quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dez sonetos inspiradores


"Dando sequência a série de poemas inspiradores, publico nesta edição uma selecção de 10 sonetos sugeridos por leitores. Embora o critério para a escolha tenha sido meramente pessoal e sem qualquer preocupação formal, os poemas seleccionados contemplam períodos, movimentos e autores distintos, cobrindo um itinerário poético de cinco séculos. Seja pelos viés filosófico, pelo lirismo comedido ou acentuado, pelo grito de paz ou de protesto, pela crença ou pela descrença — os poemas seleccionados conseguiram falar directamente aos leitores. E bons ou ruins, trazem em comum o facto de tê-los inspirado." Carlos William Leite, em 08/11/2012, Revista Bula, Brasil

Guilherme de Almeida
Barcos de papel

Quando a chuva cessava e um vento fino
Franzia a tarde tímida e lavada,
Eu saía a brincar, pela calçada,
Nos meus tempos felizes de menino

Fazia, de papel, toda uma armada;
E, estendendo o meu braço pequenino,
Eu soltava os barquinhos, sem destino,
Ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Que não são barcos de ouro os meus ideais:
São feitos de papel, são como aqueles,

Perfeitamente, exactamente iguais...
— Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

Olavo Bilac
Deixa que o olhar...

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afecto que sentes, se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Desse amor, que minh`alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo.

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

Olavo Bilac
Via Láctea

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um palio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”


Vinícius de Moraes
Soneto da fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Luís Vaz de Camões
Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Pablo Neruda
Nua

NUA és tão simples como uma de tuas mãos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tens linhas de lua, caminhos de maçã,
nua és magra como o trigo nu.

Nua és azul como a noite em Cuba,
tens trepadeiras e estrelas no pelo,
nua és enorme e amarela
como o verão numa igreja de ouro.

Nua és pequena como uma de tuas unhas,
curva, subtil, rosada até que nasça o dia
e te metes no subterrâneo do mundo

como num longo túnel de trajes e trabalhos:
tua claridade se apaga, se veste, se desfolha
e outra vez volta a ser uma mão nua.

Augusto dos Anjos
Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Mario Quintana
A rua dos cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trémula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Raimundo Correia
As pombas

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

Florbela Espanca
Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”

terça-feira, 30 de agosto de 2016

A saudade é tudo ser igual

Explicação da Ausência

 Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
 Não rodou mais para a festa não irrompeu
 Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
 A mudança fez-se vazio repetido
 E o a vir a mesma afirmação da falta.
 Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
 Nem se cumpriu
 E a espera é não acontecer — fosse abertura —
 E a saudade é tudo ser igual.

Daniel Faria, in "Explicação das Árvores e de Outros Animais". 1ª Edição: Porto: Fundação Manuel Leão, 1998.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Solitude

Dianne Reeves,  em " Solitude", canção extraída da banda sonora do filme Good Night, and Good Luck

'Washbrain'

Mas guerra, guerra, qual guerra?
"Eu avançava dentro de mim. Via o mundo em guerra e desconhecia o que era a guerra, excepto na indigestão de guerras que estudava nos livros de História. Tudo guerras, as páginas e páginas de compêndios que me obrigavam a engolir relatavam umas com cem anos, outras com trinta, batalhas, cercos, tratados, pilhagens, nomes de heróis, e finalmente vinha a paz. Eu assistia pela primeira vez na vida, cá de longe, aos reflexos da guerra, coisa que se passava para lá dos Pirenéus, em avançadas, em destruições totais, carnificinas de aldeias, cidades, um mundo que me chegava nas primeiras páginas dos jornais, no noticiário que relatava as campanhas pelos vários campos da Europa. Ia aprendendo geografia. Um vazio enorme apoderava-se de mim no momento preciso em que escalava a ladeira dos anos. O pneu furado deixava sair tudo o que de bom e mau lá tinha dentro. Aquilo a que mais tarde chamariam um 'washbrain'. Esvaziara-me o esforço desconexo de tanto exame e de tanto trânsito para ser homem. Nunca pensei o que era ser homem, desconhecia que um homem só é digno quando aceita as consequências das suas acções, desconhecia os esforços empregados para se fingir que se mantém um zelo permanente pelas instituições. E tal a inconsciência do nosso estado de espírito, que estou a ver o actor António Silva, em representação no teatro Variedades, pleno de guerra, notícias aterradoras, ele, no meio da confusão do palco, em que toda a gente perguntava as últimas notícias, onde se relatavam casos que só podiam ser salvos pela Cruz Vermelha. No encontro dessas conversas, o António Silva, como vindo das cavernas, olha para aqueles tipos que discutiam e, muito admirado, diz: "Mas guerra, guerra, qual guerra?"
Ruben A., «O Mundo à Minha Procura», vol. II, Assírio & Alvim, p.121

domingo, 28 de agosto de 2016

Ao Domingo Há Música

Há uma música do povo,
Nem sei dizer se é um fado —
Que ouvindo-a há um chiste novo
No ser que tenho guardado...


Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...
Fernando Pessoa

A Musica, um património  que seduz   e que deleita quem o escuta. Não é de ninguém mas de todos nós, amantes de Música. Ouvindo-o sabemos que tem guardado algumas das melodias que nos fizeram, que nos acompanharam, que nos viram chorar , que nos  levaram a sorrir, que nos permitiram sonhar. Deram-nos momentos inesquecíveis de emoção vivida, de ternura sentida, de dor sofrida , de alegria explodida. Partilharam o silêncio do pensamento, trouxeram harmonia às horas de inquietude, foram fundo dos dias de sossego.
A Música ,  ouvindo-a somos quem seríamos... E há uma música do povo que exige ser ouvida. Ei-la , cantada em português , por três grandes vozes femininas.

O que trago dentro de mim preciso revelar . Assim começa a canção e assim se revela o prazer de apresentar Carminho e Hamilton de Holanda, em Nasci Para Sonhar E Cantar.




Maria Bethania e Chico Cesar, em Onde Estará O Meu Amor .



Mariza, em Há uma música do povo.

sábado, 27 de agosto de 2016

Um mundo com Shakespeare é diferente

Shakespeare
«Para lá do organizado, do metódico, das horas certas, dos acontecimentos de calendário, das festas com os primos dos primos dos primos de um nobre, estava o verdadeiro valor universal do Inglês, esse, ele sabia da sua existência, era-lhe dado todos os dias por Shakespeare. Quis conhecer esse fenómeno, sabia de umas peças que tinha escrito, 'Hamlet' e "Macbeth' para ilustrar, mas o resto não chegava muito além das fronteiras, talvez umas comédias para chorar no irreal quotidiano. Sem Shakespeare eu não podia meter o dente na Inglaterra, menos ainda na humanidade. Comecei à cata, devorando jornais, indo aos sítios mais espantosos para o ver no palco. Lembro-me dos tempos heróicos de Campden Town onde o actor Donald Wolfit deve ter dado umas vinte peças, representando sempre os principais papéis - seu Rei Lear arrebatou-me, fisgou-me no mundo que eu procurava. O final, com Cordélia nos braços, atingiu o sublime, arrasou-me, fui ao camarim para o abraçar. Precisamente para isto que eu emigrara, encontrava-me certo, encontrava o que queria. Estava feliz, a felicidade do contentamento, do homem que realiza em si uma obra de arte, efémera, mas verdadeira escultura que permanece. Lear actuava no mundo, a mensagem presente, o domínio da tragédia sem mácula. Por detrás da organização aparente dos Ingleses, vivia o caos da humanidade, o grito de sobrevivência, o andar para a frente nos domínios infinitos de um dia a dia que, à vista desarmada, era chocho, chato, insonso, mal condimentado, cerveja quente sem tempero, na decadência. Um mundo que tem o Shakespeare nunca está na decadência, esta a verdade que os meus conterrâneos vedavam no seu panorama míope. O Shakespeare puxava outros lá para longe, para fora do âmbito do jornal, das partidas e chegadas, das sessões solenes, da energia ociosa. Quem não tem um Shylock na família? Quem não tem um Iago? Quem não tem um Bruto? Quem não tem um Banquo? Quem não tem um Romeu?»
Ruben A., «O Mundo à Minha Procura», vol. III, Assírio & Alvim, p.165,166

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Correspondência de José Régio com Eugénio Lisboa


José Régio
Imprensa Nacional publica correspondência de José Régio com ensaísta Eugénio Lisboa
"A correspondência de José Régio com o ensaísta Eugénio Lisboa é publicada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM), no âmbito do projecto de publicação da Obra Completa do autor de "Cântico Negro".
A obra, explica numa nota editorial o investigador Filipe Delfim Santos, organizador deste volume, reúne "40 espécies epistolares de José Régio (1901-1969) para Eugénio Lisboa", actualmente com 86 anos, que doou o seu espólio à Biblioteca Nacional de Portugal, e do qual fazem parte "39 cartas manuscritas por José Régio, que abrangem o período de 1955 a 1969, algumas contendo desenhos".
A 40.ª peça é um telegrama que é aliás mencionado por Régio numa das suas cartas, referindo Delfim Santos a possibilidade de "extravio" ou ainda não encontradas algumas missivas que os dois homens de letras trocaram.” Lusa,24.08.2016
Eugénio Lisboa
Correspondência com Eugénio Lisboa
"Correspondência com Eugénio Lisboa exibe, sob a forma epistolar, a distinta amizade que uniu José Régio e Eugénio Lisboa sendo por inerência um exercício reflexivo sobre os grandes valores da vida, sobre a literatura e o seu processo de criação e, citando Eugénio Lisboa, sobre o «difícil equilíbrio entre o sonho e a disciplina necessária à construção de uma obra.»
Com edição de Filipe Delfim Santos este livro conta também com um prólogo de Eugénio Lisboa que contextualiza a história, a amizade, o tempo e o homem.
«É esse acervo de cartas suas, a que junto as que lhe escrevi, que hoje aqui se fixa em livro, por me parecer de interesse humano e literário. Nele, Régio dá eminente testemunho da sua integridade, frontalidade, inteligência e sensibilidade.» Eugénio Lisboa.

Observações: COORDENAÇÃO: com edição de Filipe Delfim Santos e prólogo de Eugénio Lisboa

Música , Teatro e Eventos culturais

Música
Orquestra XXI


Recomeço da Gulbenkian Música
Setembro traz de volta a música ao Grande Auditório com o recomeço da Gulbenkian Música. À semelhança do ano passado, o primeiro concerto, no dia 4 de Setembro, fica a cargo da Orquestra XXI, formada por músicos portugueses a estudar ou a tocar no estrangeiro e liderada por Dinis Sousa. O projecto foi vencedor do prémio Faz-Ideias de Origem Portuguesa
Saiba mais


Exposições
António Ole
A partir de 17 de Setembro
Museu Calouste Gulbenkian - Colecção Moderna
Luanda, Los Angeles, Lisboa é o título da exposição que a Colecção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian apresenta a partir de 17 de Setembro. Nascido em Luanda, cidade que muito influenciou o seu percurso artístico, António Ole assume também a importância de Los Angeles e Lisboa na concepção das suas obras. Esta exposição apresenta pintura, desenho, escultura, colagem, instalação, fotografia e filmes produzidos ao longo de várias décadas.


I Festival de Contos do Mundo
Quando em Beja cabem todas as palavras do mundo | Quando as palavras chegam a Beja vindas de toda a parte
Mais de trinta artistas, músicos e contadores de histórias, de dez nacionalidades, estarão em Beja entre os dias 24 e 28 de agosto, numa programação dedicada à arte de contar histórias que invade a cidade e arredores. Mais de cinquenta sessões de contos, espetáculos de teatro e de música ao longo de cinco dias bem preenchidos.
Na primeira edição O Festival de Contos do Mundo terá o coração no Jardim Público e no Centro Histórico, desdobrando-se pelas freguesias rurais – com os Contos d’Ir Ò Fresco – e levando ainda os contos a lares e centros de dia.
O Festival traz, pela mão de contadores de histórias, artistas e músicos do mundo, palavras e sonoridades que nos surpreendem pela semelhança ou pela diferença, que nos falam de outros lugares e de outros sonhos nos quais somos capazes de nos rever na diversidade. São imaginários que nos chegam de Portugal, de Espanha, de Itália, de Marrocos, do Mali, de São Tomé, de Cuba, da Argentina, do Brasil e do Japão e que prometem
Entre muitas outras atividades, a programação propõe, nos fins de tarde, sessões de contos e espetáculos dirigidos a públicos de todas as idades pelas sombras e recantos do Jardim Público. Entre uma atividade e outra, é possível visitar as instalações/exposições e o Mercado Andarilho, com artesãos e livreiros.
Para as noites frescas do festival, a programação propõe a cumplicidade das sessões de contos passadas na companhia dos contadores de histórias que chegam de toda a parte. Entre as muitas sessões que nos vão aconchegar durante as noites do festival, destacam-se: as palavras de Manuel Garrido e a música da kora de Ibrahim Diabaté, que nos trazem uma grande epopeia mandinga na noite do dia 24; o passeio do Coro dos Sonhadores – desde o Castelo até o Jardim Público onde terminaremos a noite de 25 em roda com Estes contos que nos unem; as histórias berberes de Mohamed M. Hammu; a delicadeza das histórias com objetos do espanhol Rodorín na noite de 26; o encontro das tradições portuguesa, brasileira, cubana, são tomense e japonesa pela mão de Vitor Fernandes, António Fontinha, José Mauro Brant, Cláudia Fonseca, Corália Rodriguez, Ângelo Torres e Yoshi Hioki, a partir de 24 de Agosto.
A programação propõe ainda experiências artísticas que cruzam muitas linguagens e olhares como é o caso de Pasta e Basta – Um mambo italiano, espetáculo de Giacomo Scalisi e em co-criação com Miguel Fragata e Afonso Cruz que se apresenta nos dias 25, 26 e 27 e que estreia em Beja, no dia 28, uma versão para os mais novos, numa sessão especial para crianças a partir dos 3 anos.
As apresentações de livros, de projetos, os espetáculos de poesia, as pequenas exposições e instalações convidam a circular entre o Teatro Pax Julia, a Biblioteca e o Jardim, na procura destas vozes e destas histórias.
O Festival de Contos do Mundo encerra a 28 de Agosto com duas vozes de forte identidade: as histórias de Jorge Serafim e as músicas de Celina da Piedade, num serão de domingo, já quase a cheirar a fim de férias, mas remoçados com tantas vozes, histórias e sonoridades.
Uma iniciativa da Câmara Municipal de Beja co-financiada pelo Alentejo 2020 através do FEDER.
Datas: de 24 a 28 de agosto.
Locais: Jardim Público, Teatro Pax Julia e outros espaços da cidade.
Organização: Câmara Municipal de Beja.
Co-Financiamento: Alentejo 2020 | FEDER

EUROPA, EUROPA! TEATRO & JANTAR EM SINTRA
O FUTURO DA EUROPA NUMA QUINTA RENASCENTISTA DO SÉCULO XVI
Europa, Europa!, de Miguel Real e Filomena Oliveira, é um espectáculo de teatro com componente multimédia e legendas em inglês
Estreia dia 02 de Setembro 2016 na Quinta da Ribafria em Sintra pela ÉTER – PRODUÇÃO CULTURAL, em parceria com a Câmara Municipal de Sintra.
INFORMAÇÕES GERAIS
Datas de Apresentação do Espectáculo: 2, 3, 4, 9, 10 e 11 de Setembro, às 21:30
Local: Quinta da Ribafria – Estrada da Várzea, 2710-403 – SINTRA
Preço de Entrada: 12,00€
Desconto 2€: Menores de 18, maiores de 65, Grupos de 10 ou pessoas.
Bilheteira: Sob Reserva, através de 929 130 721 e book@virtualeter.com
Pré-venda Online: Ticketline, Odisseias, Lifecooler
No Local, abre às 20h00
Datas Do Jantar Solidário: 2,3,9,10 de Setembro, às 20h00
Valor do Jantar: 8,00€ (este valor reverte a favor da Campanha NO NA VIVI que apoia o desenvolvimento de 10 Jardins de Infância na Guiné Bissau).
Jantar apenas sob reserva através do telefone 929 130 721 e do email book@virtualeter.com
Transporte Gratuito sob reserva e conforme disponibilidade, através do telefone 929 130 721 e do email book@virtualeter.com

BREVE SINOPSE - Onde vais? Quem és tu? Que futuro, Europa?
Um casal com um bebé, vindo de um país em guerra, viaja num barco pneumático rumo à Europa. Em simultâneo vivem-se situações reveladoras do estado atual da sociedade europeia.
Atores, imagens vídeo, música, orgânica sonora e luz criam, numa quinta renascentista do século XVI, uma visão da Europa no tempo presente. Inspirado nos 12 trabalhos de Hércules, 12 são os desafios que se colocam hoje à Europa para sobreviver como civilização.

APRESENTAÇÃO
Europa, Europa! explora esteticamente o actual estado civilizacional da Europa, com base na unidade dramaturgica do mito grego dos 12 trabalhos que Hércules teve de vencer para conquistar a imortalidade. Assim, também a Europa (representada por uma jovem com o nome "Europa") terá de vencer os seus pecados civilizacionais (riqueza financeira especulativa, perversão ambiental, violência urbana de origem étnica ou religiosa, individualismo feroz, consumismo, ausência de valores éticos firmes, tecnocracia impiedosa ou domínio desumano da tecnologia, desigualdades sociais, ausência de recursos naturais...) para conseguir a construção de uma unidade europeia futura realizável, porventura a maior das utopias do século XXI. Ou seja, uma nova Europa segundo o horizonte de uma sociedade assente nos direitos humanos, nos direitos ambientais e na dignidade da pessoa humana e, à semelhança do passado, como o grande continente da inquietação filosófica, da investigação científica e da criação estética.
Para informações adicionais consultar
etercultural.com
Para mais informações contacte
ÉTER
Av. dos Bombeiros Voluntários, 39
2705-180 COLARES
T. 929 130 721
E. book@virtualeter.com

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Um novo Planeta, o outro futuro da Terra

"Tudo indica que a estrela mais próxima do sistema solar tem um planeta com condições para albergar vida. Nas próximas décadas, o planeta Próxima b será um objecto aliciante para a astronomia.Há boas razões para se imaginar que o brilho vermelho da estrela Próxima do Centauro está a iluminar vida, a meros 4,2 anos-luz. Uma equipa internacional de astrofísicos descobriu um candidato a planeta que gira pertíssimo daquela estrela, a mais próxima do nosso sistema solar. E não é um planeta qualquer. O Próxima b — o nome que lhe foi dado — é rochoso e o seu tamanho é semelhante ao da Terra: tem 1,3 vezes a massa do nosso planeta. Apesar de estar colado à Próxima do Centauro, uma anã-vermelha com 12% da massa do nosso Sol e muito pouco energética, a parca radiação que atinge o planeta torna possível a existência de água líquida à sua superfície, caso haja atmosfera, explica um artigo publicado hoje na revista Nature.
Há ainda muitos “ses” sobre o Próxima b, é necessário inclusivamente confirmar se o planeta realmente existe. Mas por estar tão perto de nós e por ter condições tão semelhantes às do nosso mundo, esta nova Terra acaba de subir para o primeiro lugar dos exoplanetas promissores para a procura de vida fora do nosso sistema solar.
“É um planeta do tipo da Terra”, resumiu Ansgar Reiners, da Universidade de Göttingen, na Alemanha, e um dos 31 autores do artigo científico. “Provavelmente tem atmosfera e alguma água líquida”, explicou o astrofísico numa conferência de imprensa telefónica organizada pela própria Nature.
Por ser tão pequena, a Próxima do Centauro não se consegue observar à noite, a olho nu. É necessário um telescópio. No entanto, o astro poderá estar ligado ao sistema estelar binário da Alfa do Centauro A e B, a 4,3 anos-luz de nós. Estas duas estrelas, uma maior do que o Sol, a outra mais pequena (mas ainda assim bastante maior do que a Próxima do Centauro), giram em torno uma da outra. Por sua vez, a Próxima do Centauro poderá estar a viajar lentamente à volta deste sistema binário, ainda que não haja certezas.


Ilustração do planeta Próxima b M. Kornmesser/ESO
Já há algum tempo que se estuda a possível existência de um planeta em torno daquela anã-vermelha. “As observações iniciais do planeta foram feitas há mais de 15 anos, em Março de 2000. A primeira vez que submetemos um artigo sobre o planeta foi em Fevereiro de 2013”, revela Hugh Jones, da Universidade de Hertfordshire, em Hatfield, no Reino Unido, também autor do artigo (citado num comunicado da Universidade Queen Mary de Londres). “O meu colega Mikko Tuomi [outro dos autores] tinha encontrado uma ‘pegada’ do planeta em informação arquivada [sobre a estrela] que tinha sido obtida antes de 2009. Mas não tínhamos provas suficientes que fundamentassem uma descoberta tão importante.”
Por isso, foi necessária uma campanha científica para tentar confirmar a existência do Próxima b. O estudo utilizou o efeito de Doppler — um efeito que se observa facilmente na Terra com as ondas sonoras. O exemplo clássico é o da sirene de um comboio a passar por nós numa estação. À medida que o comboio se aproxima e emite o som, as ondas sonoras chegam à estação a uma frequência maior. Depois, quando o comboio se afasta, a frequência das ondas vai-se espaçando. Isto resulta num som mais agudo quando o comboio vem em direcção a nós e mais grave quando se afasta.
Nas estrelas, a detecção deste fenómeno em relação às ondas electromagnéticas pode indicar a presença de planetas. Apesar de as estrelas serem muito maiores do que os planetas, influenciando-os com a força da gravidade, os planetas também têm um efeito gravítico nas estrelas consoante o seu tamanho e a sua distância. Esse efeito faz com que a estrela oscile ligeiramente.
Em relação à Terra, esta oscilação de estrelas distantes significa que essas elas estão continuamente a aproximar-se e a distanciar-se do nosso planeta. Na escala do cosmos, este movimento é minúsculo. Mas um bom telescópio consegue detectar uma diferença na luz que recebe dessas estrelas quando elas se aproximam e se afastam. Tal como o som proveniente do comboio, quando uma estrela se aproxima a frequência das ondas electromagnéticas é maior e o telescópio detecta luz mais próxima do comprimento de onda do azul. Quando a estrela se afasta, a frequência das ondas é mais espaçada, e a luz que chega ao telescópio está mais próxima do vermelho.
Fizeram-se estas observações na primeira metade de 2016 usando um telescópio instalado no deserto do Atacama, no Chile, e que pertence ao Observatório Europeu do Sul (ESO). “Estava sempre a confirmar a consistência do sinal a cada uma das 60 noites da campanha”, lembra Guillem Anglada-Escudé, da Universidade Queen Mary de Londres, outro dos autores do artigo. “Os primeiros dez dias foram prometedores, os primeiros 20 dias foram consistentes com as expectativas, e ao 30º dia bastante definitivos”, diz, citado num comunicado do ESO.
As observações indicavam a existência de um planeta com 1,3 massas da Terra, a cerca de 7,5 milhões de quilómetros da Próxima do Centauro (quase oito vezes mais perto da sua estrela do que Mercúrio do Sol) e que dá uma volta à estrela a cada 11,2 dias. Por estar tão perto da estrela, deverá ter sempre a mesma face virada para a Próxima do Centauro.

O problema das anãs-vermelhas

Os cientistas fizeram várias análises para confirmar que as oscilações da estrela não eram causadas pela sua actividade. As anãs-vermelhas são muito activas, e as manchas solares que surgem à superfície poderiam estar a originar um sinal que se confundiria com o efeito de Doppler. “Assim que se confirmou que as oscilações não foram causadas por manchas solares soubemos que tinha de ser um planeta a orbitar na região [à volta daquela estrela] onde a água pode existir”, diz por sua vez John Barnes, da Universidade Aberta, no Reino Unido. “Se investigação futura concluir que as condições da sua atmosfera são apropriadas para o planeta ter vida, esta é uma das mais importantes descobertas científicas que teremos feito.”
Mas Nuno Santos, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, do pólo no Porto, pede ponderação. “Parece-me que há efectivamente um sinal”, comenta ao PÚBLICO o astrofísico que tem descoberto muitos exoplanetas mas não está ligado a este estudo. “Não temos uma detecção directa do planeta. Ainda há alguma probabilidade de os autores terem sido enganados pela estrela.”
“Há muitos detalhes sobre estas anãs-vermelhas que não compreendemos muito bem. Há vários casos na literatura científica de sinais que pareciam ser planetas mas depois não o eram”, explica, adiantando que espera que outras equipas de astrofísicos analisem os dados publicados sobre o Próxima b para confirmar a sua existência. Caso assim seja, então “a descoberta será certamente um marco”, sublinha Nuno Santos. “Já descobrimos outros exoplanetas com massas semelhantes à da Terra, mas não estão na zona habitável.”
A equipa do novo estudo tentou ainda calcular a probabilidade de o planeta ter atmosfera e água líquida. Isto dependerá de vários aspectos como o local de formação do planeta no sistema solar ou a actividade da estrela ao longo da sua vida. Segundo os cientistas, se aquela anã-vermelha esteve muito activa no início da sua vida (a estrela terá cerca de 5000 milhões de anos) e o planeta se formou no local onde se encontra agora, então uma eventual atmosfera foi rapidamente varrida pela radiação energética da Próxima do Centauro e o planeta hoje será uma rocha seca.
Porém, se o planeta se formou num local mais longínquo do seu sistema estelar e, posteriormente, migrou para a região que hoje habita, então poderá ter atmosfera e água. De acordo com os modelos dos cientistas, “há uma probabilidade diferente de zero de haver atmosfera”, diz Ansgar Reiners. Nesse caso, as temperaturas à sua superfície variarão entre os 30 graus Celsius positivos no lado iluminado e os 30 negativos no lado escuro.
O futuro poderá ajudar a esclarecer todas estas questões. “Estão a ser desenvolvidos novos instrumentos que irão melhorar as observações”, salienta ainda Nuno Santos. Poderá ser possível não só analisar a atmosfera do planeta, como até obter imagens do Próxima b.
Mas, por enquanto, resta-nos sonhar com este lugar, com o seu sol vermelho no horizonte e a possibilidade de o nosso pequeno canto do Universo estar povoado de vida." Nicolau Ferreira, em artigo publicado no jornal Publico, em 24.08.2016

Leia mais: - Earth-sized planet around nearby star is astronomy dream come true

Confirmado: Foi descoberta uma possível 'segunda Terra'

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Estas luzes do fim de Agosto

Estas luzes
“Estas luzes do fim de Agosto deitam sombras insuportáveis sobre o futuro próximo
Às vezes é preciso ser-se críptico para se ser entendido. A simplicidade é bonita mas esconde muito. Os nossos olhos não são como máquinas fotográficas, nem microscópios ou telescópios: apanham tudo sem saber o que seleccionar. Estão sempre acesos. O fogo de ver é existir.
É como os crepúsculos de Agosto: estas luzes, que discutem infinitamente a superioridade das cores-de-rosa sobre as cores-de-laranja, nunca mais acabam, graças a Deus. A festa festeja-se quando começam.
Olho para estes céus e sou incapaz de transcrevê-los, tal é o pasmo. As palavras e o escrever parecem grosseiras ao pé de tal acontecer. São tão tardias que apetece desistir delas. A beleza, tradicional e previsível, também se define através da incapacidade de falar acerca das coisas verdadeiramente belas.
Estas luzes do fim de Agosto deitam sombras insuportáveis sobre o futuro próximo, necessariamente pior, e o passado que nunca conseguimos ultrapassar, por lá permanecermos, incapazes de conceber que poderíamos melhorar.
Antes da última semana de Agosto os corações portugueses começam a arder quando mais esperavam apagar-se. As luzes destes céus são tão violentas que nos obrigam a abdicar de qualquer opinião acerca delas.
Estas luzes que agora chegam, no fim de Agosto, vêm avisar-nos que devemos ser mais claros. Já que nunca poderemos ser salvos, vale mais perdermo-nos com a glória de nos termos sacrificado pela felicidade.
É com a maior felicidade que morremos — e nascemos outra vez.”

Miguel Esteves Cardoso, em Crónica publicada no jornal Publico, 20/08/2016 - 01:36

terça-feira, 23 de agosto de 2016

O Tango está de luto

Morreu o Maestro Horacio Salgán
Tinha 100 anos.Nasceu em Buenos Aires, Argentina, a 15 de Junho de 1916. Faleceu a 19 de Agosto de 2016. Foi um dos grandes compositores da Argentina cujo talento se espalhou pelo mundo. Pianista, maestro e perfeccionista fez uma brilhante carreira , conjugando a tradição com uma constante renovação do Tango.
Deixou uma obra vasta e rica de ritmo e de modernidade.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Há dias

Há dias que são diferentes. Não porque nasçam com qualquer singularidade  importante.  Apenas são diferentes. Trazem lembranças de um tempo inaugural. Quando a vida  fez o  primeiro ensaio  para uma longevidade que chega até hoje. Um percurso que se inaugurou num pequeno caminho que foi desembocando nesta estrada que há muito não é rectilínea. Ramificada e com inúmeras bifurcações, foi labiríntica e acidentada em muitos troços do seu traçado.
Percorreu-a . E a surpresa  e o espanto premiou-a . Viu mundos. Descobriu horizontes. Soltou assombros. Colheu sorrisos. Encheu-se de pranto nos dias de angústia dorida.
Fez-se gente. Inteira. Nem sempre de pé. Tropeçando, arrastando-se, erguendo-se  , mas andando. 
Há dias que são apenas dias. Este é o meu dia. 
Bem vindo sejas. 

domingo, 21 de agosto de 2016

Ao Domingo Há Música

                            
                                   Que música escutas tão atentamente
                                   que não dás por mim?
                                  Que bosque, ou rio, ou mar?
                                  Ou é dentro de ti 
                                  que tudo canta ainda?
                                               Eugénio de Andrade

Quando se fala em gostar , pretende-se dizer que fomos tocados por. Gostar de música é apenas deixar-se tocar. Podemos ser tocados pela melodia,  pela sonoridade, pelos acordes ou  por uma voz, além de tantas outras circunstâncias . Por vezes , a harmonia está na magia que ressalta da  peça. É a obra, a sinfonia ou a  canção que nos prende , que nos encanta, que deleita no seu todo magnificente.
Quando  se descobre uma voz , a melodia apaga-se. É ela que nos toca. Sobrepõe-se a tudo que  a rodeia. Aconteceu com Lizz Wright.
Eis Lizz Wright and Band , em  Blue Rose.



A magnífica voz de Lizz Wright, em Coming Home do Álbum The Orchard (2008)



Lizz Wright , em Leave Me Standing Alone



Lizz Wright, em Wake Up, Little Sparrow, do Álbum Dreaming Wide Awake


sábado, 20 de agosto de 2016

DiVersos

DiVersos. Fazem 20 anos os cadernos brancos com poesia de todo o mundo
Por Diogo Vaz Pinto
"Exclusivamente dedicada à poesia, a DiVersos é uma publicação solitária no nosso panorama e bastante ignorada. Entrevistámos o seu editor, José Carlos Costa Marques.
Cumprem-se duas décadas desde que surgiu o primeiro dos cadernos brancos que compõem a série DiVersos – Poesia e Tradução. Iniciada em 1996, então na linha dos fanzines, uma publicação despojada, de poucas páginas, que teve o momento de incepção numa proposta feita pelo poeta e tradutor Manuel Resende a três colegas – Carlos Leite, Jorge Vilhena Mesquita e José Carlos Costa Marques – quando viviam fora do país e trabalhavam numa instituição europeia. Nas páginas que não pararam de ganhar volume tem-se produzido uma reunião de centenas de poetas, boa parte deles chegados das mais variadas línguas e tradições, vertidos para a nossa língua no trançar de uma corda que se mantém firme pela colaboração generosa de tantos leitores que quiseram partilhar o fruto da sua garimpagem.
Na hora em que a mesa parece realmente sonhar com a superfície do mundo inteiro, neste que é o mais persistente esforço de divulgação de poesia entre nós, as fronteiras e o próprio tempo são abolidos discretamente, criando uma versão o mais despretensiosa possível do eco que as épocas legam umas às outras. Mortos e vivos numa vizinhança casual, como retratos na vertigem serena do corredor de uma casa onde estranhos se familiarizaram. Autores clássicos e contemporâneos, os versos de estreantes ao lado dos de autores consagrados, e isto sem que nas páginas da revista DiVersos se pressinta qualquer acento hierárquico. Num tempo em que os colectivos tendem a encenar fórmulas feudais de promoção de certos nomes mais do que escolas ou estéticas, a DiVersos parece recusar as daninhas tentativas de afirmação, e prossegue com a abertura dos seus critérios a simples missão de divulgar poesia num tempo que não quer nada com ela. Fomos falar com o editor da revista, José Carlos Costa Marques, numa entrevista realizada por e-mail.

Do que mais se orgulha depois de duas décadas a editar aquela que será hoje a mais antiga revista portuguesa dedicada inteiramente à poesia?
Não creio que tenha um sentimento de orgulho em relação à DiVersos. Estou ciente dos seus méritos e deméritos, é verdade. Sentimento de satisfação sim. E sobretudo, a cada número saído, de alegria profunda e silenciosa. É algo que dá mil trabalhos e cuidados (sobretudo porque coexiste com outras tarefas minhas, como ela todas voluntárias graças ao luxo de ser reformado desde há cerca de dez anos, metade do percurso da DiVersos), mas que esses instantes de alegria compensam largamente.


Ao longo de todo este período quais foram os encontros mais significativos, e que histórias foram inspirando esta dedicação?
O mais significativo foi o encontro com os três outros poetas fundadores da DiVersos, colegas de trabalho como tradutores numa instituição no estrangeiro desde o verão de 1991, um deles, Manuel Resende, que foi quem lhe deu o nome e a editou até ao n.º 3, amigo de adolescência e só ali reencontrado depois de décadas de ausências, dois outros que se tornaram amigos, Carlos Leite e Jorge Vilhena Mesquita. Apenas lamento que não tivessem podido continuar associados de perto à publicação dela, cada um em diferentes fases, por razões compreensíveis e poderosas. Um outro colega, amigo também desde a adolescência, José Lima, bem conhecido hoje como tradutor literário notável e mais se os tradutores literários tivessem entre nós o reconhecimento que merecem, apoiou-nos desde logo como tradutor — e divulgador!. Só há poucos anos soube, o que verdadeiramente não me surpreendeu, que escrevia também muito boa poesia, e como tal o incluí num dos números recentes.


Na nota editorial em que assinala os vinte anos da publicação no seu 24º número, o último e o maior em número de páginas (200), refere esta tendência para o crescimento devido ao alargamento dos seus colaboradores, mas refere que este não acompanhou qualquer sucesso comercial ou literário. Como explica a quase clandestinidade deste vosso trabalho, tão raramente destacado pelos jornais?
Quando referi ausência de êxito comercial era mera hipótese retórica visto que, e em qualquer país do mundo, não parece que possa haver qualquer publicação regular de poesia com significativo êxito comercial. Já êxito literário, isso é bem mais frequente. Êxito ou pelo menos algum reconhecimento por parte dos pares. Mas uma publicação discreta, por “temperamento” e por circunstâncias casuais – ter surgido e ter prosseguido longe de Lisboa, primeiro no estrangeiro, depois num subúrbio do Porto ele próprio um ‘subúrbio’, a ausência de conhecimentos no meio literário e da imprensa, a ausência de uma certa dimensão mundana que também existe na literatura  — e é digamos inevitável e até constitutiva e tem um papel com uma vertente que por vezes pode ser positiva —, é natural e até justo que a DiVersos seja desprovida desse êxito ou reconhecimento e até da simples menção de existência. Que, quando não é ignorada, até em suplementos de jornais de grande prestígio, as menções sejam muitas vezes exíguas e com vários erros factuais em poucas linhas, não passa de uma característica não rara do género “jornalismo literário”. Em compensação, a DiVersos conseguiu fidelizar algumas dezenas de pessoas que, como leitores (sobretudo assinantes, visto que desde há quatro anos deixou de estar presente no circuito comercial), ou como autores ou tradutores, a estimam e a apoiam com generosidade.


A vossa longevidade tem merecido um reconhecimento por parte do exíguo público que continua a partilhar este esforço?
Sim, desse “público” exíguo sim. De resto, a longevidade em poesia não é documento. Algumas das publicações de maior influência na história da poesia tiveram uma existência fulgurante mas reduzida a muito poucos números. Não nos colocamos nesse plano. Mas sim no da tarefa humilde de criar um veículo de expressão que, sem renunciar a algo difícil de definir mas de que muito se fala e que tem a sua importância, a chamada qualidade, acolhe tanto os nomes conhecidos (mas muitos que são conhecidos do público não os conhecemos nós ou não temos acesso a eles) como os inteiramente desconhecidos. A DiVersos será talvez no futuro o lugar único onde se poderão encontrar algumas vozes da poesia portuguesa actual que, sem terem adquirido projecção, dariam no entanto uma imagem mais polimorfa do quadro geral.


Quais são os poetas que destacaria pela qualidade e importância da sua mensagem de entre aqueles que apareceram nas páginas da DiVersos?
Fazer esse destaque seria entrar numa função crítica que não é a nossa. É certo que, ao admitir ou rejeitar colaborações (rejeitar, muito pouco na DiVersos, coisa de que dificilmente somos perdoados por alguns), o editor desempenha sempre um papel, digamos, pré-crítico. Mas a opção da DiVersos foi desde o início, e assim se mantém, a de dedicar-se exclusivamente a publicar poesia e tradução de poesia. Além disso inserimos apenas muito breves notas biobibliográficas dos autores e tradutores publicados e notas editoriais muito breves também e de índole meramente informativa. Apenas o n.º 9, que teve aliás outras particularidades, incluiu quatro desenhos de Joana Villaverde, de resto não há ilustrações, nem crítica, nem ensaios, nem ficção, nem outras prosa nem outras artes. Posso apenas assinalar que, entre muitos nomes desconhecidos do meio literário, publicámos também alguns de relevo, dos poucos de que tínhamos conhecimento pessoal e direto que nos permitia abordá-los com um convite expresso ou que chegaram até nós graças à amizade de alguém próximo. A título de exemplo, lembro António Ramos Rosa (também em tradução), Pedro Tamen, José Blanc de Portugal, Fiama Hasse Pais Brandão, Albano Martins, Fernando Guerreiro, Eduarda Chiote, Gastão Cruz, Luís Quintais, Adília Lopes, Afonso Cautela, António Cândido Franco, António Manuel Couto Viana, António Salvado, Luís Amaro… Em todos os números consta a lista completa dos autores publicados e nela todos têm democraticamente idêntico relevo. 


E das suas próprias colaborações na revista, o que destaca?
Tenho colaborado com o meu nome civil apenas em traduções, quer de línguas das quais tenho experiência de décadas, o que não quer dizer que as soluções que adotei sejam boas (francês, inglês, castelhano), quer de línguas em que sou aprendiz apenas (grego moderno, sueco, norueguês) ou até autodidata (italiano, galego) mas para as quais pude contar quase sempre com a ajuda de revisores ou releitores que as conhecem profundamente. Se acrescentar o alemão, de que tenho apenas "conhecimentos", isso permitiu-me também praticar com alguns dos tradutores uma forma de edição em que o editor entra em diálogo com o tradutor quanto mais não seja levantando perplexidades e pedidos de esclarecimento. De uma forma geral, esse tipo de trabalho tem sido compreendido e apreciado pelos tradutores a quem foi proposto. É claro que seria impossível praticá-lo em muitas das línguas que têm sido incluídas na DiVersos (chinês, búlgaro, umbundu…), a não ser resumido à manifestação de alguma estranheza num caso ou noutro quanto à versão portuguesa de que por vezes têm resultado alterações feitas aqui e ali pelo tradutor. A minha poesia própria apareceu algumas vezes, não muitas, na DiVersos, sob um nome literário, que utilizei também em dois livros publicados em 2009 e 2011, embora vá regressar ao meu nome civil (já utilizado no livro “Investigação da Alegria”, de 1989) num livro que está no prelo (com o título “Uma Voz Entre Vozes”).


Quais acredita que sejam hoje os principais problemas e desafios que enfrenta um editor que procure fazer um trabalho sério de divulgação de poesia? E em relação a si, o que continua a motivá-lo e a merecer o seu empenho?
Ao editar fui também durante alguns anos o meu próprio distribuidor. Nisso, e também em contactos com distribuidores, apercebi-me que a edição de poesia, salvo raríssimas exceções, só quase pode existir em Portugal (e será talvez o caso em muitos outros países, mais do que por vezes se supõe) como forma sui generis de mecenato. Nunca como hoje terá havido tantos bares, cafés, autarquias, a promover leituras ou declamação de poesia. Da parte das autarquias há mesmo várias que organizam Festas da Poesia. Mas a isso não corresponde um interesse equivalente em ler poesia publicada em livros ou revistas específicas — ou pelo menos em comprá-los. Como dizia algures e há muito tempo José Blanc de Portugal: “Lá se vão esgotando os livros dados, lá se vão.” Creio mesmo que a poesia lida silenciosamente é hoje um género próprio que não se confunde com a poesia (até a dos mesmos poemas!) lida ou declamada em público. Quando dita e gravada pelos próprios poetas, ressalta por vezes a enorme diferença entre a musicalidade da leitura silenciosa que apenas se adivinha e, quando acontece, a leitura quase estropiada pelo próprio criador que aparentemente não faz juz à qualidade que certamente existiria no que seria a leitura silenciosa. Quanto ao meu empenho, o que me motiva é o que digo em resposta às suas duas primeiras perguntas. A estima que vai nascendo com pessoas que nunca vi e que provavelmente nunca verei. A satisfação de um trabalho sério e minucioso e a alegria silenciosa que me suscita ver o seu resultado impresso em papel."Diogo Vaz Pinto, Jornal i, 9.08.2016