Que raio de gente esta!
Por Baptista Bastos
"Aprendi, há
muitos anos, que os homens se dividem em sólidos, líquidos e gasosos.
Ensinou-me o meu pai estas definições, que o rodar do tempo confirmou serem
adequadas e justas. Já ultrapassei a idade com que o meu pai morreu e sinto-me
desconfortavelmente adaptado às dores do corpo. Que remédio! Às da alma, é que
não. São dores pungentes porque tocam nas coisas da esperança e do sonho
desunidos. Poucos homens sólidos há, hoje. A época tem sido fértil em amolecer
caracteres e em estimular e premiar a velhacaria e a malandrice. Gosto muito da
palavra "sólido". Tenho vivido e respirado palavras, não passo de um
vago senhor português, com a tineta de que as palavras podem modificar o
destino de milhões de homens, e a palavra "sólido" ainda hoje me
surge como um significado de dignidade.
Conheço,
agora, muitos mais homens líquidos e gasosos de que antes. Não quero dizer que
os não houvesse; mas, hoje, estão mais expostos à própria malignidade do tempo.
Vêmo-los e assistimos ao que dizem, mentirosos sem remissão; infalíveis
tratantes; uma congregação de gente moldada ignora-se como, de quê e por quê. O
nivelamento por baixo atingiu todos os sectores da sociedade. A indolência, de
ordem cívica, é a pior de todas as afrontas éticas. E, de repente, ficámos
aturdidos com um milhão de pessoas nas ruas, sem saber o significado mais
profundo dessas razões. Sem saber o que fazer desta e com esta multidão.
Pessoas sólidas, inesperadamente tornadas indefectíveis aos valores e aos
princípios, e, até, às ideias, que calculávamos soterrados.
É verdade que
uma comoção alegre nos atingiu. Porém, estamos tão desavindos, tão mortiços,
tão perdidos, ignorância de pobres e de cegos, que perguntamos, tontos e
incrédulos: e agora?
Os homens
líquidos e os homens gasosos continuam nessa desfilada indecente. Fala-se,
agora, em "impreparação" de quem dirige o País. Oculta-se o projecto
ideológico que lhe subjaz, e no tripudiar dos conceitos morais. Esta casta não
é nova: procede, directamente, do oportunismo nascido das sociedades em
ruptura, e que pratica uma constante "transacção" de interesses. A
manifestação de 15 de Setembro representou a repulsa por esta gente. Mas,
também, pelos que se lhe não opõem.
Temos
assistido a episódios deploráveis, como aquele, na segunda-feira, no qual
António José Seguro ficou perplexo por desconhecer que a substituição da taxa
social única fora aprovada em Bruxelas, sem que o Governo o tivesse consultado.
A humilhação fez espelho nas televisões. O pobre homem, um pouco espavorido,
balbuciou uma módica frase de tristíssima indignação. Não serve de nada: Passos
despreza-o e despreza-nos. No decálogo ensinado pelo Velho Bastos, em que
categoria colocaríamos o secretário-geral do PS: líquido ou gasoso?; sólido,
certamente, não.”
Baptista Bastos
em Crónica publicada no DN, em 3 de Outubro de 2012
Baptista-Bastos, Mestre na Arte do jornalismo!... E velho amigo, e homem resistente!
ResponderEliminarPessoalmente, quanto lhe devemos, quanto nos ensinou da Vida, da vida que algumas vezes lhe saíu madrasta!...
Ao seu lado, naquele Bairro Alto que acolhia por esse tempo de "chuva" e perseguição, dentro das suas "muralhas", quase todos os jornais diários de Lisboa, um Bairro Alto tão diferente do que hoje se apresenta, a seu lado colhemos de si, desse Homem íntegro e honestíssimo, um pouco da sua Sabedoria.
Colhemos com avidez esse conhecimento que não vem em livro algum nem nunca virá, que se transmite de alma a alma, de sonho em sonho, de página em página, de suelto em suelto, de crónica em crónica!
Todo o tempo do mundo...
Ao som monótono do matraquear das velhas máquinas "escrevinhadoras", no espanto do sonoro resmalhar do papel seco, pingando de alucinação, da verdade que os cheiros das tintas provocam, colhemos com ambas as mãos um conhecimento sempre sangrando beleza e grandiosidade e luta!...
Porque a luta de todos os dias está associada à notícia, à reportagem, ao dar voz aos muitos que não têm voz!...
E são tantos, tantos os que não têm voz, nem lhes permitem que a tenham!...
Abraço muito amigo e solidário ao Armando (Baptista-Bastos)! - V. P.