domingo, 30 de março de 2025

Ao Domingo Há Música

 

Amar é a gente querer se abraçar com um pássaro que voa.
 João Guimarães Rosa, "Do diário em Paris"


Quando o desamor se alastra no mundo e as guerras  se desenvolvem em ódio e constante  crueldade,  é na convocação do amor que se deve apostar.  A Música sempre o celebrou. É através dela que, neste domingo, o  convocamos e relembramos  grandes  cantores da língua francesa. 

 

Pierre Bachelet, em Elle est d'ailleurs (Lyrics video).
Serge Reggiani, em  Le temps qui reste . Letra: Jean-Loup Dabadie .  Música: Alain Goraguer.
 
Charles Aznavour , em Hier Encore (Official Music Video).
 
Jacques Brel, em  Ne me quitte pas (Official Lyric Video).
 
Céline Dion, na talentosa interpretação da célebre canção de Edth Piaf de 1950 (Letra de Edith Piaff e Música de Marguerite Monnot)   Hymne à l'amour , nos jogos Olímpicos de Paris 2024 .
E Johnny Hallyday, que foi um dos mais talentosos cantores franceses, na icónica canção Que je t’aime
Quand tes cheveux s'étalent Comme un soleil d'été Et que ton oreiller Ressemble aux champs de blé Quand l'ombre et la lumière Dessinent sur ton corps Des montagnes, des forêts Et des îles au trésor Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Quand ta bouche se fait douce Quand ton corps se fait dur Quand le ciel dans tes yeux D'un seul coup n'est plus pur Quand tes mains voudraient bien Quand tes doigts n'osent pas Quand ta pudeur dit non D'une toute petite voix Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Quand tu ne te sens plus chatte Et que tu deviens chienne Et qu'à l'appel du loup Tu brises enfin tes chaînes Quand ton premier soupir Se finit dans un cri Quand c'est moi qui dit non; Quand c'est toi qui dit oui Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Quand mon corps sur ton corps Lourd comme un cheval mort Ne sait pas, ne sait plus S'il existe encore Quand on a fait l'amour Comme d'autres font la guerre Quand c'est moi le soldat Qui meurt et qui la perd Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime Que je t'aime, que je t'aime, que je t'aime

sábado, 29 de março de 2025

O Amor

 O amor  
por Marguerite Duras
«Um homem.
Um homem de pé, olhando: a praia, o mar. O mar está baixo, clamo, a estação indefinida, o tempo, lento.
O homem está em cima de um estrado de madeira, ao longo da praia.
Veste um fato sombrio. Tem um rosto distinto.
Os seus olhos são claros.
O homem não se mexe: olha.
O mar, a praia, há poças, superfícies isoladas de água morta.
Entre o homem que olha e o mar, junto do mar, alguém caminha. Um outro homem. Veste um fato sombrio. Mas a esta distância não se lhe distingue o rosto. Caminha, afasta-se e volta, torna a partir, a voltar, num caminhar longo, monótono.
Algures na praia, à direita daquele que olha, um movimento luminoso: uma poça esvaindo-se, uma fonte, um rio, rios, ininterruptamente, alimentam o sorvedouro de sal.
À esquerda, uma mulher de olhos fechados. Sentada.
O homem que caminha olha, olha apenas a areia à sua frente. Tem um andar incessante, regular, longínquo.
O triângulo fecha-se com a mulher de olhos fechados, sentada contra um muro que separa a praia do fim da cidade.
O homem que olha está entre esta mulher e o homem que caminha junto ao mar.
Como o homem caminha, persistente, com igual lentidão, o triângulo forma-se e deforma-se, sem nunca se quebrar.
Este homem tem o passo regular dum prisioneiro.
O dia morre.
O mar, o céu ocupam o espaço. Ao longe, o mar já está oxidado pela luz obscura. E o céu também.
Três. São três pessoas na luz obscura, na rede lenta.”
Marguerite Duras,
in  O amor, Editorial Presença, Abril de 1999 
Marguerite Duras. Foto de Ralph Gibson

Sobre a autora
"Marguerite Duras nasceu em Gia Dinh, na  Indochina  (agora  Vietnam),  em  1914,  onde  passou  a  infância  e  a adolescência.  A autora irá ficar profundamente marcada pela paisagem e pela vida da antiga colónia francesa, frequentemente referidas na sua obra literária.
O pai morreu quando tinha quatro anos de idade, e a  mãe, uma professora, lutou arduamente para criar três  filhos  sozinha.
Durante   a  adolescência,  Marguerite  Duras  teve  um  caso  com  um  homem  chinês  rico  e  retorna mais tarde a este período nos seus livros  (nomeadamente  O Amante e  O Amante da China do Norte). Aos 17 anos viajou para França, onde estudou Direito e Ciência Política no Sorbonne, formando-se em 1935.
Durante a II Guerra Mundial, Marguerite Duras tomou parte da Resistência Francesa, filiando-se também no partido comunista. Publica os  primeiros livros em 1943 e 1944, Os Imprudentes e A Vida Tranquila, respectivamente. A partir de 1959 começa também a escrever argumentos para o cinema, dos quais Hiroshima meu amor é sem dúvida o mais conhecido e marcante.  Em 1950, com Uma barragem contra o Pacífico, Duras esteve muito próxima de ganhar o Prémio Goncourt. É, no entanto,  apenas trinta anos depois que a injustiça lhe é reparada, ganhando o prémio por unanimidade com o romance O Amante. É uma autora muito fértil, com uma obra literária vastíssima, desde os romances aos argumentos cinematográficos. Afirma-se sempre com um estilo de beleza inconfundível, num tom duro e denso, por vezes até um pouco inacessível, mas sempre numa expressão profundamente genuína e humana das paixões, grandezas e misérias da vida. Marguerite Duras é por excelência uma escritora da condição humana, mas contudo não procura utilizar a escrita como forma de redenção e/ou salvação; antes, a escrita é uma exigência urgente, um valor supremo em que reside, uma vontade bruta de falar de si. As suas obras estão repletas de descrições belíssimas e soberbamente envolvidas na ambiência exótica da paisagem oriental, não sem deixarem reconhecer uma intensidade angustiada e desesperada, oriunda de uma constante luta da autora com as questões do amor e da morte."
O amante da China do Norte

«É um livro.
É um filme.
É a noite.

A voz a falar aqui é a voz escrita do livro.
Uma voz cega. Sem rosto.
Muito nova.
Silenciosa.

É uma rua a direito. Iluminada por candeeiros a gás.
Empedrada, dir-se-ia. Antiga.
Ladeada por árvores gigantes.
Antiga.
Marguerite Duras

sexta-feira, 28 de março de 2025

África


África minha

A África tem isto: é enorme:
ali, nunca se fica apertado.
Mesmo quando parece que ela dorme,
há nela um grande fogo agastado!

A diferença entre ser grande e pequeno
é a mesma que entre oceano e rio:
um ruge e o outro corre ameno,
o rio, manso, o oceano, bravio.

A África não tem medo do frio,
decerto, por estar mais perto do sol:
há nela grandeza, calor e brio

e não se rende a romano ou mongol!
A África nasceu antes do resto,
aqui o digo, juro e atesto!
03.02.2023
Eugénio Lisboa, in Soneto modo de usar, Guerra & Paz Editores, Abril de 2024, p 131

 
Africa 4K - Scenic Relaxation Film With African Music
Nas palavras dos produtores deste magnifico filme "não há lugar na Terra mais selvagem, belo e intrigante do que África! Desfrute deste filme de relaxamento cénico em 4K com os incríveis países de África. Do Serengeti, na Tanzânia, às Pirâmides do Egito, África alberga alguns dos destinos mais belos, históricos e com maior vida selvagem do mundo. Este é um dos meus vídeos favoritos que já fiz e mal posso esperar para o partilhar convosco. Qual é o seu lugar favorito em África? 
Um agradecimento especial a Martin Harvey por ajudar a filmar grande parte deste vídeo, ele tem alguns dos melhores vídeos africanos ."

quinta-feira, 27 de março de 2025

Frase do dia

Frase do dia, proposta por Eugénio Lisboa
Um pensamento para esta guerra
 
More than an end to war, we want an end to the beginning of all wars, yes, an end to this brutal, inhuman and thoroughly unpractical method of settling differences between governments.
 
(Mais do que um fim da guerra, desejamos um fim do começo de todas as guerras, sim, um fim deste método brutal, inumano e nada prático de resolver diferenças entre governos.)
Franklin D. Roosevelt

Nota de LP: Esta frase foi proposta e remetida  por Eugénio Lisboa a Livres Pensantes, em 1 e Novembro de 2023. Republica-se pela validade que encerra e pela profunda argúcia que sempre regulou a visão do mundo por Eugénio Lisboa.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Leonard Cohen

Leonard Cohen
"Com a  sua singular e sempre extraordinária   voz rouca e grave, Leonard Cohen  lançou o  último álbum "You want it darker" a 21 de Outubro de 2016, pela Columbia Records , 17 dias antes da sua morte , no qual reflectia sobre a sua própria mortalidade. Nascido em Montréal a 21 de Setembro de 1934, numa família de origem judaica, Leonard Cohen teve uma infância marcada pelo morte do pai, quando tinha nove anos. Estudou Inglês na Universidade de McGill e cedo se apaixonou pela poesia de García Lorca. 
Desde os anos sessenta, foi publicando  onze livros de poemas, dois romances e dezassete álbuns musicais que fizeram dele,  um dos mais conhecidos e influentes artistas , no Canadá, nos Estados Unidos e na Europa. Muitas vezes,  foi comparado a Bob Dylan pela profundidade de suas letras. 
"Leonard Cohen foi um músico sem igual, cuja obra assombrosa e original alcançou gerações de fãs e artistas", destacou a gravadora Sony Music. 
"O seu extraordinário talento teve um impacto profundo num número incalculável de cantores e compositores e sobre a cultura em geral", afirmou a Academia dos Grammys, que concedeu em 2010 um prémio especial a Cohen pelo conjunto de sua carreira. 
Em 2011 foi o vencedor do Prémio Príncipe das Astúrias das Letras.
Cohen morreu a 7 de Novembro de 2016, aos 82 anos, em sua casa em Los Angeles.
A morte foi anunciada a 10 de Novembro. Deixou dois filhos e dois netos.
Numa entrevista concedida  à  revista New Yorker, cerca de um mês antes, Cohen disse que estava preparado para a sua morte, embora garantisse que ainda tinha livros, canções e letras para terminar."

Leonard Cohen, em  Hallelujah (Live In London). 
Hallelujah foi lançada, pela primeira vez, no álbum de estúdio de Cohen, Various Positions, em 1984 . Ao longo dos anos, foi interpretada por quase 200 artistas em várias línguas.
.  
Leonard Cohen, em  Anthem (Live in London)
 
Leonard Cohen, em   Tower Of Song (Live in London).
 
Leonard Cohen, em  Dance Me To The End Of Love (Live in London).
   
Leonard Cohen , em  Who By Fire (Live in London).
 

segunda-feira, 24 de março de 2025

Os meus romances preferidos

Os meus romances preferidos
por Luiz Ruffato
“Não sei quando começou a necessidade de fazer listas, mas posso imaginar o nosso antepassado mais remoto riscando na parede da caverna, à lua de uma tocha, signos que indicavam quanto de alimento havia sido estocado para o inverno que se aproximava ou, como somos competitivos, a relação entre os nomes da tribo e o número de caças abatidas por cada um deles.
Se formos propor uma hermenêutica acerca do tema, talvez possamos afirmar que existem dois tipos de listas: as necessárias e as inúteis, sendo que em muitos casos, dialeticamente, as necessárias tornam-se inúteis e as inúteis, necessárias. Tomemos dois exemplos. Todo mês, enumero as coisas que faltam na despensa de minha casa antes de me dirigir ao supermercado: essa lista arrolo na categoria das necessárias. Por outro lado, há pessoas que anotam as suas metas para o ano que se inicia, começar a fazer ginástica, parar de fumar, cortar em definitivo o açúcar, ser mais solidário, menos intolerante: essa, elenco na categoria das inúteis...
Feitas as compras, a lista do supermercado, necessária, torna-se então inútil. A lista contendo nossos desejos de sermos melhores para nós mesmos e para os outros, embora inútil, pois dificilmente as cumprimos, convertem-se em necessárias, porque estabelecem um vínculo com o futuro, e projectarmo-nos é uma forma de vencer a morte.
Tudo isso, para justificar o que se segue. Ninguém me perguntou, mas resolvi organizar uma lista dos melhores romances que li em minha vida – escolhi o número vinte, não por motivos místicos, mas porque talvez, pela amplitude, alinhave, mais que preferências intelectuais, uma história afectiva das minhas leituras. Enquadro-a na categoria das listas inúteis, mas quem sabe, se consultada, municie discussões, já que toda escolha é subjectiva e aleatória, ou, na melhor das hipóteses, suscite curiosidade a respeito de um título ou de um autor. Ocorresse isso, me daria por satisfeito.

Os 20 melhores romances, por ordem alfabética:
Anna Karenina, de Liev Tolstói (1828-1910) – Publicado em 1877, traça um painel da sociedade russa do século XIX. Tem a melhor frase de abertura de uma narrativa de ficção, verdadeira aula de teoria literária: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”.

Berlin Alexanderplatz, de Alfred Döblin (1878-1957) – Lançado em 1929, acompanha a trajectória do desajustado Franz Biberkopf pelas ruas de uma Berlim caótica do período entre guerras,. A vertigem de um mundo em colapso expressa-se de maneira magnífica numa narrativa que se quer, ao mesmo tempo, objectiva e subjectiva.

Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez (1927-2014) – Em 1967, o povoado de Macondo, situado num país qualquer da América Hispânica, torna-se universal. Ali, se desenvolve a saga dos Buendía, um ciclo interminável de histórias cujos protagonistas vivem no ténue limite entre real e fantástico. 

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616) – Composto por dois tomos, o primeiro lançado em 1605 e o segundo dez anos depois, trata-se da obra mais completa da história da literatura universal. Paródia dos romances de cavalaria, ilustra à perfeição o eterno embate entre racionalismo e idealismo. 

Enquanto agonizo, de William Faulkner (1897-1962) – Embora não seja a mais conhecida das obras do autor, este romance, publicado em 1930, lança luz sobre os Bundren, família pobre do sul dos Estados Unidos, que busca cumprir o último desejo da matriarca. 

Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac (1799-1850) – Lucien de Rubempré é um dos mais fascinantes personagens da literatura. Intelectual provinciano, busca firmar-se em Paris no início do século XIX. Egoísta e arrogante, mas também ingênuo, vê seus sonhos ruírem, após descartado pela mesma sociedade que o adotara. Publicado em 1837, possui seis diferentes traduções disponíveis.

Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (1839-1908) – Dedicado “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”, este romance, de 1881, marca a entrada de Machado de Assis no rol dos maiores autores da literatura universal. Cínico e sarcástico, Brás Cubas fala ao Brasil de todos os tempos. Há inúmeras edições disponíveis, das excelentes às péssimas.

Moby Dick, de Herman Melville (1819-1891) – Publicado em 1851, este verdadeiro compêndio de possibilidades narrativas possui uma dimensão épica que nos remete à própria criação do mundo – o tema ultrapassa, em muito, a perseguição da grande baleia branca pelo capitão Ahab. 

No coração das trevas, de Joseph Conrad (1857-1924) – Neste libelo anticolonialista, lançado em 1902, acompanhamos o narrador Charles Marlow penetrando no âmago da África Central em busca de um enigmático personagem chamado Kurtz. O que ele encontra é apenas o horror. 

O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) – Romance da era do jazz, publicado em 1925, mostra os bastidores da vida luxuosa da classe média endinheirada da Costa Leste dos Estados Unidos. Por trás da futilidade e da loucura, a solidão e o vazio que prenunciam a tragédia.

O leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) – Somente publicado dois anos após a morte do autor, este é o depoimento do fim de uma época, a da decadente aristocracia refinada e parasita. Tem uma das frases mais emblemáticas do exercício da política: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. 

O monte dos vendavais, de Emily Brontë (1818-1848) – O amor entre a complicada Cathy Earnshaw e o rancoroso Heathcliff ultrapassa as convenções sociais, o tempo e até mesmo a morte. Publicado em 1847, é a narrativa da paixão cega e da vingança a qualquer preço, desenvolvida nos grotões de uma Inglaterra selvagem. Disponível em pelo menos sete versões diferentes.
O mundo se despedaça, de Chinua Achebe (1930-2013) – A chegada do homem branco a uma remota área habitada pela etnia ibo, às margens do rio Níger, desestabiliza a sociedade local, de religião anímica e regras próprias. A introdução do cristianismo desintegra rapidamente algo que durava desde tempos imemoriais. A edição original é de 1958. 

O processo, de Franz Kafka (1883-1924) – Romance antecipatório da aniquilação da subjetividade, que caracterizaria o século XX. A força de sua ficção engendrou até mesmo um adjetivo, kafkiano, para designar situações absurdas. 

O vermelho e o negro, de Stendhal (1783-1842) – Egoísta e ambicioso, Julien Sorel usa, sem escrúpulos, seu charme e simpatia para galgar um lugar na exclusivista sociedade francesa pós-napoleônica, com resultados trágicos. Lançado em 1830, é um monumento do realismo psicológico. .

Oblómov, de Ivan Goncharóv (1812-1891) – Publicado em 1859, é um retrato da derrocada da sociedade russa. O aristocrata Iliá Ilitch Oblómov, incapaz de tomar qualquer atitude prática na vida, até mesmo de se levantar da cama, assiste seu mundo sucumbir à inércia e à indiferença. 

Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) – Lançado em 1879, narra a complexa relação do avaro Fiódor Karamázov com seus três filhos: Dmitri, o primogênito, e seus meio-irmãos, o intelectualizado Ivan e o místico Aleksiei. Esse romance antecipa vários temas que seriam depois discutidos pela psicanálise. 

Pedro Páramo, de Juan Rulfo (1917-1986) – “Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um certo Pedro Páramo”. Comala e Pedro Páramo, aos poucos, se fundem nesta narrativa a um só tempo realista e fantástica, construída em fragmentos aparentemente desconexos. Lançado em 1955, é editado no Brasil pela Record, com tradução de Eric Nepomuceno.


Uma Viagem sentimental,  de Laurence Sterne (1713-1768) – Publicado em 1768, é uma narrativa satírica que coloca em xeque a própria forma do romance. Inicia-se abruptamente e termina com uma vírgula, sem sequer alcançar a Itália, objectivo aparente do personagem, se levarmos a sério o título. Tem uma edição pela Antígona, com tradução de Manuel Portela.
Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1667-1745) – Numa época em que pululavam livros de naturalistas que descreviam terras desconhecidas, o autor imagina seu personagem, Lemuel Gulliver, visitando lugares improváveis, criando, assim, uma poderosa sátira sobre a sociedade europeia. Tem edição portuguesa pela Relógio D'Água, com tradução de  Luzia Maria Martins.”
Luiz Ruffato,  em artigo do Jornal   El País, de  2.12.2014

domingo, 23 de março de 2025

Ao Domingo Há Música











 









One Love, One Heart
 Let's get together and feel all right
 As it was in the beginning (One Love)
 So shall it be in the end (One Heart)
 Give thanks and praise to the Lord and I will feel all right
 One more thing!

Chegar à Jamaica  é sentir que não se está longe de África . A ilha onde tudo se compõe para nos levar,  de imediato , a qualquer lugar daquela África que nos seduz à chegada. As cores, a terra , o calor húmido dos dias de chuva e as sorridentes  gentes que enchem  as ruas de vivaz ruído , em constante  e sobrevivente labor.  É  o  trânsito pulando e seguindo em tácita desordem, para  fazer  da rotina uma aventura diária. É a  beleza luxuriante das montanhas  que rodeiam as cidades, num abraço largo de mistério . São as  frondosas florestas ,  com recônditos povoados , traçados pelas mãos laboriosas de quem lá habita .
E o mar. O mar que  se enrola e banha a costa  , em aconchego permanente,  a mimar as praias num amor declarado.  O mar de  mil telas, de um azul translúcido  em infindas gradações , que só o caribenho oceano permite . O mar que traz e leva e se perde em cada olhar.   
É assim a Jamaica.

Eis Bob Marley, o ícone da Jamaica,  que levou ao mundo a sua voz e projectou, para sempre, esta bela ilha da América Central.
Bob Marley , em No Woman, No Cry (Live At The Lyceum, London 1975) official music video.
  
 Bob Marley, em One Love (Extended) 
 
 Bob Marley  , em The Heathen (Live At The Rainbow Theatre, London  4th June/ 1977.
     

sexta-feira, 21 de março de 2025

Celebrar o Dia Mundial da Poesia

Eugénio Lisboa
O Dia Mundial da Poesia comemora-se anualmente, a 21 de Março. A data foi instituída na 30.ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1999. O objectivo é salientar a importância da poesia, enquanto manifestação artística comum a toda a Humanidade. Celebra-se também a criatividade, a pluralidade linguística e cultural e promove-se o ensino e declamação da poesia.
Neste dia  dedicado à POESIA ,  só Eugénio Lisboa ( 1930-2024), professor , crítico literário, ensaísta ,  poeta de  muito engenho e de laboriosa oficina poética, podia dar o mote a esta  tentativa de celebrar  a poesia, neste espaço. Ao longo dos anos e diariamente  até à sua morte, a 9 de Abril de 2024, brindou-nos  com a sua opípara e policromática escrita , onde o poema era rei.  É o primeiro ano da sua ausência real, mas ficará para sempre nas páginas da Literatura pela fecunda  e excelente  produção literária que legou ao mundo. 
                          
A boa poesia é aquela,
que diz muito, mesmo falando pouco,
não vá o bom poeta ficar rouco!
Eugénio Lisboa , Poemas em Tempo de Guerra,
Guerra & Paz Editores

A POESIA
por Eugénio Lisboa
“A poesia mente muito, mas diz sempre o que mais a aproxima da verdade. Sabe é dizê-lo, de um modo muito especial, que é não dizer, dizendo, enviesando e despistando. O próprio do poeta é “citar” o leitor, como se “cita” um touro. O poeta não dá respostas: abre pistas. Quem dá respostas são os padres e os charlatães. Os poetas fazem perguntas sugestivas que apontam, nunca para um só caminho, mas para vários. O não responder dos poetas aproxima-se mais da resposta do que o responder dos padres. O não responder dos poetas tem mais resposta do que o responder dos bispos. O poeta pretende que não sabe, o padre finge que sabe. Há mais saber no não responder do que no responder. Mesmo quando o poeta parece que afirma, está só a perguntar. Há mais filosofia no que diz que não sabe do que em todas as religiões somadas e muito cheias de certezas. Não saber, ter dificuldade em compreender, abre-nos mais portas para a verdade do que ter resposta para tudo. Os poetas e os homens de ciência têm, no que não sabem, promessas de tesouros que se furtarão a todas as religiões do mundo. Pensar que ainda se não sabe é a melhor alavanca para algum saber. Pensar que se sabe e que aquele é o único saber admitido convoca a tortura e a fogueira. Os poetas nunca queimaram ninguém, mas alguns deles já foram queimados. O que julga que sabe e não sabe está sempre preparado para eliminar o que quase sabe mas sabe que está ainda longe de saber. A certeza tem horror à dúvida, como antigamente se dizia que a natureza tem horror ao vazio. A dúvida faz avançar o conhecimento. A certeza barra-lhe o avanço. Como os cientistas, os poetas estão vivos e activos porque ainda não sabem: quando muito, desconfiam. Como dizia um filósofo francês, a dúvida pode ser dolorosa, mas a certeza é ridícula.”
Eugénio Lisboa, 09.11.2022

Quando vier a Primavera

Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro,
in  Poesia (Poemas Inconjuntos - Fernando Pessoa), ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p. 109

De poesia falemos

Escrevo poesia, mas não é
só de poesia que me sustento.
Às vezes, prefiro um bom café,
que me fica muito mais a contento.

Poesia, talvez, mas devagar,
com muita boa prosa pelo meio.
O poema entretém-se a emblemar
biscoito leve com pouco recheio.

Nele hesita-se entre o que se diz
e o modo singular de o dizer.
O poema é fértil em ardis,

que ao recheio dão o som que requer.
Mesmo quando o miolo não abunda,
dá-lhe o som uma ajuda fecunda.
17.06.2023
Eugénio Lisboa, ( poema inédito)
Autobiografia

Uma vida escreve-se devagar,
embora se viva muito depressa:
mal se partiu, já se está a chegar,
mesmo que, no meio, muito aconteça!

Escrevê-la é moroso e complicado:
a memória guarda mas também esquece
e, se parte fica resguardado,
o resto, ingloriamente, fenece!

Escreve-se a vida, pra vencer a morte,
para dar à vida uma outra vida,
fechando-a, enfim, num cofre forte.

No cofre guardada e não esquecida,
pensa quem escreve, mal sabendo
quanto tudo o tempo vai roendo!
                        08.12.2022
Eugénio Lisboa,in Soneto modo de usar, Guerra & Paz Editores, Abril de 2024, p105

Não Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos", Bertrand Editores

A defesa do poeta

Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.

Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
Que favor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.

Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de perdão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
A poesia é para comer.
Natália Correia, in  Poesia Completa: O sol nas noites e o luar nos dias. Lisboa: Editorial D. Quixote, 1999, pp. 330-331

Elegia múltipla V

Não posso ouvir cantar tão friamente. Cantam
sobre a minha vida.
Trouxeram a taciturna pureza das grandes noites
do mundo.
Do antigo elemento do silêncio subiu essa canção
devastadora. Ó feroz mundo puro,
ó vida incomparável. Cantam, cantam.
Abro os olhos debaixo das águas silenciosas,
e vejo que minha lembrança é mais remota
que tudo. Cantam friamente.
Não posso ouvir cantar.

Se dissessem: a tua vida é uma roseira. Vê
como bebe no anónimo da estação.
O sangue escorrega por ti, quando é a altura das rosas.
Ouve: não te maravilha
a subtileza de espinhos e folhas pequeníssimas?
─ Se dissessem alguma coisa, eu ficaria rico
de um nome extremo.
Não cantem, não floresçam.
Não posso sentir encher-se assim a vida
com uma canção fria e uma roseira
tão espalhada em mim.

Pode ser que fosse ilesa esta época do ano,
e minha existência de repente se tomasse
por todo esse fervor.
Vejo minha ardente agudeza escoar-se à maturidade
confluente
de um minuto de verão. - Estaria eu
completo para a morte?
Não, não cantem essa lembrança de tudo.
Nem roseira na sangrenta delicadeza
da carne, nem o verão com seus
símbolos de feroz plenitude.

Gostaria de pensar cada um dos meus dedos,
esta cítara descida da obra.
Toda a tristeza como uma vida admirável
enchendo a eternidade.
As frias canções despovoam-me, e as roseiras
tornam desavindas as rosas
recuadas. Ouve: na tristeza do estio enorme
alui-se-me o uno sangue.
Eu próprio poderia cantar um nome masculino,
a minha vida inteira
tão forte e impura, tão preenchida pelo quente silêncio
do que se não sabe.

Não se canta e floresce. Ninguém
amadurece no meio da sua vida.
Toca-se lentamente uma parte suspensa do corpo,
e a alta tristeza purifica os dedos.
Porque um homem não é uma canção fria ou
uma roseira. Não
é um fruto como entre folhas inspiradoras.
Um homem vive uma profunda eternidade que se fecha
sobre ele, mas onde o corpo
arde para além de qualquer símbolo, sem alma e puro
como um sacrifício antigo.

─ Por sobre frias canções e roseiras aterradoras,
minha carne ligada nutre o silêncio maravilhoso
de uma grande vida.

Pode ser que tudo esteja bem no plural
de um mundo intenso. Mas
o amor é outro poder, a carne
vive da sua absorta permanência. Esta vida
de que falo
não se escoa, não alimenta os superlativos
diários. É única
e perene sobre a escondida fluência
dos movimentos.

─ Uma roseira, mesmo
incomparável, cobre tudo com a sua distracção vermelha.
Por detrás da noite de pendidas
rosas, a carne é triste e perfeita
como um livro.
Herberto Helder, in Elegia múltipla,Poema v , Poesia toda , Assírio & Alvim,1996
Prólogo

Do outono que termina
nenhuma coisa é perto.
Cada uma culmina
em tudo ser aberto

e claro movimento
sem uma qualquer história.
Que ser no pensamento
é obra sem memória.

Ou, se memória fosse,
da longa caminhada
guardaria o que trouxe

- a paz de ser pensada
e uma mágoa doce
de outono e de mais nada.
Aonde formos iremos
pensando esta luz que passa.
Esta luz que, agora, vemos
molhada além da vidraça

mas que, pensada, ilumina
outro rio e outra rua
e muda mesmo à retina
o modo de se ver sua.

Sem que, por isso, no rio
mude, ou na rua, o passar.
Tudo segue o mesmo fio

em retina igual. Só o ar
tem um contorno mais frio
na margem de ver passar.
Fernando Echevarría, in  Introdução à Filosofia, Edições Nova Renascença, Porto
1981

Eu ontem vi-te...

Eu ontem vi-te...
ndava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno a mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse,
Fulgor assim.
Ângelo de Lima, in Poesias Completas, Editorial Inova ,1971

Poema do Natal

PARA ISSO fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos ─
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.


Assim será a nossa vida
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos ─
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai ─
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação na poesia
Para ver a face da morte ─
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem: da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes, in O poeta apresenta o poeta, Cadernos de Poesia, Publicações Dom Quixote 1969


Morrer de amor

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso
Maria Teresa Horta, in Destino , Livro I , Quetzal Editores , Abril de 1998

.
Teus Olhos

Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária
Octavio Paz, in Liberdade sob a Palavra (1949)
Beira-mar

Tudo abeirou minha infância
beira do rio, beira-mar,
orla branca de esperança
no leste do meu olhar.

Meu batelão emborcado
à beira de me afogar,
eu sobre a ponte abeirado
puxando minhas puçás.

Beirando todas as rotas,
nas asas das gaivotas
meus olhos cruzavam o mar;

sonhava à beira do caís
com um barco, nada mais,
e eu no mundo a navegar.

Curitiba, Novembro de 2004
Manoel de Andrade, in Cantares, Poemas, Editora Escrituras, São Paulo , Brasil, 2007, p.44

O teu tesouro

Além, muito além desta paisagem,
numa realidade apenas pressentida
compreenderás ao fim dessa viagem
de onde vens e pra onde vais, na vida.

No torvelinho incessante dos destinos
cada um com seu papel nessa ribalta
semeando a ventura ou os desatinos
colherás o que te sobra ou que te falta.

Viandante dos caminhos milenares
aprendeste na decepção e nos pesares
que “nem tudo o que reluz é ouro”.

Guarda-te pois das ciladas da ilusão
porque “aonde estiver teu coração,
ali estará também o teu tesouro.
Manoel de Andrade, poesia
 
 Sebastião da Gama (1924-1952). “Poesia”(2.02.1945) in «Serra-Mãe», 1945
Dito por Carmen Dolores, no CD «Poemas da Minha Vida», Dito e Feito, 2003

Poesia

Ai deixa, deixa lá que a Poesia
no perfume das flores, no quebrar
das ondas pela praia,
na alegria
das crianças que riem sem porquê
— deixa-a lá que se exprima, a Poesia.

Fica sentado aí onde estás, Poeta,
e não mexas os lábios nem os braços:
deixa-a viver em si;
não tentes segurá-la nos teus braços,
não pretendas vesti-la com palavras...

Se a queres ter,
se a queres sempre ver pairando à flor das coisas, fica aí
no teu cantinho, e nem respires, Poeta, e não te bulas,
p'ra que ela não dê por ti.

Não a faças fugir, toda assustada
com a tua presença...
Deixa-a, nua, pairando à flor das coisas,
que ela não sabe que a viste,
nem sabe que está nua,
nem sequer sabe que existe..