domingo, 29 de novembro de 2009

Felicidade


O filósofo grego Aristóteles afirmava, há mais de 2 mil anos, que a felicidade se atinge pelo exercício da virtude e não da posse.
Para Roberto Shinyashiki, Felicidade não é o que acontece na nossa vida, mas como nós elaboramos esses acontecimentos. A diferença entre o sábio e o ignorante é que o primeiro sabe aproveitar suas dificuldades para evoluir, enquanto o segundo se sente vítima de seus problemas.
E um Provérbio chinês conclui que "Mesmo que tenhas dez mil plantações, só podes comer uma tigela de arroz por dia; ainda que a tua casa tenha mil quartos, nem de dois metros quadrados precisas para passar a noite."

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A ILHA


A Ilha
Autor: Giani Stuparich
Título original: L’Isola
Tradutora: Margarida Periquito
Editora: Ahab
N.º de páginas: 79
ISBN: 978-989-96340-2-2
Ano de publicação: 2009

Com um perfil semelhante à Cavalo de Ferro dos primeiros tempos, a novíssima editora Ahab, implantada no Porto, promete apostar em autores inéditos em Portugal (ou pouco divulgados). Uma intenção que se confirma nos três primeiros títulos: Pergunta ao Pó, de John Fante; Pudor e Dignidade, do norueguês Dag Solstad; e A Ilha, de Giani Stuparich.
Comecemos por este último. Não se alongando por mais de cinquenta páginas, breves mas de uma intensidade quase sufocante, A Ilha é considerada a obra-prima de Gianni Stuparich (1891-1961), talvez menos conhecido do que outros grandes escritores de Trieste (Italo Svevo, Umberto Saba, Scipio Slataper ou Claudio Magris) por ter sobreposto os seus compromissos morais à expressão estética. Nas palavras de Magris, ele era «um mestre de rectidão civil e de empenhamento democrático», tendo de resto pago caro a recusa do fascismo, com uma passagem pelo campo de concentração de San Sabba (1945).
Em A Ilha (1942), Stuparich narra uma viagem final. Consciente do declínio físico, um homem convida o filho a viajar com ele até à ilha onde nasceu, para o que talvez sejam os seus últimos dias. Vindo das montanhas, o filho acede ao pedido e enfrenta a «luz crua» do mar, a «implacável cintilação do azul», procurando reaproximar-se desse pai que lhe abriu de vez os horizontes, aos dez anos, durante um périplo pela Dalmácia («onde antes imaginara apenas abismos ignotos e temerosos, descobrira chão firme e a alegria de por ele caminhar, desenvolto»), viagem iniciática cuja memória lhe provoca agora uma «sensação obscura, fisiológica; talvez idêntica à que deve sentir uma borboleta quando sai da crisálida».
O progenitor, que já foi como um deus para ele, «com o rosto luminoso, a voz sonora, modos de conquistador», envelheceu e tem um cancro no esófago, ameaça mortal que ergue, entre os dois, um silêncio em que o não-dito (a doença) apenas torna mais desesperado o afecto que os une. Na ilha há calor, mosquitos, insónias, uma paisagem deslumbrante e agreste. O pai vai à pesca, fuma, lê a Bíblia (O Livro de Job), recorda a «ilhota do amor» onde «os cachos oscilavam entre os lábios dos amantes», apagando-se numa espécie de resignação satisfeita. O filho mergulha no mar agitado, tortura-se com o sofrimento paterno (a tosse, os engasgos, os sinais da «fria lividez da morte») e tenta controlar as emoções. Ambos sabem que não há regresso depois do regresso. E é nesta matéria tão frágil – o amor indizível, a consciência do fim – que Stuparich esculpe a sua história. Uma história de uma simplicidade e beleza avassaladoras.

Avaliação: 9/10

[Texto publicado no suplemento Actual, do semanário Expresso]

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Paul Simon, Concerto em África, 1987

Paul Simon: Diamonds on the soles of her shoes, South Africa.
Concert in Zimbabwe 1987 with ladysmith, black mambazo, joseph shabalala, ray phiri, miriam makeba


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Amo devagar...


Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Helder

domingo, 15 de novembro de 2009

Informe sobre o País recalcado

Desagrada-me ter de molhar a caneta na tinta do desalento e da mágoa. Não me sinto bem a dizer mal. Mas o mal aí está, numa sociedade decrépita, cujos dirigentes demonstram uma felicidade tão intensa quanto leviana, e a elite, averiguadamente, não se...

Desagrada-me ter de molhar a caneta na tinta do desalento e da mágoa. Não me sinto bem a dizer mal. Mas o mal aí está, numa sociedade decrépita, cujos dirigentes demonstram uma felicidade tão intensa quanto leviana, e a elite, averiguadamente, não se interessa pelos destinos do País. Numa entrevista a Ana Lourenço, na SIC, terça-feira, António Barreto fez uma análise demolidora da situação. Barreto demonstrou, com números e dados de facto, que Portugal parece condenado a não se sabe bem o quê. Avisou: "Nos próximos anos, pode haver um movimento de emergência nacional." Como, "emergência nacional"? Intervenção militar? Ruptura absoluta na economia e nas finanças? Surgimento de um poder baseado nos bancos e nos juízes? Nada é de pôr de lado. Tudo é admissível. Qualquer destas hipóteses tem acontecido, a espaços mais ou menos curtos, um pouco por todo o lado dito "ocidental."

Na verdade, de que forma se pode organizar um país, o nosso, com 600 mil desempregados, 20 mil compatriotas a viver na faixa da miséria, 40 mil idosos com fome, milhares de grandes, pequenas e média empresas a fechar, e uma mocidade sem perspectivas, não só aqui como em outros países?

A precariedade instalou-se na vida, nos costumes, nos hábitos e na resignação portugueses. Não vale a pena estruturar as coisas nem a longa nem a curta distância. Os salários estão cada vez mais baixos, e os gentis senhores Van Zeller e Vítor Constâncio propõem: nada de aumentos! O jornalismo português existe numa baixeza moral e profissional nunca vista, nem mesmo nos tempos da Censura, da PIDE, das guerras coloniais. Sei muito bem que há gente incomodada quando escrevo e digo isto. E digo isto nos jornais, nas televisões, nas rádios e em debates para que, frequentemente, sou convidado.

Raramente notícias com a importância daquelas que referi vão para as primeiras páginas, abrem os telejornais, são comentadas e esclarecidas. A rotina dos que interpretam os factos escapa destes casos, recusa a sua análise. Os comentadores são muito independentes, muito imparciais, muito limpos, muito "distanciados" e não têm por objectivo incomodar quem manda.

As doses maciças de futebol com que nos anestesiam as capacidades críticas atingem os territórios do obsceno. O País está em declive acentuado, e não sou só eu que o digo, e a música que nos tocam é maviosa.

Os vencimentos são tão baixos que não chegam para sustentar famílias com um e dois filhos. Recorrem aos bancos da fome, à Caritas, e a outras organizações cristãs e a movimentos de solidariedade social. Há dias, o "Correio da Manhã" informava dos criminosos (não há outro termo: criminosos) ordenados e reformas obtidos por cavalheiros que talvez se julguem acima do bem e do mal. É uma notícia aterradora pela pouca-vergonha que comporta. Uma casta de privilegiados sobreleva todas as ideias de justiça e de equilíbrio social, por mais minguadas que sejam. Aqueles de nós, cada vez mais reduzidos, por medo ou por compromisso, aqueles de nós que manifestam indignação e repulsa por este estado de coisas são apodados de comunistas. Alguns, até, perseguidos, pelo singelo desejo de uma pátria solidária e fraterna. Como devem calcular, sei muito bem do que falo.

No entanto, creio que a função social da Imprensa corresponde, cada vez mais, à necessidade de se criar novos laços sociais. De contrário, corremos o risco de uma explosão generalizada, com consequências imprevisíveis. As pessoas mais novas pouco ou nada sabem do nosso passado próximo recente. Poucos filmes "políticos", pouca investigação histórica, poucos resultados de ordem pedagógica. Os escritores portugueses parecem ter-se demitido da sua exemplaridade. Abandonaram os testamentos legados por uma literatura que forneceu o retrato moral, estético, ético e intelectual do Portugal sequestrado. A ausência de debate e de polémica resulta desse abandono trágico.

O retrato de António Barreto ao País foi terrível, por perturbador. Com uma secura implacável e a voz serena e calma que se lhe conhece, o sociólogo não escamoteou nem ocultou as novas figuras de autoridade, como o medo, que nos limitam e constrangem. E Ana Lourenço, muito bem preparada, formulava as perguntas apropriadas àquilo que Barreto ia dizendo. E Barreto não esqueceu os tropeções por que tem passado o jornalismo português, cada vez mais medíocre, mais apressado, mais levezinho e ligeirinho. Uma grande entrevista, que devia servir de exemplo a muitos e muitas preopinantes das televisões, que apenas procuram o sobressalto, a surpresa e o pequeno escândalo.

O retorno do recalcado aí está. O recalcado não encontra motivação em coisa alguma. Depois, é informado da miséria, do desespero e da angústia que o rodeiam; dos ordenados (diz-se "vencimentos", é mais civilizado) dos "gestores" que foram, que são e que estão para vir. Tudo o recalca. Tudo o abate. Tudo o conduz à frustração.

Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no "Jornal de Negócios", em 30 de Outubro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

Reflexão


"Cada um só tem verdadeiramente a pátria que se inventa, quer dizer, a casa ideal onde o que é e o que faz se lhe volve transparente e fora da qual se sente, por assim dizer, perdido."
Eduardo Lourenço, 1999

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Crying Time

Oh, it's cryin' time again
You're gonna leave me
I can see that faraway look
In your eyes
I can tell by the way
You hold me, darlin'
That it won't be long
Before it's cryin' time
(...)
Barbra Streisand and Ray Charles, a inconfundível sonoridade destas vozes ímpares.

A MARGEM DO PÂNTANO




Para Jorge de Sena


Tudo me dói como se fora medo
ou ânsia de ficar aquém da morte
brincando na ilusão de estar vivendo
medos perdidos, pélagos selados.
Sonhos não chegam para tamanha sorte
ou chegam, mas são fúria lá no centro
de um mundo onde não vivo, iluminado
por mão intemerata já sem norte.
Acaso quebro lages, desço fundo,
laços desfaço de invisível corda.
Ao centro que me foge e que não quero
logo deslizo como quem se avilta
no lixo temporal muro fechado.
Enquanto o dia não chega a febre aumenta.
Vozes insistem pela madrugada.
Lanço de mim o grito inesperado:
eu vivo, sou, e sonho, ou desespero!
realidade és medo, a dor é nada!

RUY CINATTI, in "Conversa de Rotina ", 1973

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Vai-te, Poesia!


Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.
Quero gritar!

Poesia - José Gomes Ferreira

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Muro da vergonha

Este muro caiu ao fim de vinte e oito longos e infames anos. E os outros que se ergueram sem memória deste ultraje? E as paredes que nos vão separando, cerradas sem janelas, cavando miséria, divisão e ostracismo?
Que mundo o nosso de tantos muros e de tanto esquecimento.

domingo, 8 de novembro de 2009

Canto...

Orfeu Rebelde

(...)Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.


Letreiro

Porque não sei mentir,
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
de insatisfação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuízo.
Não me sei conformar.
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.

Miguel Torga, in "Orfeu Rebelde", 1958

sábado, 7 de novembro de 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A relação ética de Alteridade em Lévinas

A partir da constatação de que a compreensão de metafísica, que emergiu com os
pré-socráticos e se efectivou no desenvolvimento histórico do pensamento ocidental teve como preocupação fundamental constituir um saber sobre o ser, procuramos, na nossa tese, afirmar a possibilidade da ética como metafísica da alteridade. Na contemporaneidade, Husserl preocupa -se em incluir a alteridade na constituição do sentido da objectividade. Na sua tentativa de constituir o sentido do outro, emerge um nós constituinte. A intencionalidade egológica e solitária transforma-se em intencionalidade intersubjectiva. Heidegger fez uma crítica veemente à metafísica, acusando-a de ter esquecido de considerar o ser como a questão mais fundamental. Enunciou que a possibilidade do pensar ético seria viável à medida que se tornasse o agir na procura da verdade do ser, que garantiria ao homem, na sua existência, realizar sua essência. Levinas percebe que a prioridade do pensamento na procura de estabelecer a verdade como o ser resultou na configuração de uma ontologia, uma gnosiologia e uma forma de racionalidade, que se identificaram com os próprios temas investigados, a coerência das relações lógicas e as formas objectivas abstractas. Esse modelo de pensamento não ignorou a dimensão antropológica, mas, na obsessão pela síntese e pela objectividade, terminou nivelando as coisas e a interioridade subjectiva das pessoas, igualando e diluindo suas particularidades numa generalização neutra e abstracta. O humano tornou-se um ente entre outros entes, um ser anónimo, impessoal, apreendido pelo sujeito pensante e expresso num conceito. A corporeidade, a sensibilidade, os desejos, a dinâmica de relação com os outros, o nascer, o viver, o sofrer, o morrer do humano transformaram-se em conteúdo objectivo, sintetizado e representado num sentido puramente racional. Em vez da relação teórica abstracta na determinação inteligível do ser, Levinas prioriza a busca do sentido do humano, onde se verifica a possibilidade da relação metafísica do mesmo com o outro, sem que o outro se reduza ao mesmo, nem o mesmo se absorva na identidade do outro, mantendo, cada um, a condição de separação e a verdadeira relação de alteridade. A relação ética de alteridade torna-se lugar originário da construção do sentido e provocação eminente à racionalidade. O rosto do outro apresenta-se como apelo irrecusável de responsabilidade para com ele, que tem como medida, a des-medida do infinito. O rosto não é um ente objectivo que possa ser abordado de modo especulativo. O rosto fala e, ao proferir sua palavra, invoca o interlocutor a sair de si e entrar na relação do discurso. A linguagem tem a excelência de assegurar a relação entre o mesmo e o outro, que é transcendente em absoluto respeito à sua alteridade. O infinito se mostra na subjectividade vivente na história, que pode desejar outrem para além do sentido racional, objectivo e abstracto. Na relação com o outro, efectiva-se a possibilidade do infinito dar-se sem padecer os horrores da violência do modo de pensar entificante e totalizador. Ela faz reluzir o seu brilho como verdadeira alteridade metafísica, que nos convoca a desejar aquilo que sabemos nunca poder saciar, o desejo.

JOSÉ TADEU BATISTA DE SOUZA, in "ÉTICA COMO METAFÍSICA DA ALTERIDADE EM LÉVINAS ", UCRGS, 3 de Agosto de 2007

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Claude Lévi-Strauss (1908-2009)


O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss morreu sábado, 31 de Outubro, aos 100 anos.

«Estamos num mundo a que já não pertenço. Aquele que conheci, aquele de que gostei, tinha 1500 milhões de habitantes. O mundo actual tem seis mil milhões de humanos. Já não é o meu.»

domingo, 1 de novembro de 2009

DESENCANTO DOS DIAS


DESENCANTO DOS DIAS

Não era afinal isto que esperávamos
Não era este o dia
Que movimentos nos consente?
Ah ninguém sabe
como ainda és possível poesia
neste país onde nunca ninguém viu
aquele grande dia diferente

Ruy Belo