"O poema é feito de palavras necessárias e insubstituíveis" Octavio Paz
OCTAVIO PAZ (1914—1998) foi escritor , poeta, ensaísta , conferecentista, tradutor e diplomata. Nasceu no México e recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1991. É autor de uma vasta e importante obra em prosa ("El Laberinto de la Soledad", "El Arco y la Lira", "El Mono Gramático", "Los Hijos del Limo", "Sor Juana Inés de la Cruz", "las Trampas de la Fe", etc.) e de muitos livros de poesia tais como "Piedra de Sol", "Salamandra", "Blanco", "Vuelta", "Árbol Adentro".
"No assombro ante o Outro e os outros está a poesia" é o lugar atribuido pelo poeta Octavio Paz à POESIA, num mundo onde grandes transformações ocorrem e os saberes se confrontam.
Nesta 6ª edição de "Sobre a Poesia" ficam as palavras deste nome grande da Literatura universal.
Nesta 6ª edição de "Sobre a Poesia" ficam as palavras deste nome grande da Literatura universal.
"O conhecimento poético é o único que nos resta diante do progressivo aniquilamento da visão religiosa ou perante a dispersão do conhecimento científico. Os grandes sistemas filosóficos desapareceram. A filosofia analítica encontra-se num “impasse”, daí que filósofos como Robert Nozik tentem encontrar uma via de saída. Quanto à fenomenologia e seus herdeiros: não há ninguém depois de Sartre. Seus sucessores são comentaristas de Heidegger, como Foucault e Derrida. E que dizer do marxismo? Converteu-se numa escolástica universitária nos países capitalistas do Ocidente, especialmente nos Estados Unidos (a moda já passou na Europa), enquanto no Leste é uma aborrecida ideologia estatal. Nas grandes religiões, a visão poética foi e é central; o mesmo devo dizer dos sistemas filosóficos do passado. Por isso, creio que o que pode dar um pouco de frescor espiritual a nossas vidas é o conhecimento poético. Não digo que a poesia possa substituir a religião ou a filosofia: digo que é a origem da religião e da filosofia.No assombro ante o Outro e os outros está a poesia : foi e é o gérmen, a semente primeira. Regressar a ela será regressar à origem.
Uma relação análoga à que existe entre poesia e filosofia aparece entre a poesia e o mito. A poesia tem sido criadora de mitos, e foram os poetas os que converteram os mitos informes em poemas e obras-de-arte. Essa função da poesia não desapareceu em nossa época. A poesia tem rejuvenescido os mitos – Eliot num extremo e, no outro, Joyce, para falar tão somente de poetas de língua inglesa, ainda que também se possa citar Rilke, Apollinaire e outros. (...) Antes de tudo: os mitos são realidades. O são de uma dupla maneira: em primeiro termo, por terem vida própria e, em seguida, por estarem, por expressarem, quase sempre de uma maneira metafórica e cifrada, dada situação e que corresponde a todo o grupo social. Por exemplo: a bomba atómica reintroduziu na consciência moderna o antigo mito da extinção do Universo. A nossa sociedade não é a primeira que teme o desaparecimento do mundo num grande cataclismo. Recorde os astecas, os estóicos ou os cristãos do Ano Mil. Em quase todas as religiões figura uma revelação – um apocalipse – relativa ao fim do mundo. Esse fim pode ser definitivo, como no cristianismo ou no islão, ou cíclico, como no budismo e entre os estóicos. O assombroso é que a sociedade do progresso e da ciência, precisamente por meio da ciência e do progresso, tenha descoberto, por sua vez, a velha imagem da destruição cósmica. A diferença com o passado não é menos reveladora que a semelhança: para os antigos, a catástrofe confirmaria a verdade da revelação, enquanto que para os modernos a explosão nuclear nega as suposições de nosso mundo: a razão, o progresso, a ciência. Também é assombroso que os poetas tenham dito sempre o que agora descobrem os psicólogos e os sociólogos: a presença da violência mortífera, agarrada às dobras da alma humana ou nas entranhas da sociedade. Voltamos a sentir como os antigos, mesmo que pensemos de uma maneira distinta. Isso quer dizer que na nossa imagem do fim do mundo há uma fraude: foi uma visão religiosa e agora é uma possibilidade filha da ciência moderna e da violência ancestral do animal humano."
Uma relação análoga à que existe entre poesia e filosofia aparece entre a poesia e o mito. A poesia tem sido criadora de mitos, e foram os poetas os que converteram os mitos informes em poemas e obras-de-arte. Essa função da poesia não desapareceu em nossa época. A poesia tem rejuvenescido os mitos – Eliot num extremo e, no outro, Joyce, para falar tão somente de poetas de língua inglesa, ainda que também se possa citar Rilke, Apollinaire e outros. (...) Antes de tudo: os mitos são realidades. O são de uma dupla maneira: em primeiro termo, por terem vida própria e, em seguida, por estarem, por expressarem, quase sempre de uma maneira metafórica e cifrada, dada situação e que corresponde a todo o grupo social. Por exemplo: a bomba atómica reintroduziu na consciência moderna o antigo mito da extinção do Universo. A nossa sociedade não é a primeira que teme o desaparecimento do mundo num grande cataclismo. Recorde os astecas, os estóicos ou os cristãos do Ano Mil. Em quase todas as religiões figura uma revelação – um apocalipse – relativa ao fim do mundo. Esse fim pode ser definitivo, como no cristianismo ou no islão, ou cíclico, como no budismo e entre os estóicos. O assombroso é que a sociedade do progresso e da ciência, precisamente por meio da ciência e do progresso, tenha descoberto, por sua vez, a velha imagem da destruição cósmica. A diferença com o passado não é menos reveladora que a semelhança: para os antigos, a catástrofe confirmaria a verdade da revelação, enquanto que para os modernos a explosão nuclear nega as suposições de nosso mundo: a razão, o progresso, a ciência. Também é assombroso que os poetas tenham dito sempre o que agora descobrem os psicólogos e os sociólogos: a presença da violência mortífera, agarrada às dobras da alma humana ou nas entranhas da sociedade. Voltamos a sentir como os antigos, mesmo que pensemos de uma maneira distinta. Isso quer dizer que na nossa imagem do fim do mundo há uma fraude: foi uma visão religiosa e agora é uma possibilidade filha da ciência moderna e da violência ancestral do animal humano."
Octavio Paz
ENTRE O QUE VEJO E O QUE DIGO...
A Roman Jakobson
1
Entre o que vejo e o que digo,
entre o que digo e o que calo,
entre o que calo e o que sonho,
entre o que sonho e o que esqueço,
a poesia.
Desliza
entre o sim e o não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha
o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer.
É um fazer
que é um dizer.
A poesia
se diz e se ouve:
é real.
E, apenas digo
é real,
se dissipa.
Será assim mais real?
2
Idéia palpável,
palavra
impalpável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece reflexos
e os destece.
A poesia
semeia olhos na página,
semeia palavras nos olhos.
Os olhos falam,
as palavras olham,
os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos,
tocar
o corpo da idéia.
Os olhos
se fecham,
as palavras se abrem.
OCTAVIO PAZ