8 Life Lessons from Fyodor Dostoievsky (plus 5 writing tips)
Fiction Beast
"As grandes obras de arte passam através de nós como ventos de tempestade, escancarando as portas da percepção, forçando a arquitectura das nossas crenças com os seus poderes transformadores."
George Steiner
Fiódor Dostoiévsky nasceu há duzentos anos, em Novembro de 1821. Se há escritores a celebrar, este grande romancista russo está na primeira linha. Muitas características, que fazem da sua obra intemporal e valiosa, o obrigam. Foi o grande percursor e inspirador da Literatura que se lhe seguiu. Continua a ser uma fonte de inspiração, de aprendizagem, de reflexão. O amor, o ódio, a pobreza, a riqueza, o crime, a perda, a morte, ou seja, a verdadeira experiência humana povoam as páginas dos seus romances. As suas personagens afirmam-se, fazem-se ouvir, quase dialogam independentes do narrador, numa polifonia assertiva que se contradiz ou se expõe desnuda. Uma verdadeira teia de personagens.
O poder transformador da grande obra de Dostoiévsky é e foi real. Marcou gerações novas de escritores e de leitores ávidos e fiéis.
Há uma enorme variedade de textos sobre o autor de Os Irmãos Karamázov (1879), a sua última obra , considerada a sua obra-prima, porém, tendo em conta o espaço , optámos pelo texto que se segue.
Fiódor Dostoiévski, o pai
do existencialismo literário
por Lucas Brandão
"Fiódor Dostoiévski foi um dos escritores mais emblemáticos de todos os tempos, tanto pelo impacto que teve nas correntes romancista e existencialista como na influência que viria a granjear nas gerações vindouras, integrando-se aqui nomes como Sigmund Freud ou Friedrich Nietzsche. De nacionalidade russa, o autor é considerado como um dos pilares da cultura deste país ao lado do também autor Lev Tolstoi. Uma obra marcada pela controvérsia dos seus temas e pela irreverência da sua abordagem, percorrendo tipologias de situações reais como manifestações de loucura, homicídios e suicídios.
Nascido em Moscovo, em 1821, Dostoiévski iniciou a sua carreira literária após se ter licenciado em Engenharia e ter estudado autores como William Shakespeare, Victor Hugo e especialmente Honoré de Balzac. Em 1846, escreveu a sua primeira obra designada por “Gente Pobre”, e foi contundentemente elogiado pelos então mais famosos críticos literários do seu país, como Bielinski. Após outras obras de menor notoriedade e de acabar exilado na Sibéria por ter sido associado a um grupo conspirativo denominado Círculo Petrashevski, adquiriu uma bagagem empírica de grande valor para os subsequentes episódios da sua carreira literária. No romance “O Idiota” (1869), o autor constrói um príncipe que padece da epilepsia, doença que atormentou o autor russo durante toda a sua vida. Em “Recordações da Casa dos Mortos” (1862), expressa as segregações sociais que existiam mesmo dentro da prisão,onde o escritor esteve encarcerado e algumas das suas vivências dentro desta.
No entanto, as suas duas grandes obras, "Crime e Castigo” (1866) e “Os Irmãos Karamazov” (1879), viriam nos anos seguintes. De carácter bem mais metafísico e filosófico, são duas obras que marcaram profundamente os postulados dos teóricos que pontificaram nas décadas seguintes nas mais diversas temáticas. Na primeira obra, é narrada a história de um jovem que comete um homicídio e se vê limitado para prosseguir com a sua vida depois desse marcante episódio. É aqui que se compaginam os primeiros vestígios existencialistas, com Dostoiévski a suscitar a ideia de atingir a salvação através do sofrimento e a dar o mote para que rostos como Jean-Paul Sartre, George Orwell ou Aldous Huxley pudessem moldar as suas alegorias filosóficas. Já na segunda, caraterizada por Sigmund Freud como “a maior obra da história” (o “Complexo de Édipo” teve raízes neste conto), o russo atinge o auge da sua carreira artística ao expor as relações entre três irmãos e o seu pai, movidos pela complexidade psicológica e emocional inerente ao ser humano. Ao mesclar uma série de noções e de personificações, o escritor abre as portas para o mundo do subconsciente e para a nova vaga de concepções filosóficas do Homem, das suas intenções, das circunstâncias subjacentes a esta e da sua conduta.
por Lucas Brandão
"Fiódor Dostoiévski foi um dos escritores mais emblemáticos de todos os tempos, tanto pelo impacto que teve nas correntes romancista e existencialista como na influência que viria a granjear nas gerações vindouras, integrando-se aqui nomes como Sigmund Freud ou Friedrich Nietzsche. De nacionalidade russa, o autor é considerado como um dos pilares da cultura deste país ao lado do também autor Lev Tolstoi. Uma obra marcada pela controvérsia dos seus temas e pela irreverência da sua abordagem, percorrendo tipologias de situações reais como manifestações de loucura, homicídios e suicídios.
Nascido em Moscovo, em 1821, Dostoiévski iniciou a sua carreira literária após se ter licenciado em Engenharia e ter estudado autores como William Shakespeare, Victor Hugo e especialmente Honoré de Balzac. Em 1846, escreveu a sua primeira obra designada por “Gente Pobre”, e foi contundentemente elogiado pelos então mais famosos críticos literários do seu país, como Bielinski. Após outras obras de menor notoriedade e de acabar exilado na Sibéria por ter sido associado a um grupo conspirativo denominado Círculo Petrashevski, adquiriu uma bagagem empírica de grande valor para os subsequentes episódios da sua carreira literária. No romance “O Idiota” (1869), o autor constrói um príncipe que padece da epilepsia, doença que atormentou o autor russo durante toda a sua vida. Em “Recordações da Casa dos Mortos” (1862), expressa as segregações sociais que existiam mesmo dentro da prisão,onde o escritor esteve encarcerado e algumas das suas vivências dentro desta.
No entanto, as suas duas grandes obras, "Crime e Castigo” (1866) e “Os Irmãos Karamazov” (1879), viriam nos anos seguintes. De carácter bem mais metafísico e filosófico, são duas obras que marcaram profundamente os postulados dos teóricos que pontificaram nas décadas seguintes nas mais diversas temáticas. Na primeira obra, é narrada a história de um jovem que comete um homicídio e se vê limitado para prosseguir com a sua vida depois desse marcante episódio. É aqui que se compaginam os primeiros vestígios existencialistas, com Dostoiévski a suscitar a ideia de atingir a salvação através do sofrimento e a dar o mote para que rostos como Jean-Paul Sartre, George Orwell ou Aldous Huxley pudessem moldar as suas alegorias filosóficas. Já na segunda, caraterizada por Sigmund Freud como “a maior obra da história” (o “Complexo de Édipo” teve raízes neste conto), o russo atinge o auge da sua carreira artística ao expor as relações entre três irmãos e o seu pai, movidos pela complexidade psicológica e emocional inerente ao ser humano. Ao mesclar uma série de noções e de personificações, o escritor abre as portas para o mundo do subconsciente e para a nova vaga de concepções filosóficas do Homem, das suas intenções, das circunstâncias subjacentes a esta e da sua conduta.
De
uma abrangência extraordinária e de uma acuidade social bastante afinada, os
romances de Dostoiévski abrem a discussão de conceitos que até então poucos se
tinham atrevido a debater, tais como as causas patológicas que levam à
corporização dos suicídios e da autodestruição de um dado sujeito. Ao invés de
situar a narrativa somente numa perspectiva mundana e superficial, o russo
arrisca ao aventurar-se no campo da metafísica e no refúgio do Homem a esses
preceitos e entidades intangíveis. Reflectindo subtilmente na ortodoxia e na
intransigência czarista, Fiódor aborda também os valores essencialmente
espirituais que se esmorecem e na emergência da ganância, do orgulho e do
suicídio como via de escape para quem não percepciona a fuga possível a uma
sociedade obtusa e intrincada. Apesar de Dostoiévski não se coibir de criticar
as vicissitudes russas, o escritor moldava as suas personagens à imagem das
várias camadas sociais da sua nação, como os cristãos modestos, os intelectuais
insurgentes, os gananciosos cínicos e os existencialistas radicais que atingiam
o patamar do niilismo. Tal como Lev Tolstoi, celebrizou alguns mitos tais como
os limites da vida e morte e da razão e lógica associados a elementos da
natureza. A componente espácio-temporal acaba por se subjugar à envolvência das
personagens e às suas idiossincrasias, passando despercebida na dinâmica
literária do autor.
Impregnado e contextualizado num decadente czarismo, Fiódor Dostoiévski teve um papel de enorme relevância ao expor as limitações políticas e sociais da Rússia do século XIX, através do seu trabalho literário. Não obstante esta sua faceta, o autor destacou-se sobretudo pelo cariz filosófico que conferiu às suas obras, assumindo com arrojo a explanação de emergentes correntes de pensadores e a sua compaginação em romances. Estabelecendo a ponte entre o tradicional romantismo e o incipiente existencialismo, Dostoiévski foi o embaixador de importantes intelectuais das décadas vindouras e abriu as portas para um novo mundo que, até então, era pouco mais que tabu. O russo foi um dos pioneiros no desmascarar dos preconceitos da sociedade e na exposição da sua decadência amorfa e entrópica. Foi com base nas suas obras, que Nietzsche, Freud, Sartre e Camus puderam questionar a sociedade e contemplar os seus contemporâneos com novas visões da realidade. Fiódor Dostoiévski afirmou-se, assim, como um despertador de consciências e como o apresentador de um novo mundo, onde a razão tentou explicar a vida e até a emoção.”
Impregnado e contextualizado num decadente czarismo, Fiódor Dostoiévski teve um papel de enorme relevância ao expor as limitações políticas e sociais da Rússia do século XIX, através do seu trabalho literário. Não obstante esta sua faceta, o autor destacou-se sobretudo pelo cariz filosófico que conferiu às suas obras, assumindo com arrojo a explanação de emergentes correntes de pensadores e a sua compaginação em romances. Estabelecendo a ponte entre o tradicional romantismo e o incipiente existencialismo, Dostoiévski foi o embaixador de importantes intelectuais das décadas vindouras e abriu as portas para um novo mundo que, até então, era pouco mais que tabu. O russo foi um dos pioneiros no desmascarar dos preconceitos da sociedade e na exposição da sua decadência amorfa e entrópica. Foi com base nas suas obras, que Nietzsche, Freud, Sartre e Camus puderam questionar a sociedade e contemplar os seus contemporâneos com novas visões da realidade. Fiódor Dostoiévski afirmou-se, assim, como um despertador de consciências e como o apresentador de um novo mundo, onde a razão tentou explicar a vida e até a emoção.”
Lucas Brandão, publicado em Comunidade, Cultura e Arte, (13 Novembro, 2017)