segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Literatura, a arte admirável de pensar

O Chão sagrado de Borges Coelho
Por Baptista Bastos
Num dos seus mais estimulantes livros de ensaios literários, "Le Commerce des Classiques", Claude Roy cita Montesquieu: "Não há nenhum desgosto que uma hora de leitura me não console." Talvez resida algum exagero neste testemunho. Mas a paixão da literatura, o regalo de ler, a alegria da descoberta de uma frase bem boleada, estabelece uma cumplicidade entre autor e leitor difícil de explicar.
O melhor de nós é construído através dos livros; dos encontros, por vezes imponderáveis, que se fazem, casualmente, nas páginas honestas impressas em corpo 10 redondo. Tive um professor, Emílio Menezes, gramático distinto e consumidor entusiasta de clássicos, que dizia exortar muito bem o espírito dormirmos com, pelo menos dois livros à cabeceira. Ficou-me, para sempre, a recomendação, multiplicada por dezenas.
Claude Roy, outra vez: "A literatura não deve ser a arte desprezível de pensar noutra coisa; ela deve ser, ela é, a arte admirável de pensar mais profundamente, mais validamente as coisas." O ruído que por aí se escuta, o falazar insidioso de quem não tem nada para dizer, mas vai dizendo, é sinal da época e sintoma de vazio. Para nos precavermos desta agressão sem pausa, para nos resguardarmos das afrontas que nos provocam estes políticos sem brio, sem honra, sem ideias de seu, e sem gramática, recomendo uma visitação àqueles que se definiram por tentar definir-nos.
Por exemplo: António Borges Coelho, de quem acabo de ler o segundo tomo da sua História de Portugal - Portugal Medievo. É uma iluminação intelectual, pelo que nos propõe de reflexão e de achado. A probidade deste investigador (de quem só encontro paralelo em José Mattoso) é um banho lustral para a alma. Com 82 anos, uma obra de interrogação histórica monumental, uma necessidade de transmitir aos outros os resultados das suas pesquisas, António Borges Coelho não pára de questionar o "donde viemos", fornecendo-nos pistas de meditação das mais raras, originais e concitantes. E é o povo, na sua trivial realidade, e os movimentos que o impulsionam, que atraem e fascinam o grande historiador - simultaneamente um prosador de excepção.
Vamos sabendo o que nos foi acontecendo, e está a acontecer, frequentando títulos como Portugal na Espanha Árabe, A Revolução de 1383, Inquisição de Évora, a série Questionar a História, Ruas e Gentes na Lisboa Quinhentista, outros, muitos mais outros, além deste último, Portugal Medievo, cuja urgência em ser lido vos recomendo.
O que devemos a António Borges Coelho é impagável. Modesto, discreto, possuído da moral proletária do trabalho, longe dos atabales que se acrescentam ao barulho inútil da época, ele continua uma tarefa ingente - mas com pisar seguro porque sabe estar em chão sagrado.
Artigo de Opinião de Baptista Bastos publicado no DN de 23/Fev./2011

domingo, 27 de fevereiro de 2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Veleiro

Mar  afora, mar adentro
  vai singrando um veleiro
quem dera ser passageiro
pra correr nas mãos do vento.

Mar adentro, mar afora
Como navega ligeiro
Cruzando este golfo inteiro
Nas cores vivas da aurora…

Aonde vais assim tão cedo
rumo à ilha do Arvoredo,
levando meu coração…?

Vou navegando contigo
meus olhos te seguem, amigo
perdidos na imensidão.
   Baía de Zimbros, Janeiro de 2005
Manoel de Andrade, in Cantares”, Escrituras Editora, São Paulo,Brasil 2007

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nascer em Tempo de Guerra

Feliz Aniversário

Sinto ainda o frémito  de alegria e  de medo idêntico ao que experienciei naquele dia  25 de Fevereiro. Quando entrei para a sala de partos,  a cidade estava debaixo de fogo. Os rebentamentos dos morteiros  ecoavam ameaçadores e as tracejantes cruzavam os ares sem rumo certo ou descortinável. Estava num país em guerra e à beira da catástrofe.
Nessa madrugada, quando acordara, sabia que estava prestes a renovar em mim o papel tutelar da maternidade. O meu filho iria nascer dentro de pouco tempo e as  metralhadoras continuavam num fogo intenso que fazia estremecer as casas num desamparado ranger. Um profundo temor comprimiu-me . O convívio quotidiano com aquele cenário de guerra criara uma relação estranhamente pacificada, que se esvaía naquele momento. A consciência do risco emergiu avassaladora. A facticidade do parto projectou  com terrível nitidez  a imagem de uma incapacidade real em  poder defender e proteger o meu filho durante o seu nascimento. E, nesse momento, percepcionei o perigo que correm todos os  que nascem em tempo de guerra. A vida começa confrontada com o que ela mesma  tem de indefinidamente inaugural, com a sua própria sobrevivência.
Quando o choro do meu filho ecoou na sala todos os temores desapareceram.  A celebração da maternidade encheu de completude  os espaços. E cumpriu-se o “duplo sentido do nascimento: por ele a vida começa ; e por ele a vida é recebida.”
Abandonámos esse país distante. O meu filho cresceu, fez-se homem. O fascínio da descoberta fê-lo voltar à cidade natal. E porque a paz já lá morava  e crescia, reencontrou o chão telúrico da afirmação inicial que, até hoje, o mantém cativo.
A guerra não deixou sequelas irreparáveis na minha vida; apenas  convive com as lembranças que todos os anos afloram neste dia.
Parabéns, meu filho. Feliz aniversário.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O tempo, uma realidade irreal


Ontem, o dia das "Correntes D' Escritas" começou com o  anúncio do nome de Pedro Tamen como vencedor do Prémio Literário Correntes d'Escritas, com a obra “O livro do sapateiro” editado pela Dom Quixote.
Depois seguiu-se uma sessão de abertura com Laborinho Lúcio. O ex-ministro da Justiça falou sobre literatura e poesia.
Se quiser fazer perguntas leia poesia, se quer as respostas veja a ciência”, aconselhou Laborinho Lúcio.
O dia terminou com a primeira mesa de debate da qual fez parte o ensaísta Eduardo Lourenço. “A falta de futuro” foi o tema do debate em que Eduardo Lourenço, de 88 anos, reflectiu sobre o tempo.
Eu não sei, verdadeiramente, o que é essa realidade que nós chamamos tempo, uma realidade irreal ao mesmo tempo. Um tempo que não é como o passado, porque passou, por definição, não é presente porque está correndo e não é futuro porque ainda não existe”, disse Eduardo Lourenço.
O primeiro dia das Correntes d'Escritas ficou ainda marcado pelo    lançamento de seis novos livros, entre eles “Dois Amigos”, do basco  Kirmen Uribe, vencedor do prémio nacional da narrativa 2009, em Espanha. DN
Programa
Dia 24
10h30 2.ª MESA: «Eu começo depois da escrita»
- Ignacio del Valle
- João Paulo Cuenca
- Júlio Conrado
- Karla Suarez
- Maria João Martins
- Miguel Miranda
Moderador: Carlos Vaz Marques

15h00 3.ª MESA: «A minha arte é uma espécie de pacto»
- David Toscana
- Juva Batella
- Luís Represas
- Manuel Jorge Marmelo
- Mário Lúcio Sousa
- Ricardo Romero
Moderador: Rui Zink

17h30 4.ª MESA: «Nua de símbolos e alusões é a poesia»
- Ana Luísa Amaral
- Carmen Yáñez
- Conceição Lima
- Gastão Cruz
- Ivo Machado
- Uberto Stabile
Moderador: Francisco José Viegas

Dia 25
10h30 5.ª MESA: «As palavras são apenas uma memória»
- César Ibáñez París
- Ignacio Martínez de Pisón
- João Paulo Borges Coelho
- Mário Zambujal
- Nuno Júdice
- Rui Zink
Moderador: João Gobern

15h00 6.ª MESA: «Espalho sobre a página a tinta do passado»
- Alberto Torres Blandina
- António Figueira
- Francisco José Viegas
- Inês Pedrosa
- Maria Manuel Viana
- Paulo Ferreira
Moderador: José Mário Silva

17h30 7.ª MESA: «A obra que faço é minha»
- Álvaro Magalhães
- David Machado
- Francisco Duarte Mangas
- João Manuel Ribeiro
- José Jorge Letria
- Vergílio Alberto Vieira
Moderador: Ivo Machado

Dia 26
10h30 8.ª MESA: «Não há palavras exactas»
- José Manuel Fajardo
- Kirmen Uribe
- Nuno Crato
- Pedro Vieira
- Raquel Ochoa
- valter hugo mãe
Moderador: Onésimo Teotónio Almeida

16h00 9.ª MESA: «Nada no mundo deve ser subestimado»
- António Victorino d’Almeida
- Luis Sepúlveda
- Manuel Rui
- Mário Delgado Aparaín
- Onésimo Teotónio Almeida
- Yvette K. Centeno
Moderadora: Maria Flor Pedroso

Março, mês de novas descobertas literárias

Livraria Lello, Porto - Portugal
Todos os anos novos livros são publicados.  Se atentarmos na produção editorial verificaremos  que os editores portugueses divulgam  escritores nacionais  e  nomes da Literatura mundial. "A Leitura é irmã da Literatura" afirmou Charles Danzig no seu original  ensaio "Pourquoi lire ? " e acrescenta "Le grand lecteur ne se limite pas au nombre d’ouvrages ouverts. D’ailleurs,le livre ne se donne pas si on le parcourt. Le grand lecteur est celui qui sait «s’abandonner totalement à lui,esprit comme corps, esprit plongeant dans les pages comme la tête ». Se existirem grandes leitores, teremos concomitantemente grandes livros. E é isso que se espera do mercado editorial.
O mês  de Março vai ser marcado por grande agitação literária nas nossas  livrarias . As editoras vão colocar à venda  algumas obras de escritores com grande acervo escrito. Assim , a D.Quixote   lançará a 21 de Março   "A Noite das Mulheres Cantoras " de Lídia Jorge , "Deixem Falar as Pedras " de David Machado , «A Humilhação », 30º livro de Philip Roth e «Método Prático da Guerrilha», um thriller ficcionado de Marcelo Ferroni . O livro de contos de Urbano Tavares Rodrigues , "Os Terraços de Junho", sairá, posteriormente, a 31 de Março .
 Lançámos um olhar breve por algumas das novas obras, pelo que  registámos as respectivas sinopses que transcrevemos.

"A Noite das Mulheres Cantoras " de Lídia Jorge
«Neste novo romance de Lídia Jorge, há uma pergunta que o percorre da primeira à última página: quantas vítimas se deixam pelo caminho para se perseguir um objectivo? A acção decorre no final dos anos 80 do século XX e invoca um tema de inesperada audácia – o da força da idolatria e a construção do êxito – visto a partir do interior de um grupo, narrado 21 anos mais tarde, na forma de um monólogo.»
"Deixem Falar as Pedras" de  David Machado
«No dia em que se ia casar, Nicolau Manuel foi levado pela Guarda para um interrogatório e já não voltou. Alternando a narrativa dos sucessivos infortúnios de Nicolau Manuel – que é também a história de Portugal sob a ditadura, com os seus enganos, perseguições e injustiças, Deixem Falar as Pedras é um romance maduro e fascinante sobre a transmissão das memórias de geração em geração, nunca isenta de cortes e acrescentos que fazem da verdade não o que aconteceu, mas o que recordamos.»

«A Humilhação », 30º livro de Philip Roth
«Acabou tudo para Simon Axler, o protagonista deste livro de Philip Roth. Um dos mais destacados actores de teatro americanos da sua geração, agora na casa dos sessenta, perdeu a magia, o talento e a confiança. Quando sobe ao palco sente-se louco e faz figura de idiota. Esgotou-se a confiança nas suas faculdades: imagina que as pessoas se riem dele, já não consegue fingir que é outra pessoa. Depois das sombrias meditações sobre a moral e a morte em «Todo-o-Mundo» e «O Fantasma Sai de Cena», e do amargamente irónico olhar retrospectivo sobre a juventude e o acaso em «Indignação», Roth acrescentou mais um ao grupo dos seus inesquecíveis romances recentes»



 «Método Prático da Guerrilha», de Marcelo Ferroni
« O "Metódo Prático da Guerrilha" é uma obra de ficção, sobre ambição e loucura, que, partindo de factos reais – a última expedição revolucionária de Che Guevara –, subverte a história documentada, recriando personagens e situações. É também uma história de amor e um thriller sobre os poucos que permaneceram ao lado do combatente até ao fim. »

"Os Terraços de Junho " de Urbano Tavares Rodrigues
«Quase todos estes contos se caracterizam pelo insólito, pelo mágico, pelo surpreendente. Pairam entre o real e o irreal numa fascinante contradança de amor, aventura e desespero. E, contudo, como em toda a obra do autor, o social nunca é esquecido. Mas é na segunda parte, num conjunto de textos intitulado “Angústia com Licor de Rosas”, que o onírico prevalece e a intensa pulsão poética da escrita de Urbano Tavares Rodrigues ganha contornos de invulgar sedução.»
Entretanto, a Porto Editora publica hoje, 24 de Fevereiro,  o romance  da escritora inglesa, Rose Tremain, "Transgressão",  finalista do Man Booker Prize 2010.  "Regressar a Casa", foi o o seu primeiro livro publicado pela  Porto Editora ,seguindo-se, agora, este romance.
Sinopse: «Num vale belo e pacífico desponta uma antiga casa de pedra, conhecida como Mas Lunel. O seu proprietário é Aramon Lunel, um alcoólico de tal forma assombrado pelo seu passado violento que é incapaz de qualquer existência relevante, negligenciando os cães de caça e a propriedade da família. Numa casinha à vista de Mas Lunel mora a sua irmã, Audrun, que sonha com a vingança de todas as tragédias que lhe destruíram a vida.
Este mundo fechado e abalado por experiências sinistras é visitado por Anthony Verey, um negociante de antiguidades exilado, oriundo de Londres, que espera poder reconstruir a sua vida em França e começa a visitar propriedades na região.
Dois mundos e duas culturas colidem. Ultrapassam-se limites ancestrais, quebram-se tabus, comete-se um crime. E, enquanto o mundo desaba, as colinas de Cévennes observam.»

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Recordar Zeca Afonso

Zeca Afonso morreu em Setúbal há 24 anos , a 23 de Fevereiro de 1987. Deixou-nos um valioso legado musical, além de um passado marcado por imenso combate contra a Ditadura. Lançou, nos dias escuros do Portugal amordaçado, palavras de denúncia e de esperança através de canções de intervenção que estimularam aqueles que lutavam pela Liberdade. Foi o maior trovador português do Sec. XX.
Em 1979 numa entrevista a António Macedo do «Se7e» afirmou: "Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão seja a que nível for. É importante assumir um passado cultural ainda presente e essa é uma orientação que a canção de intervenção pode seguir."
A actualidade é uma das características  das grandes obras e dos grandes artistas. E porque , no Portugal de hoje , crescem as desigualdades sociais  e emigrar é novamente a arma para a  sobrevivência, as canções que escolhemos "Menino do Bairo Negro", (1963) e " Canção do Desterro, Emigrantes" ( 1970) atestam a contemporaneidade da obra de Zeca Afonso.
Sobre MENINO DO BAIRRO NEGRO, do Álbum "As primeiras canções"1963 onde se inclui "Os vampiros", Zeca Afonso disse: "Estilização decente de um refrão indecente recolhido numa parede cheia de sinais cabalísticos, desses que conservam para a posteridade as mais expressivas jóias dos géneros líricos nacionais. A negritude de que fala o poema existe nos estômagos diagnosticados por Josué de Castro no seu livro "Geopolítica da Fome". Os meninos de ouro que habitavam os céus antes do Dilúvio descem à Terra e são condenados pelo tribunal de menores a viverem em habitações palafitas até ao dia do Juízo Final representado por uma bola de cartão que desce, desce até tocar nas montanhas."



Menino do Bairro Negro

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Compositor: José Afonso

Sobre CANÇÃO DO DESTERRO (EMIGRANTES) do Álbum "Traz outro amigo também" de 1970, José Afonso esclareceu: "Sugerida em Lourenço Marques, pela leitura dum artigo da Seara Nova sobre as causas da emigração portuguesa. Tenta-se evocar a odisseia dos forçados actuais, partindo em modernas naus catrinetas, como os Mendes Pintos de outras épocas, a caminho dum destino que na História se repete como um dobre de finados."


Canção do Desterro
Vieram cedo
Mortos de cansaço
Adeus amigos
Não voltamos cá
O mar é tão grande
E o mundo é tão largo
Maria Bonita
Onde vamos morar

Na barcarola
Canta a Marujada
- O mar que eu vi
Não é como o de lá
E a roda do leme
E a proa molhada
Maria Bonita
Onde vamos parar

Nem uma nuvem
Sobre a maré cheia
O sete-estrelo
Sabe bem onde ir
E a velha teimava
E a velha dizia
Maria Bonita
Onde vamos cair

À beira de àgua
Me criei um dia
- Remos e velas
Lá deixei a arder
Ao sol e ao vento
Na areia da praia
Maria Bonita
Onde vamos viver

Ganho a camisa
Tenho uma fortuna
Em terra alheia
Sei onde ficar
Eu sou como o vento
Que foi e não veio
Maria Bonita
Onde vamos morar

Sino de bronze
Lá na minha aldeia
Toca por mim
Que estou para abalar
E a fala da velha
Da velha matreira
Maria Bonita
Onde vamos penar

Vinham de longe
Todos o sabiam
Não se importavam
Quem os vinha ver
E a velha teimava
E a velha dizia
Maria Bonita
Onde vamos morrer

Compositor: José Afonso

Correntes d' Escritas começa hoje

"Os vencedores dos prémios Correntes d' Escritas são conhecidos hoje, na cerimónia de abertura deste encontro literário que, até sábado, reúne na Póvoa de Varzim 63 escritores de 12 países.
O prémio, que tem um valor de 20 mil euros, distingue a poesia e tem como finalistas Filipa Leal, Armando da Silva Carvalho, A. M. Pires Cabral, Margarida Ferra, Nuno Júdice, Luís Quintais, Jaime Rocha, Paulo Teixeira, Pedro Tamen e José Tolentino Mendonça
Na sessão de abertura, marcada para as 11h00, no Casino da Póvoa de Varzim, vai também ser lançada a revista do Correntes, este ano dedicada a Luísa Dacosta." (Lusa)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

As notícias do nosso mundo

Aeronáutica Líbia bombardeia a multidão nas ruas da capital
"Alaguri/APAs manifestações na Líbia contra os 42 anos de ditadura do coronel Muamar Kadafi enfrentaram ontem o mais sangrento dia de repressão. Numa jornada caótica, segundo testemunhas, o governo ordenou à Aeronáutica que bombardeasse a multidão nas ruas da capital, Trípoli.
Um ministro pediu demissão, embaixadores abandonaram postos e dois pilotos da Força Aérea desertaram, refugiando-se em Malta , um grupo do Exército divulgou um comunicado pedindo aos companheiros que se juntassem ao povo, segundo a TV Al-Jazira. Organizações internacionais falam em mais de 300 mortos.
A crise política na Líbia intensificou-se nas últimas 48 horas, quando as cidades de Benghazi, epicentro das manifestações, Tobruk, Misrata, Lhoms, Tarhounah, Zeiten, Zaouia e Zouara teriam passado às mãos dos revoltosos. Segundo a Federação Internacional das Ligas de Direitos Humanos (FIDH), de Paris, entre 300 e 400 pessoas já teriam morrido nos conflitos com as forças de ordem - 160 dos quais só ontem, segundo a rede de TV Al-Jazira. No início da noite, relatos vindos de Trípoli davam conta dos ataques aéreos na capital. "Meus pais me disseram que as Forças Armadas estão bombardeando os manifestantes. Pode haver milhares de mortos", afirmou Mohamed Rifaat, líbio que vive em Paris e passou o dia em contactos com os pais em Trípoli. "É um crime contra a humanidade que está em curso", afirmou Ismail Sakal, estudante líbio também em Paris. Na França e na Suíça, organizações de defesa dos direitos civis como a FIDH e o Comitê Líbio pela Verdade e a Justiça anunciaram terem ouvido testemunhos semelhantes vindos de Trípoli." In "O Estadão"
Leia mais em :Kadafi ordena bombardeio aéreo de manifestações, dizem testemunhas
Acidente na Ponte 25 de Abril, Lisboa
"Pelo menos nove pessoas ficaram feridas na sequência de um acidente que envolveu um autocarro da Carris, esta manhã, no sentido Sul-Norte da Ponte 25 de Abril, provocado por um veículo ligeiro.
Segundo a edição online do Correio da Manhã, o acidente deu-se pelas 9h40, quando o veículo ligeiro fez uma manobra perigosa e obrigou o motorista do autocarro-lagarta a fazer uma paragem repentina, da qual resultaram nove feridos ligeiros.
O veículo ligeiro pôs-se em fuga, mas já foi identificado pela PSP através da matrícula. Os feridos foram, entretanto, transportados para o hospital Garcia de Orta, em Almada.
No local estiveram 17 bombeiros auxiliados por sete veículos, a viatura médica de emergência e reanimação, bem como a PSP da Ponte".
Nova Zelândia: Pelo menos 65 mortos no sismo em Christchurch
"Pelo menos 65 pessoas morreram no sismo de magnitude 6.3 que atingiu Christchurch, a segunda cidade da Nova Zelândia, disse o primeiro-ministro, John Key.
Um despacho da AFP, que cita o chefe do Governo neozelandês, adianta que este balanço pode ainda aumentar.
O estado de emergência foi já decretado em Christchurch, onde equipas de socorro estão já a trabalhar."
Diário Digital / Lusa

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"Le Printemps des Poètes", a celebração da Poesia

A 13ª edição de "Printemps des Poètes" que decorre entre 7 e 21 de Março de 2011 tem uma vasta panóplia de propostas  que passa por Leituras, Encontros Espectáculos, Conferências  a realizar em toda a França, mas também fora dela, no estrangeiro. A inauguração é nacional abrangendo cinco cidades francesas: Paris, La Rochelle, Lyon, Montpellier et Tours. Em Paris, o lançamento tem correspondência com as manifestações literárias de « 2011, Année des Outre-mer ». Assim, é possível ouvir, ler e descobrir as poesias de três Oceanos ( Caraíbas do Oceano Atlântico, Oceano Índico, Oceano Pacífico) ancoradas na natureza e nas suas paisagens.
A 7 de Março, em Paris,das 12h15 às 13h30, Juliette Binoche, madrinha desta 13ª Edição, Jacques Bonnaffé, Greg Germain, Denis Lavant, Jacques Martial, Hugues Quester, Robin Renucci e os estudantes do atelier de teatro  do Liceu Chaptal de Paris propõem uma leitura  de poemas "d'Outre-mer". Das 13h30 às 16h30, várias centenas de artistas vão invadir o espaço público  parisiense com leituras de poemas vindos das infinitas paisagens das regiões "d'Outre-mer" (Caraíbas, Oceano Índico, Pacifico),dirigindo-se a um grande público numa iniciativa natural e gratuita.
 "Printemps des Poètes" presta também  homenagem a  Aimé Césaire, na cerimónia de encerramento , Segunda-feira, 21 Março, no Teatro 13 em Paris, onde Jacques Martial  irá ler "Le Cahier d’un retour au pays natal "  de Aimé Césaire.
                             Infinitas paisagens:
Desde sempre, a natureza e as suas paisagens, colinas, rios, desertos, céu, mar e montanhas, têm inspirado os poetas. Para evocar este tema , " Printemps des Poètes 2011" destaca particularmente a obra de quatro vozes maiores da poesia contemporânea : Michel Butor, René Depestre, André Velter e Kenneth White. Quatro vozes que nos recordam , tal como afirma  Hölderlin, que « c’est en poète que l’homme habite cette terre ». A 13 de Março, às 17h, no Musée du quai Branly ,em  Paris, realiza-se uma sessão subordinada a esta temática
Sobre Juliette Binoche, artista de cinema e poeta, "L'Actualitté"  escreve:"Juliette Binoche : « N'oubliez pas de lire de la poésie ! » Actriz e poeta na alma como também na escrita , Juliette Binoche foi escolhida este ano para ocupar o lugar de madrinha da edição de  2011 de Printemps des Poètes ....
Juliette Binoche,  de 46 anos, está ligada à poesia   desde há muito tempo . Autora de um livro de  poesia ilustrada pelas suas próprias pinturas, "Portraits in-eyes" , publicado em  2008 pelas Edições Place des Victoires, a actriz reconhece a sua ligação com a poesia.(...)Diante da " máquina louca que é a vida em que vivemos" confia a actriz aos camaradas da APF, " a poesia permite um "outro" tempo (...) um tempo no tempo, um tempo com ele mesmo , com o  próprio, onde se pode sentir extremamente próximo de alguém graças à poesia."
Enfim « ça a toujours kékchose d’extrême un poème », como dizia Queneau. A poesia deve mudar o nosso olhar sobre o mundo, sobre os outros, ou, pelo menos, orientá-lo para novos horizontes.
Então, sobretudo não se privem, ofereçam a vós próprios a leitura de alguns saborosos poemas durante estes dias especialmente  dedicados à poesia: em casa, como na rua ou ainda  no trabalho."  
 Victor de Sepausy, le mercredi 09 février 2011 à 07h57,  "L’ Actualitté"
 Leia mais em : Dossier de presse

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Há música ao Domingo

Os sons , as vozes de Jessye Norman, de Kathleen Battle e do Coro da Ópera Nacional da Grécia, em "Mythodea, Movement 4 " de Vangelis para NASA Mission, Mars Odyssey 2001. Esta peça, Mythodea em 11 movimentos, é um hino fantástico e dos mais criativos de Vangelis.
As imagens fazem parte do concerto realizado na Acrópole de Atenas, no Templo de Zeus, em 2001. O Maestro Blake Nelly dirige a Orquestra Metropolitana de Londres e o próprio Vangelis.
Que a magnitude desta excepcional ária arraste para este Domingo o encanto da transcendência libertadora.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Viajar, a explosão dos sentidos

Para Michel Onfray  "viajar pressupõe a confusão de todos os sentidos". O seu livro,  "Teoria da Viagem – uma poética da geografia", é um  ensaio sobre a ontologia da viagem, enquanto percurso de um  "eu". De acto iniciático à poética do eu  , as páginas somam-se  em extraordinárias reflexões sobre as diversas etapas daquele que se dispõe e se abre à viagem.
Sendo o Sábado, um dia que propicia o desejo de viajar e o tempo para a leitura, vamos recuperar algumas passagens deste livro, publicado em Portugal, em Abril de 2009. 
Onfray constroi todo o texto tentando dar respostas a questões tão simples e seculares como estas: "Por que somos impelidos para o movimento constante, a deslocação - ou amamos o imobilismo e as raízes? Por que mantiveram alguns povos a sua marcha permanente, atravessando continentes? E por que se dedicaram outros a um só lugar, onde cuidaram dos seus campos? A energia que anima estas diferentes formas de vida, estes dois arquétipos, é a mesma que anima o resto do universo, e que as combina em cada um de nós".


Partir para um sítio é na maioria das vezes ir ao encontro dos lugares-comuns associados desde sempre ao destino eleito.(...) Entre o desejo de encontrar os lugares-comuns que habitam o nosso espírito e o de visitar uma terra absolutamente virgem existe um meio-termo. (...)Viajar pressupõe não tanto um espírito missionário, nacionalista, eurocentrado e limitado, mas uma vontade etnológica, cosmopolita, descentrada e aberta. O turista compara, o viajante separa. O primeiro fica à porta de uma civilização, aflora uma cultura e contenta-se em vislumbrar a sua espuma, em apreender os epifenómenos, à distância, qual espectador empenhado, militante do seu próprio enraizamento; o segundo esforça-se por entrar num mundo desconhecido, desacautelado, qual espectador liberto, preocupado não em rir ou chorar, julgar ou condenar, absolver ou resolver anátemas, mas sim desejoso de apreender esse mundo interior, compreender. O comparador designa sempre um turista, o anatomista indica um viajante.(...)
Nós próprios, eis a grande questão da viagem. Nós próprios e nada mais. Ou pouco mais. Pretextos, ocasiões, múltiplas justificações, sem dúvida, mas de facto fazemo-nos à estrada movidos unicamente pelo desejo de nos reencontramos, ou mesmo de nos encontrarmos.(...)Toda a viagem é iniciática – do mesmo modo que qualquer iniciação não deixa de ser uma viagem. Antes, durante e depois descobrem-se verdades essenciais que estruturam a identidade.
Longe de constituir uma terapia, a viagem define uma ontologia, uma arte de ser, uma poética do eu.(...) voltar é decidir não permanecer.
Basta sentirmo-nos nómadas uma vez, para sabermos que voltaremos a partir, que a última viagem não será a derradeira.(...)Ponderar uma nova partida pressupõe assim uma inovação e não uma repetição.”
Michel Onfray, in ” Teoria da Viagem – uma poética da geografia”,  Editora Quetzal, 2009

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Portugal e o Mundo

A SIC divulgou pela manhã a Revista de Imprensa. As notícias que se espalham pelos jornais portugueses abrangem o país e o mundo. Se o mundo estremece, Portugal range com força. Do assassinato da extraordinária beleza pacífica do vale do Tua que será hoje pomposa e oficialmente anunciado pelo Presidente do Conselho, em digressão pelo país, à morte de um jovem num bairro periférico , a imprensa vai retratando o país e o mundo.
A selecção para esta Sexta-Feira de Fevereiro é vossa.



Pátria

Foste um mundo no mundo
E és agora
O resto que de ti
Já não posso perder:
A terra, o mar e o céu

Que todo eu
Sei conhecer.
Foste um sonho redondo,
E és agora
Um palmo de amargura
Retornada.
Amargura que em mim
Também nunca tem fim,
Por ter sido comigo baptizada.
Foste um destino aberto,
E és agora
Um destino fechado.
Destino igual ao meu, amortalhado
Nesta luz de incerteza
E de certeza
Que vem do sol presente e do passado.
                   Miguel Torga, in “Diário” , Coimbra, 28 de Abril de 1977

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A juventude canta e (en)canta

As novas vozes, Laura Marling e Johnny Flynn,  em " Water", uma linda  canção sustentada por um fresco poema .



Water
All that I have is a river
The river is always my home
Lord, take me away for I just cannot stay
Or I'll sink in my skin and my bones

The water sustains me without even trying
The water can't drown me, I'm done
With my dying

Please help me build a small boat
One that'll ride on the flow
Where the river runs deep, and the larger fish creep
I'm glad of what keeps me afloat

The water sustains me without even trying
The water can't drown me, I'm done
With my dying

Now deeper the water I sail
And faster the current I'm in
So wide is my river, the horizon a sliver
The artist has run out of paint

The water sustains me without even trying
The water can't drown me, I'm done
With my dying

Where the blue of the sea meets the sky
And the big yellow sun leads me home
I'm everywhere now, the way is a vow
To the wind of each breath by and by

The water sustains me without even trying
The water can't drown me, I'm done
With my dying

O Jornal português i, o melhor do mundo


Considerando-o único, inovador e inspirador, o júri internacional da Society for News Design (SND) atribuiu ao diário português "i" o prémio de "jornal mais bem desenhado do mundo". Estes galardões são considerados os Óscares na área de design de imprensa.
"O que reconhecemos no vencedor deste ano é a sua abordagem única e fresca. O "i" pode vir a inspirar designers e editores em todo o mundo na reformulação das suas publicações e na criação e revisão de novos modelos que possam servir o seu público da melhor maneira", refere o comunicado do júri, formado por profissionais das publicações Die Zeit, The Seatle Times, Akzia, Ottawa Citixen e Poynter Institute.
O jornal "i" destacou-se pela "sua capacidade de tirar o melhor partido da linguagem visual de jornais, revistas e outras publicações e criar algo novo, que é mais do que a soma das suas partes".
Recorde-se que, na edição do ano passado dos prémios da SND, o "i" arrecadou 13 prémios, incluindo duas medalhas de prata.
O jornal i ganhou o prémio de melhor design do mundo, um galardão que se deveu ao facto de o diário português ser «compacto e fresco» , mas também por  «não brincar com a consistência dos assuntos que aborda», apesar das surpresas que apresenta dia-a-dia.
Ouvido pela TSF, o Director gráfico do jornal confessou que não ficou totalmente surpreendido com o galardão, devido às informações que foram sendo lançadas pelos responsáveis por este prémio e pelo facto de ter sabido que, entre os finalistas, estavam «dois jornais de tiragem muito pequena».
«Nessa altura, mais ainda, criei expectativas que podia acontecer que fôssemos vencedor», adiantou Pedro Fernandes, que ficou surpreendido com alguns comentários feitos ao jornal pelo júri, que dizem que ler o i é como ouvir uma peça de música ou que até apetece comer.
«Reagi com muito entusiasmo e percebi que o trabalho que estamos a fazer é um trabalho consistente, forte e que é apreciado pelas pessoas nacional e internacionalmente», acrescentou este director gráfico
Pedro Fernandes considerou ainda que a «inspiração vem dos temas» abordados e das «coisas que acontecem no dia-a-dia».(Boas Notícias e TSF)
Para o Jornal i vão os nossos PARABÉNS.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Fernando Pessoa, um homem franzino


" De resto, a minha vida gira em torno da minha obra literária -boa ou má, que seja, ou possa ser. Tudo o mais na vida tem para mim um interesse secundário." Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu  em 1888 e faleceu em 1935, há noventa e seis anos. Era filho "dum modesto funcionário, inteligente e culto, jornalista , crítico musical, que morreu tuberculoso em 1893", quando Pessoa tinha cinco anos. Tinha ascendência de cristãos-novos e uma avó paterna louca." A mãe provinha de uma abastada  família açoreana. Era uma mulher culta e educada. Em 1895 volta a casar e parte para Durban ( África do Sul) onde  o  poeta irá efectuar os estudos que o levarão até à Universidade do Cabo(1903-04).De retorno a Lisboa, passa pelo Curso Superior de Letras que abandona , preferindo  estudar isolado. A par da sua grande produção literária, Fernando Pessoa trabalha até à sua morte, como correspondente comercial de várias firmas.
(Nota: Muito se tem escrito sobre Fernando Pessoa. Grandes obras, algumas que serão aqui referidas, outras de carácter mais superficial e outras, ainda, diferentes  pela originalidade na abordagem à figura pessoana.
Por considerarmos que,  na obra literária, a  originalidade é um  traço essencial,  transcrevemos excertos de duas diferentes abordagens que têm esse estímulo precioso.)

Retrato Possível de Fernando Pessoa
“Era um homem magro, com uma figura esguia e franzina, media 1,73 m de altura. Tinha o tronco meio corcovado. O tórax era pouco desenvolvido, bastante metido para dentro, apesar da ginástica sueca que praticava. As pernas eram altas, não muito musculadas e as mãos delgadas e pouco expressivas. Um andar desconjuntado e o passo rápido, embora irregular, identificavam a sua presença à distância.
“Vestia habitualmente fatos de tons escuros, cinzentos, pretos ou azuis, às vezes curtos. Usava também chapéu, vulgarmente amachucado, e um pouco tombado para o lado direito.
“O rosto era comprido e seco. Por detrás de uns pequenos óculos redondos, com lentes grossas, muitas vezes embaciadas, escondiam-se uns olhos castanhos míopes. O seu olhar quando se fixava em alguém era atento e observador, às vezes mesmo misterioso. A boca era muito pequena, de lábios finos, e quase sempre semicerrados. Usava um bigode à americana que lhe conferia um charme especial. Quando falava durante algum tempo e esforçava as cordas vocais, um dos seus pontos sensíveis, o timbre de voz alterava-se, tornando-se mais agudo e um pouco monocórdico. A modulação da passagem de um tom para o outro acabava por reduzir o seu volume vocal natural e o som então emitido ficava mais baixo e um pouco gutural, tornando-se menos audível.
“Nos últimos dez anos de vida, talvez provocado pelo fumo dos oitenta cigarros diários, adquiriu um pigarrear característico, seguido de uma tosse seca.
“Embora não muito dado ao riso, Fernando Pessoa tinha uma certa ironia e algum humor, sobretudo se estava bem disposto, o que acontecia algumas vezes quando os amigos mais próximos o desafiavam para jantares. Curiosamente libertava-se então da sua timidez e gesticulava de um modo mecânico e repetitivo, deixando escapar um riso nervoso, às vezes irritante.(...)"

"O RETRATO POSSÍVEL DE FERNANDO PESSOA" In "À mesa com Fernando Pessoa" de Luís Machado e  pref. Teresa Rita Lopes.- Lisboa,  Pandora, 2001. 

"Pessoa e mais Pessoa... A pergunta mais difícil é essa de quem foi, é, (visto que a sua actualidade não parece perder-se), Fernando Pessoa.Os estudiosos que querem investigar a sua personalidade, carácter, comportamento face à realidade da vida e do seu quotidiano banal, tentando distinguir a vida da obra, têm dificuldades várias a ultrapassar. A mais importante é a de que Pessoa não queria separar vida e obra, fazendo da obra a sua verdadeira vida.Foi biografado por João Gaspar Simões : Vida e Obra de Fernando Pessoa, História de uma Geração.Trata-se de uma obra indispensável para qualquer estudioso, pois nela se retrata uma infância (mais tarde sonhada e perdida, que podemos ir acompanhando pelos diversos poemas dos diversos heterónimos), uma adolescência e uma vida madura, esta já plenamente integrada nas correntes (nos ismos) da época com os projectos que despontavam e regularmente se iam abandonando porque tudo era difícil num país que vivia ainda de um Messianismo mais do que ultrapassado, mas em que Pessoa, com alguns outros, teimava em acreditar.Portugal não chegou a ter esse destino de eleição, mas Pessoa acabou por tê-lo, ainda que tardiamente, com a riqueza e complexidade da sua obra.Omitindo agora a produção poética, é sobretudo nas suas leituras que descobrimos um espírito ávido de saber: dos clássicos aos modernos, há de tudo na sua biblioteca pessoal. E quando digo modernos digo Joyce, na literatura, Freud, na psicanálise ou Eisnstein na teoria da relatividade.Não se pode esquecer a paixão pelo esoterismo que até na poesia veio a ter marca especial.Começou pelas Histórias da Religião, depois passou aos Gnósticos, à Mísitica judaica, com a Kabala em pano de fundo, seguiu pelos caminhos que Goethe já seguira ( e Pessoa tinha o Fausto na sua biblioteca) dos Rosa-Cruz e da Maçonaria. Fosse ou não iniciado, - ora dizia que não, ora deixava entender que sim, mas em quê? Na dormente Ordem do Templo, sobre a qual escreveu? Na Sociedade de Teosofia, que nega haver nos arquivos algum documento que se lhe refira? Pouco importa. Se querer conhecer é já ser iniciado, Pessoa foi, por tal desejo, que o acompanhou toda a vida, um iniciado na Espiritualidade.É extensa a bibliografia disponibilizada ao longo dos anos pelos estudiosos da obra pessoana, encontra-se publicada por José Blanco: Fernando Pessoa, Esboço de Uma Bibliografia.Junto com esta, mas sem a substituir, a edição de João Rui de Sousa, Fernando Pessoa, FOTOBIBLIOGRAFIA, 1902-1935.
Mas o que escreve o jovem, nos seus apontamentos, só depois da sua morte conhecidos, mais concretamente quase cinquenta anos mais tarde, quando o espólio começou a ser estudado, àcerca de si mesmo?(...)"
In “ Simbologia e Alquimia”, de Yvette Centeno

Leia o artigo integral : Pessoa e mais Pessoa...