Coisas que só eu sei ( conclusão)
por Camilo Castelo Branco
IX
“Li a tua carta, Carlos, com os olhos cheios de lágrimas, e o coração de reconhecimento. Não esperava tanto da tua sensibilidade. Fiz-te a injustiça de te julgar infeccionado deste marasmo de egoísmo que entorpece o espírito, e calcina o coração. E, demais, supunha-te insensível pelo facto de seres inteligente. Eis aqui um disparate, que eu não ousaria balbuciar na presença do mundo. O que vale é que as minhas cartas não serão lidas pelas mediocridades, que se acham em concílio permanente para condenar, em nome de não sei que tolas conveniências, as heresias do génio.
Deixa-me dizer-te francamente o juízo que eu formo do homem transcendente em génio, em estro, em fogo, em originalidade, finalmente em tudo isso que se inveja, que se ama, e que se detesta, muitas vezes.
O homem de talento é sempre um mau homem. Alguns conheço eu que o mundo proclama virtuosos e sábios. Deixá-los proclamar. O talento não é sabedoria. Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobra a ciência. O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia. Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias. Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos. Compara as vicissitudes dessas duas mulheres e os serviços prestados à humanidade por esses homens, e terás encontrado o antagonismo social em que lutam o talento com a sabedoria.
Porque é mau o homem de talento? Essa bela flor porque tem no seio um espinho envenenado? Essa esplêndida taça de brilhantes e ouro porque é que contém o fel, que abrasa os lábios de quem a toca?
Aqui tens um tema para trabalhos superiores à cabeça de uma mulher, ainda mesmo reforçada por duas dúzias de cabeças académicas!
Lembra-me ouvir dizer a um doido que sofria por ter talento. Pedi-lhe as circunstâncias do seu martírio sublime, e respondeu-me o seguinte com a mais profunda convicção, e a mais tocante solenidade filosófica : os talentos são raros, e os estúpidos são muitos. Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento : são os vândalos do mundo espiritual. O talento não tem partido nesta peleja desigual. Foge, dispara na retirada um tiroteio de sarcasmos pungentes, e, por fim, isola-se, segrega-se do contacto do mundo, e curte em silêncio aquele fel de vingança, que, mais cedo ou mais tarde, cospe na cara de algum inimigo, que encontra desviado do corpo do exército.
Ai tem, - acrescentou ele - a razão por que o homem de talento é perigoso na sociedade. O ódio inspira-lhe e eloquência da tracção. A mulher que lhe ouve o astucioso hino das suas apaixonadas lamúrias, acredita-o, abandona-se, perde-se, e retira-se, por fim, gritando contra o seu algoz, e pedindo à sociedade que grite com ela.
Agora, diz-me tu, Carlos, até que ponto devemos acreditar este doido. Eu por mim não me satisfaço com o seu sistema, todavia sinto-me propensa a aperfeiçoar o prisma do doido, até encontrar as cores inalteráveis do juízo.
Seja o que for, eu creio que és uma excepção e não sofra com isto a tua modéstia. A tua carta fez-me chorar, e acredito que sofrias, escrevendo-a. Hás-de continuar a visitar-me espiritualmente na minha Tebaida, sem cilícios, sim?
Agora conclua-se a história, que leva seus visos de folhetim filosófico, moral, social, e não sei que mais por aí se diz, que não vale nada.
Contraí amizade com a filha do visconde do Prado. Não era ela, porém, tão íntima que me levasse a declarar-lhe que Vasco de Seabra não era meu irmão. Por ele me fora imposto, como preceito, o segredo de nossas relações. Bem longe estava eu de compreender este zelo de virtuosa honestidade, quando a mão de um demónio me tirou a venda dos olhos.
Vasco amava Laura!! Eu pus dois pontos de admiração, mas acredita que foi uma urgência retórica, uma composição artística, que me obrigou a admirar-me, escrevendo, de coisas que me não admiram, pensando.
Que é o que levou tão depressa este homem a aborrecer-me, pobre mulher, que desprezei o mundo, e me desprezei a mim própria para satisfazer-lhe o capricho de alguns meses? Foi uma miséria que ainda hoje me envergonha, suposto que esta vergonha devesse ser um reflexo das faces dele… Vasco amava a filha do visconde do Prado, a Laura de alguns meses antes, porque a Elisa de hoje era a herdeira de não sei quantos centos de contos de réis.
Devo envergonhar-me de ter amado este homem, não é verdade, Carlos? Não devo sofrer um instante a perda de um miserável, que eu vejo daqui com uma grilheta de ouro algemada a uma perna, tapando em vão os ouvidos para não ouvir-lhe o ruído… a sentença do forçado que o segue até ao fim de uma existência farta de opróbrio, e célebre de infâmias!
E não sofro, Carlos! Tenho aqui no seio uma úlcera que não tem cura… Choro, porque é intensa a dor que ela me causa… Mas, olha, não tenho lágrimas que não sejam remorsos… Não tenho remorsos que não sejam picados pela afronta que fiz a minha mãe, e a meu irmão… Não me dói o meu próprio aviltamento, não! Se em minha alma cabe algum entusiasmo, algum desejo, é o entusiasmo da penitência, é o desejo de torturar-me…
Fugi tanto da história, meu Deus!… Desculpa estes desvios, meu paciente amigo!… Eu queria correr muito sobre o que falta, e hei-de consegui-lo, porque não posso parar, e temo de me converter em estátua, como a mulher de Loth, quando olho com atenção para o meu passado…
O visconde do Prado convidou Vasco de Seabra a ser seu genro. Vasco não sei como recebeu o convite; o que eu sei é que os vínculos destas relações estreitaram-se muito, e Elisa, desde esse dia, expandiu-se comigo em intimidades do seu passado, todas mentirosas. Estas intimidades eram o prólogo de outra que tu avaliarás. Foi ela a própria que me disse que esperava ainda poder chamar-me irmã! Isto é uma atrocidade sublime, Carlos! Diante dessa dor calam-se todas as agonias possíveis! O insulto não podia ser mais despedaçador! O punhal não podia entrar mais dentro no virtuoso coração da pobre amante de Vasco de Seabra!… Agora, sim, que eu quero a tua admiração, meu amigo! Tenho direito à tua compaixão, se não podes estremecer de entusiasmo diante do heroísmo de uma mártir! Ouvi este anúncio dilacerante!… Senti fugir-me o entendimento… Aquela mulher sufocou-me a voz na garganta… Horrorizei-me não sei se dela, se dele, se de mim… Nem uma lágrima!… Acreditei-me doida… Senti-me estúpida daquele idiotismo pungente que faz chorar os estranhos, que nos vêem nos lábios um sorriso de imbecilidade…
Elisa parece que recuou aterrada da expressão da minha fisionomia… Fez-me não sei que perguntas… Não me lembro mesmo se aquela mulher permaneceu diante de mim… Basta!… Não posso prolongar esta situação…
Na tarde desse mesmo dia, chamei uma criada da hospedaria. Pedi-lhe que me vendesse algumas jóias de pouco valor que eu possuía; eram minhas; minhas não… Eram um roubo que eu fiz a minha mãe.
Na manhã do dia seguinte, quando Vasco, depois do almoço, visitava o visconde do Prado, escrevi estas linhas :
“Vasco de Seabra não pode gloriar-se de ter desonrado Henriqueta de Lencastre. Esta mulher sentia-se digna de uma coroa de virgem, virgem do coração, virgem na sua honra, quando abandonava um vilão, que não pôde infectar da sua infâmia o coração da mulher que arrastou ao abismo da sua lama, sem lhe salpicar a cara. Foi a Providência que a salvou!”
Deixei este escrito sobre as luvas de Vasco, e fui à estação dos caminhos de ferro.
Dois dias depois entrava um paquete.
Ao ver a minha pátria, cobri o rosto com as mãos, e chorei… Era a vergonha e o remorso. Diante do Porto senti uma inspiração do céu. Saltei numa catraia, e pouco depois achava-me nesta terra, sem um conhecimento, sem o apoio e sem subsistência para muitos dias.
Entrei em casa de uma modista, e pedi obra. Não ma negou. Aluguei uma água-furtada, onde trabalho há quatro anos; onde, há quatro anos, comprimo bem aos rins, segundo a linguagem antiga, os cilícios do meu remorso.
Minha mãe e meu irmão vivem. Julgam-me morta, e eu peço a Deus que não haja um indício da minha vida. Sê-me tu fiel, meu generoso amigo, não me denuncies, pela tua honra e pela sorte de tuas irmãs.
Tu sabes o resto. Ouviste, no teatro, Elisa. Foi ela a que me disse que o seu marido a abandonara, chamando-lhe Laura. Aquela está punida…
Sofia… (lembras-te de Sofia?) Essa é uma pequena aventura, que aproveitei para tornar menos insípidas aquelas horas em que me acompanhaste… Foi uma rival que não honra ninguém… Uma Laura com os respeitos públicos, e as considerações que se barateiam a corpos ulcerosos, contando que se vistam de veludos matizados. Ainda eu era feliz, quando o infame amante dessa mulher me dava aquele anel, que viste, como oblação de sacrifício que me fazia de um rival…
Escreve-me.
Hás-de ouvir-me no próximo Carnaval.
Por último, Carlos, deixa-me fazer-ta uma pergunta : Não me achas mais defeituosa que o nariz daquela andaluza da história que te contei?
Henriqueta.”
X
É natural a exaltação de Carlos, depois de erguido o véu, em que se escondiam os mistérios de Henriqueta. Alma apaixonada pela poesia do belo e pela poesia da desgraça, Carlos não teve nunca impressão na vida que mais lhe incendiasse uma paixão.
As cartas a Ângela Micaela eram o desafogo do seu amor sem esperança. Os mais ferventes êxtases da sua alma de poeta, imprimiu-os naquelas cartas escritas debaixo de uma impressão que lhe roubava a tranquilidade do sono, e o refúgio de outros afectos.
Henriqueta respondera concisamente às explosões de um delírio que nem sequer a fazia tremer pelo seu futuro. Henriqueta não podia amar. Arrancaram-lhe pela raiz a flor do coração. Esterilizaram-lhe a árvore dos belos frutos, e envenenaram-lhe de sarcasmo e ironia os instintos do carinho brando, que acompanham a mulher até a sepultura.
Carlos não podia suportar uma repulsa nobre. Persuadira-se que havia um escalão moral para todas. Confiava no seu ascendente em não sei que mulheres, entre as quais lhe não fora penoso nunca fixar o dia do seu triunfo.
Homens assim, quando encontram um estorvo, apaixonam-se seriamente. O amor-próprio, angustiado nos apertos de uma impossibilidade invencível, adquire uma nova feição, e converte-se em paixão, como as paixões primeiras, que nos sopram a tempestade no límpido lago da adolescência.
Carlos, em último recurso, precisava saber onde morava Henriqueta. No lance extremo de um desafogo, iria ele, audacioso, humilhar-se aos pés daquela mulher, que a não poder amá-lo, choraria com ele ao menos.
Estas preciosas futilidades escaldavam-lhe a imaginação, quando lhe ocorreu a astuciosa lembrança de surpreender a morada de Henriqueta surpreendendo a pessoa que no correio lhe tirava as cartas, subscritas a Ângela Micaela.
Conseguiu o comprometimento de um empregado do correio, Carlos empregou nesta missão um vigia insuspeito.
No dia do correio, uma velha, mal trajada, pediu a carta n° 628. O que a entregou fez um sinal a um homem que passeava no corredor, e este homem seguiu de longe a velha até ao campo de Santo Ovídio. Feliz das vantagens que lucrara em tal comissão, correu a encontrar-se com Carlos. É ocioso descrever a precipitação com que o enamorado mancebo, espiritualizado por algumas libras, correu à indicada casa. Em honra de Carlos, é necessário dizer que aquelas libras representavam a eloquência com que ele tentaria mover a velha em seu favor, por isso que, à vista das informações que tivera da pobreza da casa, concluiu que não era ali a residência de Henriqueta.
Acertou.
A confidente de Henriqueta fechava a porta da sua baiúca, quando Carlos se aproximou, e muito urbanamente lhe pediu licença para dizer-lhe duas palavras.
A velha, que não podia recear alguma agressão traiçoeira aos seus virtuosos oitenta anos, franqueou os umbrais da sua pocilga, e prestou ao seu hóspede a cadeira única do seu camarim de tecto de vigas e pavimento de lajes.
Carlos principiou como devia o seu ataque. Lembrado da chave com que Bernardes manda fechar os sonetos, aplicou-a à abertura da prosa, e conheceu de pronto as vantagens de ser clássico, quando convém. A velha, quando viu cair no regaço duas libras, sentiu o que nunca sentira a mais carinhosa das mães, com dois filhinhos no colo. Luziram-lhe os olhos, e dançaram-lhe os nervos em todas as evoluções dos seus vinte e cinco anos.
Feito isto, Carlos precisou a sua missão nos seguintes termos :
“Esse pequeno donativo, que lhe faço, há-de ser repetido, se vossemecê me fizer um grande serviço, que pode fazer-me. Vossemecê recebeu, há pouco, uma carta, e vai entregá-la a uma pessoa, cuja felicidade está nas minhas mãos. Estou certo que vossemecê não há-de querer ocultar-me a morada dessa senhora, e privá-la de ser feliz. O serviço que tenho a pedir-lhe, e a pagar-lhe bem, é este; pode fazer-mo?”
A frágil mulher, que não se sentia bastante heroína para ir de encontro à legenda que D. João V fez gravar nos cruzados, deixou-se vencer, com mais algumas reflexões e denunciou o santo asilo das lágrimas de Henriqueta, segunda vez atraiçoada por uma mulher, frágil à tentação de ouro, que lhe roubara um amante, e vem agora devassar-lhe o seu sagrado refúgio.
Poucas horas depois, Carlos entrava numa casa da Rua dos Pelames, subia a um terceiro andar, e batia a uma porta, que lhe não foi aberta. Esperou. Momentos depois, subia um rapaz com uma caixa de chapéu de senhora : bateu; perguntaram de dentro quem era, o rapaz falou, e a porta foi imediatamente aberta.
Henriqueta estava sem dominó na presença de Carlos.
Foi sublime esta aparição. A mulher que Carlos viu, não saberemos nós pintá-la. Era o original dessas esplêndidas iluminuras que o pincel do século XVI fazia saltar da tela, e consagrava a Deus, denominando-as Madalena, Maria Egipcíaca e Margarida de Cortona.
O homem é fraco, e sente-se mesquinho perante a majestade da beleza! Carlos sentiu-se dobrar nos joelhos; e a primeira palavra que balbuciou foi “Perdão”!
Henriqueta não pôde receber com a firmeza que devia supor-se-lhe uma tal surpresa. Sentou-se e limpou o suor que lhe correra de improviso todo o corpo.
A coragem de Carlos desmereceu do muito em que ele a tinha. Sucumbiu, e nem ao menos lhe deixou o dom dos lugares-comuns. Silenciosos, olhavam-se com uma simplicidade infantil, indigna de ambos. Henriqueta revolvia no pensamento a indústria com que o seu segredo fora violado. Carlos invocava ao coração palavras que o salvassem daquela crise, que o materializava por ter tocado o extremo do espiritualismo.
Não nos faremos cargo de satisfazer as despóticas exigências do leitor, que pede contas das interjeições e das reticências de um diálogo.
O que podemos garantir-lhe, debaixo da nossa palavra de folhetinista, é que a musa das lamentações desceu à invocação de Carlos, que, por fim, desenvolveu toda a eloquência da paixão. Henriqueta ouviu-o com a seriedade com que uma rainha absoluta escuta um ministro da fazenda, que lhe conta os chatíssimos e maçudos negócios das finanças.
Sorria-se, às vezes, e respondia com um ressaibo de mágoa e de ressentimento, que matava, no nascedouro, os transportes do seu infeliz amante.
As suas últimas palavras, essas sim, são signas de se arquivarem para escarmento daqueles que se julgam herdeiros dos raios de Júpiter Olímpico, quando se empavonam de fulminar as mulheres que tiveram a desventura de se queimarem, como as mariposas, no lume eléctrico de seus olhos. Foram estas as suas palavras:
— “Sr. Carlos! Até hoje os nossos espíritos viveram ligados por umas núpcias que eu pensei não perturbarem a nossa cara tranquilidade, nem escandalizarem a caprichosa opinião pública. De ora em diante, um solene divórcio entre os nossos espíritos. Estou punida de mais. Fui fraca e talvez má, em prender-lhe a sua atenção num baile mascarado. Perdoe-me, que sou, por isso, mais desgraçada do que pensa. Seja meu amigo. Não me envenene esta santa obscuridade, este círculo estreito da minha vida, em que a mão de Deus tem derramado algumas flores. Se não pode avaliar o travo das minhas lágrimas, respeite cavalheiramente uma mulher que lhe pede com as mãos erguidas o favor, a piedade de a deixar sozinha com o segredo da sua desonra, que eu prometo nunca mais alargar a minha alma nestas revelações, que morreriam comigo, se eu pudesse suspeitar que atraía com elas a minha desgraça…”
Henriqueta continuava, quando Carlos, com lágrimas de uma dor sincera, lhe pedia ao menos a sua estima, e lhe entregava as suas cartas, debaixo do sagrado juramento de nunca mais a procurar.
Henriqueta, entusiasmada pelo patético desta nobre rogativa, apertou ansiosamente a mão de Carlos, e despediram-se.
E nunca mais se viram.
Mas o leitor tem o direito a saber mais alguma coisa.
Carlos, um mês depois, partiu para Lisboa, colheu as necessárias informações, e entrou em casa da mãe de Henriqueta. Uma senhora, vestida de luto, e encostada a duas criadas, veio encontrá-lo numa sala.
— “Não tenho a honra de conhecer…” - disse a mãe de Henriqueta.
— “Sou um amigo…”
— “De meu filho?!…” - interrompeu ela. - “Vem-me dar parte do triste acontecimento?… Eu já o sei!… Meu filho é um assassino!…”
E prorrompeu num choro, que a não deixava articular palavras.
— “O filho de V. Exa assassino!…” - interpelou Carlos.
— “Sim… Sim… Pois não sabe que ele matou em Londres o sedutor da minha desgraçada filha?!… da minha filha… assassinada por ele…”
— “Assassinada, sim, mas só na sua honra” - atalhou Carlos.
— “Pois minha filha vive!… Henriqueta vive!… Oh meu Deus, meu Deus, eu vos agradeço!…”
A pobre senhora ajoelhou, as criadas ajoelharam com ela, e Carlos sentiu um calafrio nervoso, e uma exaltação religiosa, que quase o fizeram ajoelhar com aquele grupo de mulheres, cobertas de lágrimas.
Dias depois, Henriqueta era procurada no seu terceiro andar, por seu irmão, e choravam ambos abraçados com toda a expansão de uma dor represada.
Houve aí um drama de agonias grandiosas, que a linguagem do homem não saberá descrever nunca.
Henriqueta abraçou sua mãe, e entrou num convento onde pede incessantemente a Deus a salvação de Vasco de Seabra.
Carlos é o íntimo amigo desta família, e conta este lance da sua vida como um heroísmo digno de outras épocas.
Laura, viúva de quatro meses, contrai segundas núpcias, e vive feliz com o seu segundo marido, digno dela.
Acabou o conto."
Camilo Castelo Branco, in "Coisas que só eu sei", Editora Relógio D'Água.