Morrer por uma ideia, por uma visão ou por uma utopia
por Eugénio Lisboa
“Perguntaram um dia ao filósofo Bertrand Russell se seria capaz de morrer por uma ideia. Como filósofo
cristalino e frontal, que era, respondeu sem hesitar: “Não, porque poderia
estar errado.” Irrefutável. Qualquer não fanático, com a mente asseada, sabe
que pode sempre estar errado. Só os fanáticos acreditam em “verdades”. Os
cientistas e os filósofos, não. Mesmo o mais notável pensador pode estar errado
e o mais provável é estar. Portanto, se uma ideia pode estar errada, morrer por
ela é um rotundo disparate. Mas, se não se deve morrer por uma ideia, muito
menos se deve matar por ela. No entanto, é o que mais se tem visto por aí,
desde tempos imemoriais. Muitos muçulmanos ainda hoje matam “infiéis”, isto é, gente
que não acredita no que eles acreditam, como "verdade". Os jihadistas
fazem-no com grande profusão e de boa consciência. Esses, ao menos, fazem-no
pela medida grande: matam e matam-se, por uma crença, que teria alegadamente
sido bichanada por Alá ao ouvido do seu profeta Mahomé. A Igreja Católica fê-lo
também, com abundante derramamento de sangue – as cruzadas foram uma ignomínia
– e puseram de pé um aparelho repressivo, chamado Inquisição, que torturou e
matou, com sinistra eficácia, milhares de seres humanos a quem não fora dada a
felicidade de acreditarem no mesmo em que ela acreditava e impunha que se
acreditasse. Outras religiões, como o comunismo de Staline ou a revolução
cultural de Mao fizeram o genocida Hitler quase parecer um menino de coro. Pol
Pot, líder do Cambodja, liquidou, a bem da sua “verdade”, 1.5 a 2 milhões de
compatriotas (um quarto da população do país). A dissidência tem sido um mau
negócio para os que insistem em pensar pela sua cabeça. Mais recentemente,
apareceu Putine, com a desculpa esfarrapada de que estava a usar apenas uma
“missão especial” devido ao desconforto de umas populações russas no sudeste da
Ucrânia. A tal “missão especial” tem consistido em destruir um país lindíssimo,
dotado de duas belíssimas cidades – Kiev e Odessa - , arrasando prédios de
habitação, hospitais, maternidades, armazéns de alimentos e milhares de pessoas,
mortas, além de para cima de três milhões desalojadas e exiladas. Um filósofo
usando uma lógica simplista, sugeriria que em vez de uma guerra dantesca,
ficava mais barato e destruía menos, enviarem os russos, de acordo com os
ucranianos, uns transportes que levassem os ditos russos do sudeste da Ucrânia,
para se estabelecerem nos vastos espaços desocupados da grande Rússia. Mas isto,
além de ser demasiado simples, ia obviamente contra o “orgulho” próprio da
utopia imperialista de Putine, uma das tais “ideias” pelas quais os tiranos não
se importam de mandar matar, aos milhões, e destruir até perder de vista. Eu
acho que deve haver, nos habitáculos e labirintos da psiquiatria, um nome, para
esta doença de que sofre o actual czar da Rússia. Há quem diga que não, que o
rapaz é só muito “determinado”. Chamem-lhe o que quiserem. Uma junta médica não
faria mal nenhum ao mundo. Para ele e outros que andam por aí. Há vários e são todos muito desnecessários.”
Eugénio Lisboa, 21.03.2022
Sem comentários:
Enviar um comentário