"A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento" Platão
terça-feira, 30 de abril de 2024
O calembur de Artur Corvelo
domingo, 28 de abril de 2024
Ao Domingo Há Música
CONTAR DE ABRIL
" Contarás de Abril o assombro, o desassossego, as súbitas visões de beleza longamente sonhadas, o assanhamento da hora vesperal; o renascer, meu e teu. Contarás de Abril instantes serenos, salivados de paz, o perfil de casas, as ruas docemente nossas que rimam connosco, as ternuras vagabundas, a utilidade dos gestos, o murmúrio discreto e comovido. Contarás de Abril instantes serenos, salivados de paz, o perfil de casas, as ruas docemente nossas que rimam connosco , as ternuras vagabundas, a utilidade dos gestos, o murmúrio discreto e comovido. Contarás de Abril os gritos, as imprecações, as cóleras, o idioma ressurecto na fraternidade de frases efusivas, no estertor. Contarás de Abril aquele haver viagem, aquele cheiro antigo de chuva de infância, a peca sombra, o chouto curto, o bêbado de rua que te assustou, temulento, a frugal manhã. Contarás de Abril o lado esquerdo da madrugada; cíclicos, os sismos: o chão em fissuras laceradas; de vagarosa, a capa da terra a recobrir o oco, as galerias naturais do ódio, onde rebramia o mar, sobre o qual haviam colocado o pinho e pedra e reconstruído a cidade, longa história de uma frustração. Contarás de Abril, os passos. Contarás de Abril , os sons , ínsitos na paisagem nocturna, nas betesgas. Contarás de Abril que me viste trajado de briche e holandilha, seteira ao ombro, num baixel de antigamente, soletrando palavras felizes, sem direcção nem sentido, como tudo o que é feliz. Contarás de Abril, aos meus filhos, filhos teus, que os meus olhos míopes, ardidos, urbanos, ficaram cheios de um ofício de dizer coisas singelas, humildes e absurdas: como amor, liberdade.
Contarás de Abril.
Contarás , meu amor."
Baptista-Bastos , " Contar de Abril", in " Textos de Escritores Comunistas", Edições Avante
O 25 de Abril de 1974, em cartoon.
Cartoon de Cid ,publicado no Jornal República,em 27-4-1974 |
Cartoon de Abel Manta, 1º de Maio de 1974 |
Cartoon de Martins, publicado no Jornal A Bola, em 4-5-1974 |
Cartoon de Ferraz , publicado em Os Ridículos,18-5-1974 |
Cartoon de Martins, publicado no jornal A Bola, em 8-6-1974 |
Cartoon de Abel Manta, publicado no Jornal, em 11.7.1975 |
Cartoon de Baltazar , publicado em O Século Ilustrado, 20-7-1974 |
Cartoon de Abel Manta, Metamorfose, publicado no DN, em 20 de Agosto de 1974 |
Cartoon de José Vilhena, publicado em Os Ridículos, 1-10-1974 |
Cartoon de Martins , publicado no Jornal A Bola, em 7-12-1974 |
Cartoon de José Vilhena, publicado na Gaiola Aberta, em 15-12-1974 |
sábado, 27 de abril de 2024
Intimations of mortality
entendo. O nada é só o fim de tudo?
Os dias que passam são o que são,
Mas deixarem de ser deixa-me mudo.
procuro ver o não ser que não vejo:
viver e morrer é não perceber,
e não sei sentir que nada desejo.
se fosse o não ser o mesmo que ser,
se deixar de ser fizesse sentido
(forma feliz de o ser ir não ser),
tudo apenas cansaço interrompido…
Roma, 28/29.03.1996
sexta-feira, 26 de abril de 2024
EUGÉNIO LISBOA (1930-2024)
Eugénio Lisboa |
EUGÉNIO LISBOA (1930-2024)
por Guilherme d'Oliveira Martins
Eugénio Lisboa era um leitor permanente e insaciável – vário, intrépido e fecundo. Estou a ver a sua caligrafia cuidada, em cadernos de linhas, e a ordenação de citações oportunas, escolhidas com elevado critério. Não é possível compreendermos o que se chamou segundo modernismo, da revista “Presença”, sem recorrer a quem melhor conheceu e melhor estudou esse singular encontro cultural. Leu e estudou o seu amigo José Régio melhor do que ninguém, e como exímio intérprete entendeu bem os contributos de Adolfo Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões. Percebeu cedo a originalidade do grupo e concordaria com a exceção à ideia de que o Português não é nada inclinado ao conhecimento de si próprio: “gosta muito de falar de si, mas daí a conhecer-se vão mundos”. Contudo, se se seguisse tal simplificação teríamos de concluir que “Antero, Pessoa e Pascoaes, por exemplo, não existiram, ou não foram portugueses, porque o mais significativo da poesia e da personalidade deles – aquilo que mais centralmente os devorou – é muito pouco característico do Português, tal como em média o conhecemos”.
Autor é aquele que acrescenta e foi esse o critério fundamental de Eugénio Lisboa na busca da literatura relevante. Lembremos o conselho que deu a António Osório, em boa hora, para que publicasse a sua inconfundível e sublime poesia. Por outro lado, a admiração que reservou a Jorge de Sena permite-nos aquilatarmos da originalidade e da força de um autor que sempre se considerou menos reconhecido do que deveria, mas que com a passagem do tempo e a limpeza dos caminhos assumiu o lugar essencial, como o crítico sempre considerou. Eugénio citou a propósito de outro intelectual marcante, o Padre Manuel Antunes, Charles Lamb, que disse: “Gosto de me perder no espírito dos outros homens”. Foi assim que aconteceu com ele próprio, numa obra plena de referências e de análises argutas e inteligentes assentes na busca incessante da eterna sabedoria do pensamento e da escrita. Montherlant, Reinaldo Ferreira ou Rui Knopfli também o ocuparam especialmente. Era um cosmopolita, com uma costela anglo-saxónica, criada na experiência moçambicana e na presença em Londres. Ao folhearmos números antigos da revista “Colóquio – Letras”, encontramos sempre o leitor atual, exigente e insaciável, a descobrir aquele pormenor essencial que passaria despercebido ao leitor ocasional. Não esqueço ainda a ação que desenvolveu na Comissão Nacional da UNESCO, sempre atento aos vários domínios da organização: a educação, a cultura, a ciência, o património e a comunicação. E as suas memórias em Acta est Fabula são imperdíveis, um autêntico néctar para a leitura do mundo."
quinta-feira, 25 de abril de 2024
O brilho intenso da Liberdade
No dia da cor azul
Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote. É um dom.
Miguel Torga
A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.
Miguel de Cervantes, (29 de Setembro de 1547- 22 de Abril de 1616), "Dom Quixote"
"O afinador de palavras
apresentou-se ao fim do dia. A luz, obumbrada pelo ocaso, escondia as cores que
sempre exibia. Era um aparecimento estudado. Sorria com alguma astuta
ingenuidade, não fossem descobrir que tudo fora planeado. A quoi bon, o jogo
das palavras pertencia-lhe.
Nesse dia, vestira o azul. Fora um
labor infindável. Vieram tantas que ficara exausto. Tinha sido uma revelação.
Não era que havia um ror de palavras a acreditar no
impossível.
O azul era a cor da utopia. Todas
aquelas palavras que tinham lançado acordes, que poetavam, que esgrimiam
o som libertário para uma nova humanidade, que carregavam o sonho de um mundo
justo se enfileiraram para que as afinasse. Outras ainda, mal alinhadas nas
letras que as faziam nascer, vinham trôpegas à espera de um elixir que as
fortalecesse. Só ele conhecia os poderes do azul. Só ele sabia quem o
podia vestir. A autenticidade revelava-se a um pequeno lançar de olhos. Ficou
atónito com tanta palavra genuína. Que fazer se o dia tinha cronómetro? E ele
que se exigia demais. Como dizimar tanta maleita inesperada?
Frágeis e
desamparadas rogavam, com assertiva doçura, uma recuperação. O azul
era melodicamente gentil, intrinsecamente harmonioso. Fugia ao aparatoso, ao
ruído dissonante da exigência. Elas, as palavras, queriam não um remendo,
não um penso que se acomodasse às circunstâncias desse tempo crísico,
dessa época infame. Não . Ouvira, límpido e nítido, sem qualquer
vacilação, um rotundo e ardente não. Que
burilasse. Que se servisse de um cinzel e as esculpisse sem demora, mas
para todo o sempre.
Qual folha caduca? Que pensamento
abstruso. O Outono acontecia apenas na natureza. Palavras são
palavras. Têm vida própria. Forma definida e lugar no
repositório das nações. E sabia-se. Era um dado categórico. E
o azul identificava as palavras que acreditavam no impossível.
Trabalhou. Recuperou.
Cinzelou. Remendou. O dia prolongou-se até que a cor se tornou invisível.
Muitas palavras ficaram prostradas no chão, quando se obscureceu. Nada mais
podia fazer. Sem os raios do sol, o azul tornava-se volátil. Desaparecera na
magia do insondável poder da luz.
Amanhã seria outro dia. Vestiria
também uma outra cor. Afinaria outras palavras. O azul teria de esperar pela
roda do tempo.
Agora, escurecia. A noite protegia.
Guardara uma única palavra. Trazia-a no bolso. Vinha redonda . A sorrir para
quem a esperava, a espargir um odor magnificente. Que azul luminoso a
vestia. Era única e imperdível. Fora difícil restabelecê-la. Com ela
estavam associadas muitas outras palavras . Não eram visíveis. Mas
compunham-na .
Uma sinfonia
soltava-se, audível apenas para ele: a sinfonia da criação. Desconhecida,
majestosa e sedutora. Nem ao fluir, a lembrança dos sons do Oratorio de
Haydn se apunha. Surgiam diferentes, apesar de produzidos pela estética
do belo e sustentados por um denominador comum. Separava-os a sonoridade
dos instrumentos. Era uma sinfonia de acordes únicos, heróicos e
gloriosos. Uma sinfonia que se erguera do caos, do nada informe que
debruava o vazio. Explodia, alargando-se, em eufónicos e imparáveis movimentos,
para lhe encher o corpo e a mente de novas forças, de diferentes vontades
que teria de partilhar.
Vinha com uma palavra forte.
Sabia-o. Vira-a por dentro. Tinha as letras bem desenhadas. Nove letras em
sincronia perfeita. Ficaria para sempre, como a saudade das coisas felizes.
Deixaria de lhe pertencer, logo que fosse apresentada. Seria de todos e
para todos.
Com leveza e disciplinada ternura,
começou a retirá-la devagarinho. À medida que saía, a noite
transformava-se. Tomava-a um novo e estranho esplendor. E quando a
desnudou e a mostrou inteira , o brilho intenso da Liberdade iluminou os
rostos e encheu de promessas o coração de cada um.
Assim se cumpria, naquele dia, o
sonho que veste o azul."
Maria José Vieira de Sousa, in O Afinador de palavras, 2016
quarta-feira, 24 de abril de 2024
Há dias
E, então, as horas sucedem-se e o dia cresce. O Mar, os rios mergulham em movimento e a terra organiza-se em tempo e espaço. E é nesse entretanto que saímos na perplexidade do acontecer.
terça-feira, 23 de abril de 2024
No dia Mundial do Livro
Um livro é assim como um filho,
que lançamos, indefeso, às feras.
Tentámos, com amor, dar-lhe brilho
e, às vezes, elegância de pantera.
Tivemos insónias e também dores,
faltámos a deveres e encontros,
sempre em favor daqueles fervores,
que se alimentam de desencontros.
Um livro constrói-se com emoção,
mas também com cálculo e razão.
Junte-se a isso, enorme esforço,
de que a alegria é um reforço.
É filho com que nos preocupamos
e de quem, por vezes, nos orgulhamos.
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segunda-feira, 22 de abril de 2024
Novidades Literárias em Abril
Editora Guerra & Paz |
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domingo, 21 de abril de 2024
Ao Domingo Há Música
África minha
A África tem isto: é enormeali, nunca se fica apertado.Mesmo quando parece que ela dorme,há nela um grande fogo agastado!
Eugénio Lisboa, Soneto, modo de usar
sábado, 20 de abril de 2024
Considerações ao correr da pena
sexta-feira, 19 de abril de 2024
In memoriam
quinta-feira, 18 de abril de 2024
Fazer um soneto
mas seria bom que fosse só isso:
o saber contar permite o voar
e o submisso promove o insubmisso.
são todo o contrário de uma prisão:
a fúria solta que a regra detém
multiplica o poder da emoção.
a regra que amarra o soneto
é que lhe permite um novo explorar.
sabe usá-lo pra melhor contornar
a cela onde o querem confinar.
Vale a pena construir um soneto,
sílaba a sílaba, bem contadas,
sem que a medida tenha cianeto
que assassine as palavras aladas?
Um soneto é como uma casa,
se mal calculada, ela desmorona.
Tal como na casa, nada transvasa,
o que a faria algo trapalhona.
Um rigor que acolhe a emoção
e, com elegância, abraça a ideia,
sem se tornar maçadora lição,
não merecerá que o leitor o leia,
com amorosa e séria atenção?
Visto que o rigor é inspiração?
22.04.2023
Eugénio Lisboa
quarta-feira, 17 de abril de 2024
A Casa das Tias
Olho, feita pela Dana
a casa do Alto-Mahé:
dela , por certo, dimana
memória do que era e é.
que chamávamos " das tias"
e dá-me um golpe d'asa
que me leva aos velhos dias!
quando olho esta casa,
o passado volta forte
e o frio faz brasa!
Londres, Dezembro,1994