sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Para 2011

O artigo de opinião que Baptista Bastos publicou no DN  é um extraordinário hino que transporta o melhor de todos nós no dealbar do novo ano. Fica o registo para  saudar e homenagear  o autor , acreditando que a sua leitura nos irmanará em esperança  e redenção.
Que venha 2011.


 

Sonata para um menino que está a chegar
Por Baptista Bastos

Vens juntar-te nós e, em si mesma, a tua vinda é já um acto de comovente beleza. Há muito que te esperávamos, provindo dessa interminável sequência na qual se tecem os fios da nossa condição. As coisas não estão boas, por aqui. Mas os tormentos que nos assolam não calam a voz das nossas esperanças. Vem, menino. Pertences a uma estirpe que acendeu o seu lume em muitos campos alheios e fez um leito de nações num concerto de poesia que dura há séculos. Que quer, rigorosamente, dizer isto? Que o parágrafo das nossas vidas tem sido extenso e que, no encontro com os outros, alargámos os laços da nossa pessoal intimidade.
Vem, menino. Menino novo, cujo coração unânime vai bater como o coração de um anjo que sorri e nos acena. Sei que vais ser um menino feliz, como eu sou feliz ao escrever esta afirmação pausada. Menino feliz porque te espera um coro de risos, de faces radiantes; a paixão de quem quer dar tudo pela fortuna de te ter consigo e o regozijo de nos pertenceres para te pertencermos.
Há muito que te esperávamos. Há muito que te esperava, como o louvor de uma boa nova ou o sinal de uma luz rigorosa para a festa de todas as festas. E aí vens.
Já se sabe como é o mundo: sombrio e venal, cobarde e duro, obscuro e triste, glorioso e valente, tímido e arrogante, calado e grosseiro. Já se sabe. Mas a qualidade áurea das criaturas que o habitam e que o moldam, com a argila das suas individuais deficiências, faz com que, todos os anos, continuemos a acreditar. E assim nascem meninos como tu, produtos dessa crença confusa na concórdia que nos impele para todos os recomeços.
Em cada ano que atravessa outro ano renovam-se os risos, remoçam os alvoroços, renascem os velhos no olhar dependente dos meninos, porque os velhos são meninos que se prolongam na pontualidade e no espanto das coisas permanentemente inauguradas. A vida, como é hábito.
Espero-te com a emoção de quem viajou por muitos bares, muitas cartografias, por muitas palavras, por muitos socalcos. Mas não quero dar-te conselhos. Os conselhos são o modo de os antigos imporem uma ridícula superioridade. A expressão: "No meu tempo..." é o início de algo de enfadonho; a fastidiosa e inútil frase que pretende doirar o passado de misérias e afrontas. Como se isso fosse possível. O tempo é todo nosso, o teu e o meu, pode levar tudo, mas nunca lava tudo.
O mundo anda atrapalhado e aflito. Há quem pense que deixou de haver lutas e que a nitidez do entendível perdeu-se no opaco e na desistência. Vais ver que as realidades não são bem assim e que as razões da existência dispõem de argumentos poéticos com os quais se pode enfrentar a manipulação, a omissão, o medo e a mentira.
Não te demores.
Artigo de Opinião de Baptista Bastos no DN, 29/12/2010

Por entre os sons da música



Por entre os sons da música, ao ouvido
como a uma porta que ficou entreaberta
o que se me revela em ter sentido
é o que por essa música encoberta

acena em vão do outro lado dela
e eu sinto como a voz que respondesse
ao que em mim não chamou nem está nela,
porque é só o desejar que aí batesse.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O admirável Universo

Os anéis de Saturno

Formação dos anéis de Saturno tem nova explicação. O gelo que compõe os anéis seria revestimento de um antigo satélite natural do planeta




Os anéis de Saturno podem ter surgido com a desintegração de um satélite natural daquele planeta. Num estudo publicado agora na «Nature», a investigadora Robin Canup, astrofísica do Southwest Research Institute (EUA), explica que o gelo que anda à volta de Saturno terá sido o revestimento de um antigo satélite natural que se foi “descascando” à medida que se aproximava do planeta.
O sistema de anéis de Saturno é único e a sua origem não tem até agora uma explicação adequada, acredita a investigadora, pois nada até agora tinha conseguido explicar a existência de milhões de pedaços compostos por 90 a 95 por cento de água gelada.

Até agora, havia duas teorias dominantes sobre o fenómeno que não conseguiam explicar em pormenor a formação dos discos que, se fossem compactados, formariam um satélite com 500 quilómetros de diâmetro.
Uma das hipóteses diz que os discos de gelo são restos de uma antiga lua que pode ter explodido há milhões de anos. A segunda defende que os anéis são escombros que sobraram da formação do planeta.
A nova teoria valoriza a primeira hipótese. Robin Canup desenvolveu um modelo informático capaz de explicar como se formam os anéis. A sua teoria tem como base a força gravitacional que Saturno exerce.
A sua influência é semelhante à da Lua sobre marés do nosso planeta. A formação dos anéis terá começado quando um satélite do tamanho de Titã (uma das actuais luas de Saturno), cujo diâmetro é metade da Terra, entrou no campo gravitacional daquele planeta e começou a girar à sua volta, numa zona que estava então ocupada por uma cintura de gás.
A pressão começou a tirar o gelo que cobria o satélite até deixar visível o seu núcleo de silicatos. Este continuou a avançar em direcção a Saturno até que ficou “sepultado” na sua densa atmosfera gasosa.( Publicado por "Ciencia Hoje" em 14/12/2010)

Leia o Artigo original : Origin of Saturn’s rings and inner moons by mass removal from a lost Titan-sized satellite

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

"Por que cantamos"de Manoel Andrade



Por que cantamos
de Manoel Andrade
para Mario Benedetti(*)
Se tantas balas perdidas cruzam nosso espaço
e já são tantos os  caídos nesta guerra…
Se há uma possível emboscada em cada esquina
e  temos que caminhar num chão minado…
“você perguntará  por que  cantamos”
Se a violência sitia os nossos atos
e a corrupção gargalha da justiça…
Se respiramos esse ar abominável
impotentes diante do deboche…
“você perguntará por que cantamos”
Se o medo  está  tatuado em nossa agenda
e a perplexidade estampada em nosso olhar…
Se há um mantra entoado no silêncio
e as lágrimas repetem: até quando, até quando, até quando…
“você perguntará  por que cantamos”
Cantamos porque uma lei maior sustenta a vida
e porque um olhar ampara os nossos passos.
Cantamos porque há uma partícula de luz no túnel da maldade
e porque nesse embate só o amor é invencível.
Cantamos porque é imprescindível dar as mãos
e recompor, em cada dia, a condição humana.
Cantamos porque a paz é uma bandeira solitária
a espera de um punho inumerável.
Cantamos porque o pânico não retardará a primavera
e porque em cada amanhecer as sombras batem em retirada.
Cantamos porque a luz se redesenha em cada aurora
e porque as estrelas e porque as rosas.
Cantamos porque nos riachos e lá na fonte as águas cantam
e porque toda essa dor desaguará um dia.
Cantamos porque no trigal o grão amadurece
e porque a seiva cumprirá o seu destino.
Cantamos porque os pássaros estão piando
e ninguém poderá silenciar seu canto.
Cantamos para saudar o Criador e a criatura
e porque alguém está parindo neste instante.
Pelo encanto de cantar e pela esperança nós cantamos
e porque a utopia persiste a despeito da descrença.
Cantamos porque nessa trincheira global, nessa ribalta
nossa canção viverá para dizer por que cantamos.
Cantamos porque somos os trovadores desse impasse
e porque a poesia tem um pacto com a beleza.
E porque nesse verso ou nalgum lugar deste universo
o nosso sonho floresce deslumbrante.
Manoel de Andrade, in " Cantares ",  Editora Escrituras , Curitiba, Maio de 2003
(*)  Escrevi  estes  versos motivado pelo belíssimo  poema  “Por qué cantamos”,  do poeta uruguaio Mario Benedetti. Num tempo em que todos caminhamos sobre o “fio da navalha”, me senti, como poeta,  implicitamente convocado a  também  testemunhar  por que cantamos. (Manoel de Andrade)

Por qué cantamos
Si cada hora viene con su muerte
si el tiempo es una cueva de ladrones
los aires ya no son los buenos aires
la vida es nada más que un blanco móvil
Usted preguntará por qué cantamos
Si nuestros bravos quedan sin abrazo
la patria se nos muere de tristeza
y el corazón del hombre se hace añicos
antes aún que explote la vergüenza
Usted preguntará por qué cantamos
Si estamos lejos como un horizonte
si allá  quedaron árbores y cielo
Si cada noche es siempre alguna ausencia
y cada despertar un desencuentro
Usted preguntará por qué cantamos
Cantamos porque el río está sonando
y cuando suena el río / suena el río
cantamos porque el cruel no tiene nombre
y en cambio tiene nombre su destino
Cantamos por el niño y porque todo
y porque algún futuro y porque el pueblo
cantamos porque los sobrevivientes
y nuestros muertos quieren que cantemos
Cantamos porque el grito no es bastante
y no es bastante el llanto ni la bronca
cantamos porque creemos en la gente
y porque venceremos la derrota
Cantamos porque el sol nos reconoce
y porque el campo huele a primavera
y porque en este tallo en aquel fruto
cada pregunta tiene su respuesta
Cantamos porque llueve sobre el surco
y somos militantes de la vida
y porque no podemos ni queremos
dejar que la canción se haga ceniza.
Mario Benedetti ,(De Retratos y Canciones)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

“Phœnix”, cadernos literários internacionais

No site da Revista " HebdoLivres fr." foi  anunciado o lançamento, em Marselha, de uma nova revista literária que propaga as linhas editoriais dos antigos e famosos " Cahiers du Sud". O 1º número de "Phoenix" saiu em  Dezembro e destaca Marc Alyn, o  fecundo poeta e escritor francês, que foi galardoado com o Prémio  da Academia Francesa de Poesia em 1994 e com o Prémio Goncourt de Poesia  pelo conjunto da sua obra, em 2007,  além de ter recebido muitos  outros prémios e distinções. . Dedicada à Literatura Francesa e estrangeira, a  poesia será, contudo, o alvo principal da mediterrânica revista Phoenix.
Em jeito de boas vindas fica aqui o registo mencionado.

“Phœnix” dans le sillage des “Cahiers du Sud”
Publié le 17 décembre 2010 par mp dans " HebdoLivres fr"
(Photo : Le logo de la revue)
A Marseille, la nouvelle revue littéraire Phœnix se place dans une filiation clairement revendiquée de la revue méditerranéenne des Cahiers du Sud.
Les amateurs de revues littéraires enregistreront la naissance de Phœnix, qui est en fait la résurrection d’Autre Sud, fils de Sud et petit-fils des fameux Cahiers du Sud. Toutes ces revues ont été créées à Marseille dans une optique certes méditerranéenne, mais internationalement connues.
Yves Broussard est le directeur littéraire de Phœnix, Jacques Lovichi son rédacteur en chef. Au conseil de rédaction figurent également Téric Boucebci, Françoise Donadieu, Joëlle Gardes, Daniel Leuwers, Jean Orizet, Jean Poncet, Frédéric Jacques Temple et André Ughetto.
La revue accordera sa plus grande part à la poésie, française comme étrangère, et ambitionne de servir la littérature vivante sans exclusive.
Le premier numéro (décembre) est notamment consacré à Marc Alyn. Son recueil Le tireur isolé a paru en juin 2010 aux éditions PHI. Un important choix de ses poèmes, La combustion de l’ange 1956-2010, sera publié en mars 2011 au Castor astral, avec une préface de Bernard Noël.

Site de la revue Revue Phoenix, 4, rue Fénelon, 13006 Marseille.
Téléphone : 04 91 31 39 31
Courriel : revuephoenix@yahoo.fr

Portuguese Love

Teena Maria, uma voz do soul americano, interpretando admiravelmente uma longa canção em que Portugal ocupa o lugar principal. Mary Christine Brocket morreu aos 54 anos, Domingo, 26 de Dezembro.


 

Teena Marie, Lady Tee , ficou conhecida como "a rainha de marfim da soul". Em  "If I Were A Bell" de 1990 a justeza do título é magistralmente validada. Até sempre ,Lady Tee.




If I Were A Bell


Early morning whispers to me
I was taken unaware
I remember sunlight creepin'
In the window over there


The day had promised true love
Smiles awaken as we rise
Our golden slumbers long gone
Only you got in my eyes
And now I'll never be the same
'Cause you made me over


If I were a bell, baby, I would ring
Tell the whole world that you are my everything
If I were a bell, baby, you would know
That you are my only lover and it's wonderful


If I were a bell
Baby, I would ring each day for you


Early morning it talks to me
I was taken by surprise
I remember fingers floating
As you held me hypnotized


The day had promised true love
Smiles awaken as we share
Our golden slumbers long gone
Only you and I were there
And now, honey, I'm not the same
'Cause you made a brand new me, yes


If I were a bell, baby, I would ring
Tell the whole world that you are my everything
If I were a bell, baby, you would know
That you are my only lover and it's wonderful


If I were a bell, baby
I would ring from the hilltops
Ring from each and every day mountainside, yes, oh


If I were a bell
Baby, I would ring through every valley
Tell the whole world 'bout these tears of joy I cry


If I were your bell
Baby, I would ring each day for you


And no one
Could ever tell me what to think, to feel, to say or do
Listen, sugar
I'm gonna sing about you one more time


If I were a bell (If I were a bell), baby, I would ring (Baby, I)
Tell the whole world that you are my everything
If I were a bell (If I were a bell), baby, you would know (Baby, only you would know)
That you are my only lover and it's wonderful


If I were a bell
Baby, I would ring each day for you...
Just for you


I guess that's not mature thing for me to say, baby
I'm just gonna let the bells talk for me
As the flicker turns to flame and passion rises hot (Ooh...)
I have no choice but to carry the choice but to carry a torch
Come here, honey
Let me make it all right (Ooh...)
I'm gonna ring for you, baby (Oh...oh...oh...oh...oh...oh...oh...oh..­.)
You know the part (Baby)
And it's from the heart (It's from the heart)
It's from my soul (From my soul)
I ring for you (I ring for you...oh...oh...), oh
Just for you (Just for you)
(Just) Just for you (Just...)
Oh, baby, I still do
(Tell the world I'm ringin' for my baby, I'm ringin' for you)

From Teena's 9th Album "Ivory" 1990

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Prémio Cervantes 2010


Foi notícia a atribuição do mais alto galardão literário, Prémio Cervantes , à  escritora natural de Barcelona , Ana Maria Matute. Do site oficial da escritora retirámos algumas informações que contribuem para traçar o grande perfil desta mulher das letras .
"Nacida en Barcelona en 1926, Ana María Matute se dio a conocer en la escena literaria española con ‘Los Abel’, una novela inspirada en la historia bíblica de los hijos de Adán y Eva, en la cual reflejó la atmósfera española inmediatamente posterior a la contienda civil desde el punto de vista de la percepción infantil. Este enfoque se mantuvo constante a lo largo de su primera producción novelística y fue común a otros.
Las novelas de Ana María Matute no están exentas de compromiso social, si bien es cierto que no se adscriben explícitamente a ninguna ideología política. Partiendo de la visión realista imperante en la literatura de su tiempo, logró desarrollar un estilo personal que se adentró en lo imaginativo y configuró un mundo lírico y sensorial, emocional y delicado. Su obra resulta así ser una rara combinación de denuncia social y de mensaje poético, ambientada con frecuencia en el universo de la infancia y la adolescencia de la España de la posguerra.
A la par la autora barcelonesa cultivaba el relato corto y publicaba títulos como ‘El tiempo’, ‘Historias de la Artámila’ o ‘Algunos muchachos’. Igualmente, a comienzos de los sesenta, editó dos libros corte autobiográfico: ‘A la mitad del camino’ y ‘El río’. En estas páginas evoca sus experiencias de la niñez en el ambiente rural y bucólico de Mansilla de la Sierra.
Premios
• Premio Café Gijón 1952 con Fiesta al Noroeste
• Premio Planeta 1954 con Pequeño Teatro
• Premio de la Crítica 1958 Los hijos muertos
• Premio Nacional de Literatura 1959 con Los hijos muertos
• Premio Nadal 1959 con Primera Memoria
• Premio Fastenrath de la Real Academia Española 1962 con Los soldados lloran de noche
• Premio Lazarillo de literatura infantil 1965 por El polizón de Ulises
• Premio Nacional de Literatura Infantil y Juvenil 1984 con Sólo un pie descalzo
• Premio Ciudad de Barcelona 1996 por El verdadero final de la bella durmiente
• Premio Terenci Moix, 2006
• Premio Cervantes 2010"

Entretanto,  Cláudia Carvalho no  suplemento "Ipsilón" do Jornal Público de 24 de Dezembro publicava sobre  a escritora  barcelonesa o seguinte artigo:
"A escritora catalã Ana María Matute, de 85 anos, ganhou o Prémio Cervantes, o mais importante da língua espanhola. A distinção foi anunciada pela ministra da Cultura espanhola, Ángelez González-Sinde, que se disse muito agradada pela decisão de eleger uma mulher, a terceira na história do Prémio Cervantes.
Matute é considerada uma das autoras mais importantes da época posterior à Guerra Civil Espanhola, fazendo frequentemente referências ao conflito na sua obra.
Entre as obras da escritora estão "Los Abel", "Pequeno teatro" e "Los soldados lloran de noche", que retratam a sociedade da época e as consequências da Guerra Civil. Ana María Matute, nascida em Barcelona, também se destacou como escritora de histórias infantis, entre elas "Paulina, el mundo y las estrellas" e "O aprendiz".
Segundo o jornal espanhol ABC, a escritora foi apanhada de surpresa. "Em anos anteriores também se falou no meu nome e no final ganharam sempre outros candidatos", disse Matute.
Este era o prémio que faltava à escritora que recebeu o Prémio Nacional das Letras (2007), o Prémio Nacional da Literatura e da Crítica (com "Los hijos muertos"), o Prémio Nadal 1959 (com "Primeira memória"), o Prémio Planeta 1954 (com "Pequeno teatro") e o Prémio Ciutat de Barcelona 1966 (com "El verdadero final de la Bella Durmiente").
O Cervantes, que reconhece o conjunto da obra de um escritor, é acompanhado de um prémio de 125 mil euros.
 

“Eça de Queiroz - Uma Biografia”, Prémio APE

“Eça de Queiroz - Uma Biografia” da autoria de Alfredo Campos Matos, venceu o grande prémio de literatura biográfica da Associação Portuguesa de Escritores (APE).
O júri galardoou a obra de Campos Matos devido à “aturada e rigorosa investigação, tanto da vida como da obra do autor estudado”, bem como pelo “aprofundamento dos dados até agora existentes e a apresentação de novos elementos”.
Nascido na Póvoa de Varzim, em 1928, e licenciado em arquitectura, Campos Matos é um estudioso da vida e obra de Eça de Queiroz.
O grande prémio de literatura biográfica, no valor de cinco mil euros, tem o patrocínio exclusivo da Câmara Municipal de Castelo Branco. O galardão bienal admitiu ao concurso 21 obras de escritores portugueses, publicadas por 14 editoras, nos domínios da biografia e autobiografia, de memórias e diários.
Nas edições anteriores, a APE distinguiu livros de Maria Teresa Saavedra, Eduardo Prado Coelho, Norberto Cunha, Cristóvão de Aguiar e João Bigotte Chorão.
in Rádio Renascença | 21 de Dezembro de 2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

Nascer/viver sem afectos

Cerca  de cinquenta (50) crianças foram abandonadas pelas mães à nascença nas maternidades portuguesas durante este ano 2010. Muitas outras foram encontradas em sacos de lixo, em caixotes, ao relento pelo país. Aventar as razões que levaram estas mães a este acto é especular sobre sofrimento, pobreza ou sentimentos que não se contabilizam. No entanto, reflectir sobre o estado da justiça social e da protecção aos desamparados é necessariamente uma obrigação ancestral. A exclusão e a perda de afectos que marca os sem-abrigo cuja imagem se ergue quase banalizada por  tantas  reportagens televisivas é também uma deriva desta incapacidade que o Homem tem para com o outro ao consumir-se numa existência fútil de banalidades e de insensibilidade social.
As crianças são sempre as maiores vítimas. O elo mais fraco é a vulnerabilidade disponível na cadeia dos desprotegidos.
Os contos que Hans Christian Andersen escreveu para crianças retratam com actualidade situações que nos confrangem e que denunciam  a  perda de sentido de muitos rituais que marginalizaram  a verdadeira essência do ser humano: o valor dos afectos.
" A menina dos fósforos" é um conto fabulosamente trágico que evidencia a fatalidade de ser pobre num mundo consumista e confortavelmente egoísta. A dimensão feérica e fantástica dos fósforos eleva-nos para a transcendência do sonho materializado pelas referências subjectivas dos afectos que distinguem  cada ser humano.
Esta versão videográfica,  montada em desenho animado,  apresenta virtuosamente o conto escrito por  Andersen  no Sec. XIX,  há quase 150 anos. A excelente banda sonora que  a acompanha merece um visionamento.

 

sábado, 25 de dezembro de 2010

NATAL


Ninguém o viu nascer
Mas todos acreditam
que nasceu.
É um menino e é Deus.
Na Páscoa vai morrer, já homem,
Porque entretanto cresceu
E recebeu
A missão singular
De carregar a cruz da nossa redenção.
Agora, nos cueiros da imaginação,
Sorri apenas
A quem vem,
Enquanto a Mãe,
Também
Imaginada,
Com ele ao colo,
Se enternece
E enternece
Os corações,
Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.

Miguel Torga In " Diário XIV", Coimbra, 25 de Dezembro de 1983 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Haja o que houver

                                  
A voz extraordinária de Teresa Salgueiro é um forte registo de esperança que devemos estender a  Portugal. Ao celebrarmos  um nascimento  portador de um novo sentido para o homem,  tentemos eliminar o desalento que tem  grassado  entre nós e transformá-lo em solidariedade  e  força partilhada " haja o que houver".




Haja O Que Houver

Haja o que houver
Eu estou aqui
Haja o que houver
espero por ti


Volta no vento ô meu amor
Volta depressa por favor
Há quanto tempo, já esqueci
Porque fiquei, longe de ti
Cada momento é pior
Volta no vento por favor...


Eu sei quem és
pra mim
Haja, o que houver
espero por ti...


Há quanto tempo, já esqueci
Porque fiquei, longe de ti
Cada momento é pior
Volta no vento por favor


Eu sei quem és
pra mim
Haja, o que houver
espero por ti...


Madredeus
Composição: Pedro Ayres Magalhães

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O " Genoma" da cultura humana

Cientistas norte-americanos usaram cinco milhões de livros digitalizados para decifrar o “genoma” da cultura humana, detectar as palavras mais usadas em cada época e analisar como mudou a sintaxe. Dois investigadores da Universidade de Harvard dedicaram quatro anos a este trabalho, que designaram como “Culturomics”, e publicaram no dia 17 deste mês os resultados na revista «Science».
Como seria impossível ler todos os livros existentes no mundo, a equipa recolheu uma amostra de cinco milhões de obras e socorreu-se das novas tecnologias, como o Google. Concluíram que o inglês assume 8 500 novas palavras todos os anos, apesar de muitas não serem imediatamente apreciadas nos dicionários.
Ainda se chegou à conclusão que, a cada ano que passa, a humanidade esquece o seu passado de forma mais célere. Como exemplo, indicam que as referências a 1880 perduraram até 1912, durante 32 anos. Já as referências a 1973 desapareceram, em média, dez anos depois.
Contudo, as novas descobertas divulgam-se agora mais rapidamente que nunca. Os cientistas asseguram que no final do século XIX as novidades eram difundidas duas vezes mais depressa do que em 1800.
Em relação à notoriedade alcançada por personalidades, os investigadores descobriram que se tem tornado mais óbvia, mas também mais efémera. As celebridades nascidas em 1950 atingiam a fama, em média, aos 29 anos. No início do século XIX, a média era de 43 anos.
Artigo publicado em " Ciência Hoje", 17/12/2010

Os interesses económicos e a Cimeira de Cancun

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Cancun ne fait pas figure d’exception. Comme dans toutes les rencontres entre pays, la diplomatie officielle et affichée côtoie les rencontres informelles, échanges de bons procédés et autres tractations de couloir. Encore il y a quelques jours, les rumeurs allaient bon train quant à un “texte mexicain” secret en préparation dans quelque arcanes inconnus des profanes, malgré le démenti de Christiana Figueres, la “Madame climat” de l’ONU. Le spectre de pays complotant pour promouvoir leurs intérêts nationaux, entendez économiques, au détriment de l’intérêt général de la planète, à savoir la lutte contre le changement climatique, a ainsi suscité craintes et critiques, notamment du côté des organisations non-gouvernementales.

"Le Monde", Mercredi, 8 Décembre 2010

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Diário de Miguel Torga

                              
O Tempo não pára, corre  e flui incessantemente, mas o  mundo nem sempre é composto de mudança. Se  a História tem um devir ciclíco, a Literatura torna-o intemporal. O registo que  Miguel Torga deixou no  seu Diário há vinte anos , podê-lo-ia ter efectuado hoje. A afirmação de que  os poetas sobrelevam o Tempo  é confirmada pelas palavras que eles nos legam. Já Umberto Eco em " Sobre a Literatura"  escrevia: "Os textos literários não só nos dizem o que nunca podemos pôr em dúvida, mas também, ao contrário do mundo, nos assinalam com soberana autoridade, o que neles se deve assumir como relevante e o que não podemos tomar como ponto de partida para interpretações livres."
Abramos, pois , o " Diário" de Miguel Torga,   poeta e escritor maior da Língua Portuguesa, falecido a 17 de Janeiro de 1995.

 Coimbra, 22 de Dezembro de 1990 - O mundo com vários abcessos prestes a rebentar. Ainda há pouco exultávamos de esperança, e já ninguém tem paz na alma. É que não há mais tempo de duração. Todas as nossas horas são ofegantes , e cadentes as estrelas anunciadas e anunciadoras . Temos tudo, e falta-nos  o essencial. É como se de repente a vida ficasse do avesso e a não soubéssemos vestir."
Miguel Torga, in " Diário XVI", Círculo dos Leitores

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Escrever



Se eu pudesse havia de transformar as palavras
em clava.
Havia de escrever rijamente.
Cada palavra seca, irressonante, sem música.
Como um gesto, uma pancada brusca e sóbria.
Para quê todo este artifício da composição sintáctica e métrica?
Para quê o arredondado linguístico?
Gostava de atirar palavras.
Rápidas, secas e bárbaras, pedradas!
Sentidos próprios em tudo.
Amo? Amo ou não amo.
Vejo, admiro, desejo?
Ou sim ou não.
E como isto continuando.

E gostava para as infinitamente delicadas coisas
do espírito...
Quais, mas quais?
Gostava, em oposição com a braveza do jogo da
pedrada, do tal ataque às coisas certas e negadas...
Gostava de escrever com um fio de água.
Um fio que nada traçasse.
Fino e sem cor, medroso.

Ó infinitamente delicadas coisas do espírito!
Amor que se não tem, se julga ter.
Desejo dispersivo.

Vagos sofrimentos.
Ideias sem contorno.
Apreços e gostos fugitivos.
Ai! o fio da água, o próprio fio da água sobre
vós passaria, transparentemente?
Ou vos seguiria humilde e tranquilo?


Irene Lisboa, in  “Outono havias de vir”  1937

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Recordar José Gomes Ferreira


A propósito da publicação do quinto  volume  do " Diário" de  José Gomes Ferreira , a pena arguta e rica  de Baptista Bastos, companheiro  e contemporâneo do escritor , partilhou connosco, leitores assíduos, a lembrança das tertúlias dos tempos já idos nos "memoráveis" cafés  da Lisboa intelectualizada. Muitos desses cafés já fecharam e o vazio que deixaram foi substituido por uma   ruidosa futilidade ostentatória que  teima em exibir-se pelos  remodelados cafés ou pelos  novos  espaços afins.
Em 12  do presente mês, anunciámos aqui a publicação  deste novo  volume, mas faltava-lhe o sabor desta  vivenciada escrita  de Baptista Bastos para que o homem e o escritor fossem efectivamente revisitados. Está, assim,  exaurida e reparada esta nossa lacuna com a transcrição do referido artigo.


Os cadernos necessários de José Gomes Ferreira
Por Baptista Bastos
As tertúlias nos cafés e nas cervejarias fizeram parte da educação intelectual, política e moral de muitos rapazes da minha geração.
Frequentei muito aqueles grupos de jornalistas, escritores e artistas heterogéneos que falavam e discutiam dos assuntos que a Imprensa não publicava, por proibidos. Havia tertúlias de Esquerda e de Direita, mais de Esquerda do que de Direita, seja dito. De manhã, no Brasileira do Chiado, eram jornalistas os que se amesendavam. De tarde, no Café Chiado, a conversa era praticada por escritores, músicos, cientistas. A esta aparecia quase sempre Aquilino Ribeiro, venerado por gente da estatura de José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Alves Redol, Augusto Abelaira, Manuel da Fonseca, Manuel Mendes, Leão Penedo, Rogério de Freitas, Fernando Lopes-Graça. Por vezes, depois do almoço (o Café Chiado servia uns bifes esplêndidos) surgia a figura esquiva e um pouco sombria de Virgílio Ferreira. E outros.
Depois, os bancos começaram a tomar conta dos locais e a atirar com os convivas para outros cafés e pastelarias da cidade. O Tony dos Bifes foi, acaso, o último desses redutos. Carlos de Oliveira chegava a meio da tarde. Aos pouco iam assomando os amigos. É enorme a lista de cafés desaparecidos, e todos eles cheios da história das nossas paixões, das nossas inquietações e das nossas desavenças.
Falo desses tempos, felizmente mortos e enterrados, agora, que saiu, com a chancela da Dom Quixote, o quinto tomo dos diários de José Gomes Ferreira, "Dias Comuns - Continuação do Sol." Os diários do grande poeta pertenciam aos mitos urbanos daquela época. Sabia-se, e falava-se entre nós, que Zé Gomes (como os parceiros o tratavam) mantinha, há décadas, cadernos e cadernos nos quais anotava tudo o que lhe merecesse atenção. Os amigos e os seus ditos; as pequenas insídias e as menores invejas; os comentários aos livros, aos filmes, às peças, aos concertos, tudo sempre envolvido numa aura de humanismo e de simpatia pelos outros.
É um desfile impressionante de sentimentos e uma série admirável de retratos das pessoas e de seu tempo. A política e as consequências da opressão possuem um lugar importante neste filme. Zé Gomes, amenamente, não perdoa as vaidades; não oculta as suas admirações; não omite os seus prazeres e as suas críticas. De todos eles, porém, sobressai a estima, a funda admiração, a amizade sem mácula que desde sempre nutriu por Carlos de Oliveira. O rigor moral, o escrúpulo e o pudor deste último impunham o respeito que a esmagadora maioria dos outros não mereciam e lhe não suscitavam. Pequenas farpas em Cardoso Pires, em Alexandre O'Neill, em Herberto Hélder, sobretudo por questões de ordem ética e ideológica, não deixam de fazer parte do texto. E é bom de saber que nem todas as aparentes coragens e frontalidades conseguem dissimular o carácter dúbio dos protagonistas.
Na minha opinião, este volume é, talvez, o mais significativo de todos os até agora publicados. Um documento imprescindível para se perceber o mecanismo das vaidades e o que a época e as suas contingências fizeram a homens aparentemente de grande carácter. Não se trata de uma questão de coragem ou de narrar a verdade, conceitos tão escorregadios e tão difusos. Trata-se, isso sim, de, numa prosa extremamente viva e colorida, de o autor prestar o seu depoimento, pessoal como todos os depoimentos assim concebidos, mas particularmente atractivos.
Devo, a esta gente incomum, muitíssimo mais do que aqui escrevo. A aprendizagem da vida é uma construção delicada, frágil e lenta. E só muito depois nos apercebemos do significado profundo que esse tempo e esses homens que moldaram ou combateram o tempo tiveram relativamente à nossa educação.
Por vezes, José Gomes Ferreira desce aos abismos da sua alma, descreve a suas inquietações e perplexidades ideológicas, sem nunca deixar de cultivar (e exigir dos outros) um grande rigor moral e intelectual. Este livro deveria ser frequentado pelos preopinantes que por aí andam a escrever bojardas e a propalar o acessório sobre o essencial. Lê-se das exigências daquela gente que nunca abdicou dessa integridade e dessa decência cívica, sem as quais a batalha das ideias e a defesa da democracia seriam sufocadas.
Um aceno de simpatia para a Dom Quixote, que tem vindo a editar a obra do grande autor de "Poeta Militante", e desse magistral "As Aventuras de João sem Medo", que o próprio Zé Gomes considerava ser o seu melhor livro.

Baptista Bastos em  Artigo de Opinião do "Jornal de Negócios "de 3/12/2010

Prémio Literário Inês de Castro para "Adoecer" de Hélia Correia


O Prémio Literário Fundação Inês de Castro  foi atribuido ao romance "Adoecer" de Hélia Correia.
Teresa Costa Neves, Secretária-geral da Fundação,  informou de que o Prémio  Carreira - Tributo de Consagração Fundação Inês de Castro será entregue a Vasco Graça Moura.
Em  2009 , "O Viajante Sem Sono", de José Tolentino Mendonça recebeu o Prémio Literário e o poeta Manuel Alegre  foi distinguido com o Prémio Carreira- Tributo de Consagração.
Regozijamo-nos com estas distinções. A Literatura e os escritores que a honram merecem-nas.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sobre a Poesia

(I- Poesia e Oralidade)


"La poésie est un genre que l’on s’évertue à voir là où il n’est pas — dans un coucher de soleil, dans le slam, dans les convulsions scéniques d’un artiste — et à ne pas voir là où il se trouve : dans un tête-à-tête du poète avec la langue. Son insignifiance économique la condamne à l’obscurité ; pourtant, les recueils, les revues, les sites qui lui sont dédiés continuent de fleurir. Et réservent de belles découvertes à ceux qui prennent la peine d’y accoutumer leur œil et leur oreille."
" LÓbstination de la Poésie " par Jacque Roubaud dans le " Monde Diplomatique", 2010

Esta afirmação de Jacques Roubaud é facilmente comprovada através de um pequena visita a algumas Livrarias. Encontrar livros de poesia é um  feito deveras dificil, embora as prateleiras estejam repletas de livros, o espaço  reservado aos poetas é minúsculo. Tentem formular um pedido e começam as dificuldades: a estranheza do pedido , a consulta do arquivo informático e finalmente a constatação da ausência . Os poetas não existem nesse depósito que se deseja esvaziar em cifrões.
Entrar e pesquisar nas livrarias de Lisboa e alargar a alguns pontos do país, incluindo a invicta cidade, é o confirmar da triste realidade que enferma o mercado livreiro. A poesia não gera receitas, pelo que fica condenada ao espaço menor de uma sobrevivência sofrida. Há dois anos fiz um périplo em busca da obra poética de Jorge Sena. Não encontrei um único exemplar, apenas a " Antologia Poética " num alfarrabista em Faro. Quase que se torna inimaginável, mas acabou por ser um feliz acaso neste desastre nacional.  A excelente obra de Herberto Helder desaparece rapidamente porque o poeta limita as edições dos seus livros. Jorge de Sena e tantos outros grandes esperam que os reeditem  e nós e o mundo bem o acalentamos. O mercantilismo das letras invadiu e minou a fruição natural da arte maior , a Poesia.
Hoje, vamos iniciar  um espaço de reflexão sobre POESIA , publicando alguns artigos escritos por poetas que traçam ou reflectem sobre essa arte. Manoel de Andrade é o poeta que vai inaugurá-lo  com:
Poesia e Oralidade
"A Poesia, ao longo do tempo, foi perdendo a nítida feição com que nasceu: a oralidade. Conta-se que há 2.500 anos, o poeta grego Simónides de Ceos  — célebre pelo hino que compôs aos heróis das Termópilas e que treinou sua memória para correr a Grécia declamando os poemas de Homero, de Safo e de poetas que o antecederam  — encontrou um dia seu discípulo e conterrâneo Baquílides, escrevendo suas odes sobre uma placa de cera e o acusou de trair a poesia cuja magia e encanto, dizia, estava em sua expressão declamatória e não na palavra escrita. “A Poesia, afirmava ele, é uma pintura que fala”. A poesia oral consta dos mais antigos registros literários da Grécia micênica e embora, no terceiro mundo, ainda se encontrem hoje culturas ágrafas, cuja expressão poética se manifesta apenas pela oralidade, é necessário lembrar que a literatura nasce da littera(letra), como pressuposto da escrita e da leitura.  Assim, um fenômeno não pode excluir o outro e é tão importante valorizar a tradição oral da poesia, quanto reconhecer que sem a escrita, parte de todo o seu acervo histórico se perderia com o tempo. Nesse sentido tanto a poesia escrita, como a vocalizada ou dramatizada são expressões por onde permeia a mágica dimensão poética. Nas antigas culturas de tradição oral os poetas eram tidos como os receptores e transmissores do Conhecimento e reverenciados como os guardiões da Sabedoria e por isso considerados tão importantes como os reis, sendo que os reis podiam ser mortos, mas matar um poeta era considerado um sacrilégio. O premiado poeta nicaraguense Ernesto Cardenal, em seu  notável Prólogo a la antología de la poesía primitiva, afirma que “ el verso es el  primer linguaje de la humanidade. Siempre ha aparecido primero el verso, y después la prosa; y ésta es una espécie de currupción del verso. En la antigua Grécia todo estaba escrito en verso, aun las leyes: y en muchos pueblos primitivos no existe más que el verso. El verso parece que es la forma más natural del lenguaje”.
(…) A poesia nasceu pelo tom declamatório da palavra e deixou seus registros nos anais milenares da expressão escrita. A pós-modernidade trouxe consigo novos cânones e estranhos paradigmas levando a arte e a cultura a indesejáveis mutações. Neste embate a poesia foi perdendo sua cidadania, confundida pelos excessos formais da criatividade, por dolorosas rupturas e descartada pelos hábitos de consumo impostos pelos interesses editoriais. Reagiu, alçou sua voz e volta a ser ouvida no canto plural dos grandes festivais. Filha do tempo e da beleza, ela resiste solitária diante de um mundo em crise, entrópico, fragmentado e com seus referenciais abalados pela cultura do caos. Resiste e resistirá sempre como “uma proposta de diálogo com o mundo”, como “ um gesto de amor para legitimar a condição humana”.
Manoel de Andrade, in Revista HISPANISTA – Vol.IX nº 35

sábado, 18 de dezembro de 2010

"Mistérios de Lisboa", o melhor filme do ano em França


O filme "Mistérios de Lisboa" foi considerado o melhor filme do ano em França, pelo júri do prémio Louis Delluc. O prémio existe há mais de setenta anos, e o júri é composto por cerca de 20 personalidades e críticos do cinema francês. O filme "mistérios de Lisboa" já tinha conquistado um prémio no festival de San Sebastian, em Espanha, e o Prémio da Crítica na Mostra Internacional de Cinema de S. Paulo. O filme do chileno Raúl Ruiz, com mais de quatro horas de duração, é uma adaptação do romance de Camilo Castelo Branco sobre a sociedade portuguesa de finais do século XIX. É um dos mais ambiciosos projectos do cinema português, com um orçamento de 2 mil e quinhentos milhões de euros. Tem co-produção da RTP que vai exibir o filme, em versão televisiva, num formato de seis episódios.

Artes & Espectáculos, 2010-12-17 21:04:53

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

No Bicentenário do Nascimento de Alexandre Herculano

EXPOSIÇÃO DESVENDA IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DE ALEXANDRE HERCULANO
Na Sala do Capítulo, ecrãs tácteis, vídeos e documentos 'falam' do historiador.
A esmagadora maioria das 800 mil pessoas que anualmente visitam o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, nem chega a perceber de quem é o túmulo que se encontra na Sala do Capítulo. E mesmo de entre os 30 a 40% de nacionalidade portuguesa que anualmente visitam o monumento, a maioria pouco mais sabe para além de que é o autor de Eurico, o Presbítero.
Ora, é precisamente para preencher essa lacuna que (...) a Sala do Capítulo passa a contar com uma exposição. Documentos, vídeos e ecrãs tácteis desvendam a importância de Alexandre Herculano na sua época, não só a nível nacional como internacional, bem como o seu legado.
Tendo em conta que a maioria dos visitantes é estrangeira, houve o cuidado de contextualizar a figura de Alexandre Herculano em relação à Europa do seu tempo "para que se perceba bem o seu tempo, as influências que recebeu e como foi evoluindo", explicou ao DN Isabel Cruz de Almeida, directora do Mosteiro dos Jerónimos e elemento do conselho científico da exposição.
Pai da historiografia moderna, grande pensador das questões políticas e sociais que marcaram o século XIX, Alexandre Herculano foi uma das mais destacadas figuras do seu tempo. "Sentíamos que os visitantes se deparavam com uma Sala do Capítulo completamente diferente das que normalmente se encontram noutras igrejas e ainda com um túmulo que não sabem de quem é nem por que razão ali está", refere.
E se o Mosteiro dos Jerónimos já desempenhou o papel de Panteão Cívico de Portugal, delegou essa função à Igreja de Santa Engrácia, desde que as suas obras foram finalizadas, em 1960. Desde então, apenas os túmulos de Luís de Camões, Vasco da Gama (à entrada da igreja) e Alexandre Herculano se mantêm nos Jerónimos.
E no caso deste último, é importante recordar que se a Sala do Capítulo foi finalizada, a isso se deve uma determinação das Cortes que, após a morte de Alexandre Herculano, logo se preocupou em encontrar um lugar para acolher o seu túmulo. Por terminar desde o primeiro quartel do século XVI, data do início das obras do mosteiro, a sala seria terminada em 1888.
Texto: Marina Marques, in Diário de Notícias | 16 de Dezembro de 2010 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Manoel de Andrade, o homem e o poeta


Manoel de Andrade tornou-se  alvo do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e teve de deixar o Brasil em 1969. A obra  poética  que produziu nessa época era  inédita  no Brasil .  Com uma publicação bilingue de "Poemas para a Liberdade" pela Editora Escrituras, em 2009, essa "poesia  política, carregada de emoção" foi divulgada no Brasil em língua materna, 40 anos mais tarde.  " Poemas para la libertad " que fora editado em espanhol tinha chegado à Bolívia, levado por contrabandistas equatorianos, ao Peru e à  Colômbia, e em 1971,  à Califórnia, EUA. 
"Os  seus poemas são algumas das pérolas da literatura brasileira condenadas ao ostracismo pelo AI-5". Para o poeta, “Não houve na história um ano com tantas barricadas como em 1968”
Publicámos já, neste espaço,  poemas desses tempos da  Resistência  que são o testemunho de uma vivência de Manoel de Andrade  em prol da justiça, da Liberdade ameaçada e coarctada pela tenebrosa Ditadura, época negra do Brasil.       
Hoje, transcrevemos  uma entrevista que concedeu à "Tarde" que nos permite conhecer  melhor este grande poeta brasileiro.
Saudamos, assim,  o poeta e o homem. Fica, porém,  a promessa de continuar a publicar as palavras que tão destramente lança .

" A Tarde – O senhor viveu os anos dourados de sua trajetória revolucionária fora do Brasil. É lamentável que tenha sido assim?
Manoel de Andrade - Pelo saldo sangrento que a Ditadura deixou na nossa história, minha saída foi o passaporte para a minha sobrevivência. Caso contrário,quem sabe não estivesse a responder esta entrevista, já que quando deixei o Brasil estava sendo procurado pelos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Por outro lado, o importante era estar engajado na luta revolucionária, não importa em que país sua trincheira fosse aberta. O que tenho a lamentar foi o vazio em que caiu minha poesia naquela longa ausência e, posteriormente, pelo meu próprio desinteresse ante as dificuldades de expressão ideológica nos anos que antecederam a abertura democrática. Em 1968 meus versos começavam a ter notoriedade nacional, sobretudo pela sua publicação pela Revista Civilização Brasileira e o amplo destaque que vinha tendo na imprensa do Paraná. A partir da minha saída, em março de 1969, meus versos vieram à luz em outros berços fraternos, contudo não tiveram a insubstituível carícia da pátria, nem o leite materno da língua portuguesa.
A Tarde – Esta experiência foi capaz de gerar, consciente e gradativamente, um cidadão latino- americano?
MA - Sempre me senti um cidadão do mundo. Sentir-se latino-americano é uma postura natural quer pelas nossas origens latinas e ibéricas, quer pelo respeito à herança cultural pré-colombiana e a própria da história libertária do Continente. Esta consciência nos coloca, antes de tudo, diante de uma memória colonial de crimes e injustiças inomináveis. Diante de sua memória o ofício do escritor é sempre um compromisso de resgate, de testemunho, de acusação e de esperança e neste sentido minha experiência de caminhante ampliou minha consciência e, consequentemente, as dimensões dessa cidadania.
A Tarde  – No prefácio de seu livro Poemas para a liberdade o senhor diz que em 2008  sua geração “foi colocada no divã da história para fazer a psicanálise de suas ações e omissões”. Como o senhor se sente neste processo?
MA - Sinto-me muito solitário, a exemplo de outros tantos que ousaram preservar seus sonhos. A recente história política do país é um farto repositório de omissões e concessões. Mas depois de tantos escândalos é irrelevante explicitar exemplos. Os encantos do poder reuniram na pátria romanos e cartagineses e, diante das tantas benesses, as grandes bandeiras foram arriadas e os ideais emudeceram de vergonha. Foram tantas as sementes lançadas pelos nossos sonhos ao longo do país e do Continente. Muitas delas foram sacrificadas. Outras morreram quando mataram nossa utopia. Algumas, contudo, se preservaram no meio de tanto desencanto, resistiram às ilusões do poder e sobreviveram com suas cicatrizes, incorruptíveis na dor e ao silêncio. Algumas dessas sementes são hoje flores solitárias num mundo político com cartas marcadas. Sobrevivem porque ainda sonham. Sabem que no mundo não há mais lugar para heróis e muito menos para o homem novo. Estamos mesmificados pela globalização e, nesta ribalta, somente os mitos são iluminados. Penso que todos aqueles que empunharam suas bandeiras naquela década de lutas deveriam honrar ainda essa memória. Nunca tivemos na história do mundo um ano com tantas barricadas como o ano de 1968. Nesse contexto, meus poemas foram apenas uma solitária expressão daquela luta, porque, nos anais dessa memória, todos sabem que os verdadeiros poemas da bravura não foram escritos em versos.Contudo esse foi o principal motivo porque resolvi, quarenta anos depois, publicar no Brasil os meus Poemas para a liberdade.
AT - Que Manoel de Andrade nasceu daquele processo revolucionário?
MA - Nasceu um cidadão comprometido com todos os homens. Que já não acredita na violência revolucionária para mudar o mundo e que para isso todos devem dar as mãos para empunhar as bandeiras da educação e da paz. Que ainda acredita no sonho de um mundo socialista. Um homem iluminado pelo sol da liberdade e cujo coração é uma aldeia da solidariedade. Um homem despojado de interesses pessoais. Preocupado com a justiça, com o amor ao semelhante e a caridade para os excluídos. Um homem escravo da sua consciência e que busca nunca fazer a ninguém o que não gostaria para si mesmo. Que aprendeu a combater o bom combate, disposto a dar a outra face e perdoar as ofensas. Um homem que respeita o Criador e todas as criaturas,que vê o mundo como poeta e que acredita que a poesia e a música são as mais belas expressões da alma humana. Um homem preocupado com sua transformação moral e que luta para transformar seu egoísmo em amor e seu orgulho em humildade."

Entrevista retirada do site: “a tarde” .
Link: http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=1223417