"A verdade é
amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na
sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse
equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na
composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a
verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela
acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido
noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que
exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós,
é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos
em razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende
connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só
entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente,
se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se
temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a
outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade. "Vergílio Ferreira, in
"Pensar", Livraria Bertrand, 1992
Vergílio Ferreira para sempre numa escrita de marca onde a dissecação interior é tema. Analisa a condição humana fazendo ressaltar a vulnerabilidade dos sentimentos e a encruzilhada que os define. Personagens , por vezes, quase iguais a nós, preenchem o universo vergiliano com a elegância literária que o marca. Quer em escrita diarística, quer em ficção, Vergílio Ferreira será sempre um imenso manancial de leitura e reflexão.
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