"Ah, mas que palavras podem os vivos dizer aos mortos? " Cecília Meireles
Lua Adversa
AMÉN
Hoje acabou-se-me a palavra,
E nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara
Também!
A profusão do mundo, imensa,
Tem tudo, tudo – e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?
Fala-se com os homens, com os santos,
Consigo, com Deus…E ninguém
Entende o que se está contando
E a quem…
Mas terra e sol, luas e estrelas
Giram de tal maneira bem
Que a alma desanima de queixas.
Amén.
Cecília Meireles, in “ Vaga Música, Antologia Poética",Relógio D'Água Editores, 2002
Lua Adversa
Tenho fases, como
a lua
Fases de andar
escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de
ser sozinha
Fases que vão e
que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a
melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro
com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meireles, in “ Vaga Música “, Editora Global
Canção excêntrica
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero uma despedida.
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.
é já distância perdida.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrita
não me animo a um breve traço:
-saudosa do que não faço,
-do que faço, arrependida.
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrita
não me animo a um breve traço:
-saudosa do que não faço,
-do que faço, arrependida.
Cecília Meireles, in “ Vaga Música “, Editora Global
Pequena canção
Pássaro da lua,
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?
Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...
Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!
Pássaro da lua,
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?
Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...
Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!
Cecília Meireles, in “ Vaga Música “, Editora Global
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