terça-feira, 22 de março de 2022

Morrer por uma ideia, por uma visão ou por uma utopia


Morrer por uma ideia, por uma visão ou por uma utopia
por Eugénio Lisboa
“Perguntaram um dia ao filósofo Bertrand Russell se seria capaz de morrer por uma ideia. Como filósofo cristalino e frontal, que era, respondeu sem hesitar: “Não, porque poderia estar errado.” Irrefutável. Qualquer não fanático, com a mente asseada, sabe que pode sempre estar errado. Só os fanáticos acreditam em “verdades”. Os cientistas e os filósofos, não. Mesmo o mais notável pensador pode estar errado e o mais provável é estar. Portanto, se uma ideia pode estar errada, morrer por ela é um rotundo disparate. Mas, se não se deve morrer por uma ideia, muito menos se deve matar por ela. No entanto, é o que mais se tem visto por aí, desde tempos imemoriais. Muitos muçulmanos ainda hoje matam “infiéis”, isto é, gente que não acredita no que eles acreditam, como "verdade". Os jihadistas fazem-no com grande profusão e de boa consciência. Esses, ao menos, fazem-no pela medida grande: matam e matam-se, por uma crença, que teria alegadamente sido bichanada por Alá ao ouvido do seu profeta Mahomé. A Igreja Católica fê-lo também, com abundante derramamento de sangue – as cruzadas foram uma ignomínia – e puseram de pé um aparelho repressivo, chamado Inquisição, que torturou e matou, com sinistra eficácia, milhares de seres humanos a quem não fora dada a felicidade de acreditarem no mesmo em que ela acreditava e impunha que se acreditasse. Outras religiões, como o comunismo de Staline ou a revolução cultural de Mao fizeram o genocida Hitler quase parecer um menino de coro. Pol Pot, líder do Cambodja, liquidou, a bem da sua “verdade”, 1.5 a 2 milhões de compatriotas (um quarto da população do país). A dissidência tem sido um mau negócio para os que insistem em pensar pela sua cabeça. Mais recentemente, apareceu Putine, com a desculpa esfarrapada de que estava a usar apenas uma “missão especial” devido ao desconforto de umas populações russas no sudeste da Ucrânia. A tal “missão especial” tem consistido em destruir um país lindíssimo, dotado de duas belíssimas cidades – Kiev e Odessa - , arrasando prédios de habitação, hospitais, maternidades, armazéns de alimentos e milhares de pessoas, mortas, além de para cima de três milhões desalojadas e exiladas. Um filósofo usando uma lógica simplista, sugeriria que em vez de uma guerra dantesca, ficava mais barato e destruía menos, enviarem os russos, de acordo com os ucranianos, uns transportes que levassem os ditos russos do sudeste da Ucrânia, para se estabelecerem nos vastos espaços desocupados da grande Rússia. Mas isto, além de ser demasiado simples, ia obviamente contra o “orgulho” próprio da utopia imperialista de Putine, uma das tais “ideias” pelas quais os tiranos não se importam de mandar matar, aos milhões, e destruir até perder de vista. Eu acho que deve haver, nos habitáculos e labirintos da psiquiatria, um nome, para esta doença de que sofre o actual czar da Rússia. Há quem diga que não, que o rapaz é só muito “determinado”. Chamem-lhe o que quiserem. Uma junta médica não faria mal nenhum ao mundo. Para ele e outros que andam por aí. Há vários e são todos muito desnecessários.”
Eugénio Lisboa, 21.03.2022

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