quarta-feira, 2 de março de 2022

Crónicas da Infâmia


A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto
         Fernando Pessoa 

Crónicas da Infâmia  
7 -  Da compaixão à Ucrânia
Tentar glosar  um poema de Fernando Pessoa é um atrevimento para qualquer um. Há quem o faça com talento porque detém uma oficina poética extraordinária. Não é o meu caso e, se o tento, apenas o faço porque a morte nunca foi tanto a curva da estrada como nestes dias. Uma curva que está na Ucrânia e que , na cabeça insana de um ditador, se pode deslocar para qualquer parte deste nosso mundo. 
Permitir e assistir, na plateia, à invasão e destruição de um país é  abrir a porta à infâmia. Sim , à infâmia. Que mais se pode permitir, quando , perante os nossos olhos, caem bombas, se esmaga com tanques quem circula na estrada, se destrói habitações, se mata e mete em fuga, do seu país,  milhares de crianças e mulheres indefesas. Morrer já não é só não ser visto . A morte  é a curva da estrada ucraniana  destes dias. A vergonha deste tempo. A infâmia que nem o mundo soube erradicar. 
E onde está a compaixão? Quando se mata , se chacina  sem complacência, em nome de uma inverdade criminosa ,   onde está a compaixão do mundo?!  Sim, a compaixão? 
Se a compaixão não pode ser   permissiva nem  contemplativa, como é possível dizimar um país que nada mais anseia do que viver a sua liberdade, a sua identidade,  a sua própria independência ?!  A compaixão não pode aceitar  que um povo deixe de ter o seu lugar no mundo. Como é possível a esse mundo tornar-se espectador de tão vil atrocidade?! Não haverá infâmia maior do que dar alimento a alguém e permitir  que o vizinho do lado  o roube e o deixe morrer de fome?! 
E que compaixão é tão frouxa que  apenas  enche de lágrimas os olhos e o coração ao ver matar uma criança de seis anos?! A  ausência de compaixão não  semeia paz. O ódio, o  desamor são  as suas virtudes.
Mas a real e inequívoca  infâmia está no  silêncio complacente que propiciou o aniquilamento de outras regiões do leste caucasiano, da Ucrânia  e, agora,  de todo esse grande  país: a Ucrânia. Nem Prometeu o sonhou.
Os tiranos, os déspotas traduzem o silêncio numa anuência consentida. E Putin soube sempre que, só do silêncio,  poderia sair reescrita,  com letra escarlate, a infame  história do seu império perdido.
Que Deus não salve Putin. Viva a Ucrânia!
Praia da Rocha,  1 de Março de 2022
Maria José Vieira de Sousa

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