luanda 
O primo negro
por Manuel S. Fonseca 
" Nunca fui capitão do mato, mas quando ouvi o capitão Vinicius dizer que era o branco mais preto do Brasil, quis ser como ele. 
Nas praias de Luanda , da Ilha ou das Palmeirinhas, também tive tardes de Itapoã, um remanso de fazer todo o homem  um santo, calor sem tamanho, imóvel e moreno encontro de céu e mar. Era adolescente , mas as minhas noites já eram de copos e farras,  iguaizinhas  às que cantaram o poeta angolano Mário António , o brasileiro Jorge Amado. Sei é que , naquele Salvador da Bahia que Luanda fingia ser , me entrava já pela língua dentro o sotaque de musseque. Branco na poesia, mas negro de mais no coração, dizia Vinicius. Eu praticava. 
Tinha visto  The Nutty Professor. Jerry Lewis era, nesse filme,  um deplorável professor. Nocturno e perverso, fascinava-se pelas lindas  e loiras alunas, mas o  seu desengraçado físico tornava ridícula qualquer tentativa de sedução. Apostado em desamargurar a mente e o baixo-ventre , ele inventa e toma uma poção que o transforma em Buddy Love, fatos faiscantes, voz sedutora como a de Dean Martin.
Não era cantar o que me interessava. Sonhava fundir-me no povo que eu achava ser o meu povo. Ia a casa dos meus amigos africanos, eles vinham à minha.  Era bonito, mas não se pode confundir esse convívio com a poção de Jerry Lewis. Por mais  que convivesse, por mais que torrasse ao sol, era só um branco com sotaque  e, vá lá, um brilhozinho negro no coração.
A poção chegou na forma de um primo. Vejamos. Numa família beirã de emigrantes , os ramos esticam-se, tentaculares. Havia primos no Brasil e em França, um tio da marinha mercante no Pacífico.  Até que, da ilha equatorial de São Tomé, chegaram notícias  de outro ignorado primo que mandou o filho visitar-nos. Não foi Jerry Lewis que nos entrou pela casa dentro.  Bateu-nos à porta um Eddie Murphy , que também havia de ser, Lewis, nutty professor e Buddy Love.  Eu tinha um primo negro! Era a minha carta de alforria, a minha legítima libertação de iníqua condição de branco.
Nunca ninguém foi tã de pata,o mimado naquela casa. Churrasco da capoeira e um estrelado ovo  que enchia um prato. Tudo puro e caseiro, feito com a ternura das mãos da minha mãe e o sangue do meu pai.  As águas turvas do Império tudo levaram, Onde andará agora esse primo gentil, tão elegante e negro?"
Manuel S. Fonseca, in Crónica de África,  Guerra & Paz Editores, Fevereiro de 2023, pp.104,105

Sonhar é acordar-se para dentro

Os Parceiros
 
Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
 
Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.
 
Insiste em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
 
numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!
Mario Quintana in O Anjo da Escada , Editora Telos, 2006 

Das Utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
 
Mario Quintana, in Espelho Mágico, Editora Globo, Porto Alegre,1951.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

SOL INVICTO

 
SOL INVICTO

A vida é um grande nascer de sol.
           Nabokov
 
Do sol vem tudo: o canto dos pássaros,
o calor que nos aquece e dá vida,
o destemor que ressuscita Lázaros,
o gosto forte da mulher rendida.
 
É o sol que dá vida à ousadia,
é o sol que derrota a escuridão,
é só ele que preside à orgia
e aos grandes mistérios da fusão.
 
O sol é desmedida e paixão,
é fervor sagrado da criação.
É leão, é gestação e clarão,
 
que promete, por enquanto, o viver
e há de, quando, um dia, perecer,
ensinar como se deve morrer.
                       19.02.2023
Eugénio Lisboa

Ao Domingo Há Música


Quando o teu olhar chegou
Quando o teu olhar tocou
Fui chorar no céu
Fui dançar no mar
Do amor

Quando o teu olhar partiu
Quando o teu olhar fugiu
Já não sei se fui
Já não sei quem sou

Já não sei quem fui
Já não sei se sou

Quando um coração que se perdeu
Não se encontrar
Basta olhar o céu
Dizer ao sol e a lua

Que vai voltar
Que vai cantar
Que vai viver
Que vai sonhar

Quando o teu olhar voltar
Quando o teu olhar ficar
Sei que vou dançar
Sei que vou cantar

Sei que vou sorrir
Sei que vou sonhar

Quando um coração que se perdeu
Não se encontrar
Basta olhar o céu
Dizer ao sol e a lua

Que vai voltar
Que vai cantar
Que vai viver
Que vai sonhar
Assim
 
Um poema cantado por Gisela João , uma das novas vozes portuguesas que trouxe ao Fado diferentes  matizes de  um fulgor que nunca se perdeu. Com ela ,  outras duas grandes fadistas , Carminho e Sara Correia ,  que sabem como se enreda a voz neste  sinuoso  cantar tão  português.


Carminho, em  O quarto , com Música de Alfredo Marceneiro e Letra de Carminho. 
Guitarra Portuguesa: André Dias . Viola de Fado: Flávio César Cardoso. Baixo Acústico: Tiago Maia. Guitarra Eléctrica: Pedro Geraldes e Mellotron: João Pimenta Gomes.

   
Sara Correia, em   Antes Que Digas Adeus (Ao Vivo no Festival Internacional Cervantino / 2020) Letra: Diogo Clemente Música: Armando Machado . Direcção Musical e Guitarra: Diogo Clemente .Viola Baixo: Marino Freitas. Guitarra Portuguesa: Ângelo Freire. Percussão: Vicky Marques. Piano: Rúben Alves

 

Gisela João, em Canção ao Coração . Canção de Gisela João & Justin Stanton, arr. Justin Stanton & Michael League.
Guitarra portuguesa: Ricardo Parreira. Guitarra: Nelson Aleixo. Baixo:  Francisco Gaspar. Piano & teclados:  Justin Stanton. Mellotron, guitarra eléctrica & voz : Michael League. 
 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Cuidado, Daisy, com o Álvaro de Campos

Desenho de Lélia Parreira

Cuidado, Daisy, com o Álvaro de Campos


Olha, Daisy, quando eu morrer (…)
                 Álvaro de Campos
 
Olha, Daisy, o palerma do Álvaro
estava-se marimbando para ti.
O tipo não passava de um bárbaro,
que só pensava em glória, abacaxi,
 
triunfos, máquinas e outras merdas!
Borrifava-se para as mulheres,
que eram, para ele, puras perdas
e muito piores do que clisteres!
 
Olha, querida, não acredites em gajos,
que matam a mãe, por causa da glória:
antes, de longe, índios navajos,
 
que são gente pacífica e simplória.
Tipos com máquinas e pouco sexo
deixam-me, confesso, muito perplexo!
                           18.02.2023
Eugénio Lisboa
 
Nota: É possível que achem este soneto um bocado malcriado, mas o Álvaro de Campos também era fresco!

Kiev antes da guerra

 
Kyiv, Ukraine,  4K 60FPS ULTRA HD Video by Drone.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O olvido

 
 
O olvido. Inevitável. Absoluto.
     Camilo Pessanha, Clepsidra
 
O olvido é o que nos espera.
Inevitável, como é a morte.
Absoluto, como lisinha esfera.
Servindo, ao nada, de passaporte.
 
O olvido torna todos iguais:
iguais entre si e iguais ao nada.
Igualdade almejada pelos mais,
pra quem a diferença era odiada.
 
O olvido, afinal, tudo alisa,
numa autêntica democracia:
no nada, já ninguém se encoleriza,
 
porque o nada a todos beneficia:
tanto vale aquele que foi a Pisa,
como aquele que não conseguiu Elisa!
                           17.02.2023
Eugénio Lisboa

Ainda o Amor: Vozes do Brasil


Amor

O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.

 "Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
Carlos Drummond de Andrade

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivete Sangalo , em  Se Eu Não Te Amasse Tanto.

   

Chico César e Maria Bethânia, em Onde Estará O Meu Amor .

   

 Tom Jobim e Miúcha, em Pela Luz Dos Olhos Teus.

Gal Costa , em Eternamente , ( espectáculo Baby Gal da TV Globo, 1983).