quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Que palavras podem os vivos dizer

"Ah, mas que palavras podem os vivos dizer aos mortos? " Cecília Meireles

AMÉN
Hoje acabou-se-me a palavra,
E nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara
Também!

A profusão do mundo, imensa,
Tem tudo, tudo – e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?

Fala-se com os homens, com os santos,
Consigo, com Deus…E ninguém
Entende o que se está contando
E a quem…

Mas terra e sol, luas e estrelas
Giram de tal maneira bem
Que a alma desanima de queixas.
Amén.
Cecília Meireles, in “ Vaga Música, Antologia Poética",Relógio  D'Água Editores, 2002


Lua Adversa

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha

Fases que vão e que vêm,
 no secreto calendário
 que um astrólogo arbitrário
 inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
 não é dia de eu ser sua...
 E, quando chega esse dia,
 o outro desapareceu...
Cecília Meireles, in “ Vaga Música “, Editora Global

Canção excêntrica
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrita
não me animo a um breve traço:
-saudosa do que não faço,
-do que faço, arrependida.
Cecília Meireles, in “ Vaga Música “, Editora Global

Pequena canção
Pássaro da lua,
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?

Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...

Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!
Cecília Meireles, in “ Vaga Música “, Editora Global

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