“[...] quando lemos versos que são realmente admiráveis, realmente bons, temos a tendência para o fazer em voz alta. Um verso bom não permite ser lido em voz baixa, ou em silêncio. Se pudermos fazê-lo, não é um verso válido: o verso exige ser pronunciado. O verso recorda sempre que foi uma arte oral antes de ser uma arte escrita, recorda que foi um canto.” Jorge Luis Borges
Não queiras
vê-lo,
Nem perguntes
o que eu fiz
Quando há
pouco fui olhar-me
Depois de
falar contigo
E em que
chorei de saudade!
Quebrei-o
porque não quero
Aceitar a
realidade!
Não digas, —
não vás supor
Que foi uma
cobardia,
Ou nervos, ou
pessimismo,
Ou uma
simples fantasia!...
Não, amor: o
nosso drama
— O meu!, tem
essa tragédia
Da consciência
que eu ponho
Sem querer,
sem a chamar,
Para ouvir o
que eu digo
E para ver o
que eu faço...
Sou o rastro
de um sorriso,
Um gesto do
teu cansaço...
Sou a música
perdida
De um lamento
que foi alma
Na letra de
uma cantiga
Cantada por
um mendigo
Numa estrada
solitária
Onde não
passa ninguém!
Quebrei-o e
fiz muito bem.
Quebrei-o
como quem parte
A vida que
idealizou:
— Não posso
ver-me qual fui,
Não quero
ver-me qual sou.
António
Botto, Curiosidades Estéticas (1924) poema 24 ,in "Canções e Outros Poemas", Ed. Quasi, 2008
Mãe!
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei.
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!
Almada Negreiros, in " A Invenção do Dia Claro", 1921, Olisipo, Guimarães
Quatro coisas
são precisas
Quatro coisas são precisas
Ao amor para durar:
Firmeza, galantaria,
Ter pena, saber chorar.
Ó mar, dá-me uma moreia!
Ó silva, dá-me uma amora!
Ó meu amor, dá-me a vida!
Que a morte não se demora...
Bate, coração de ferro,
O maior que houve em mulher!
Ama contra tudo e todos,
E seja o que Deus quiser...
Quando a flor da faia abriu
Passámos rente do muro.
«Juras que és minha?» disse eu;
E tu disseste-me: «Juro!»
Quando morrermos, meu Deus,
Faz pão co ela e comigo;
Pàdeja os bons namorados
Como um punhado de trigo!
Ao amor para durar:
Firmeza, galantaria,
Ter pena, saber chorar.
Ó mar, dá-me uma moreia!
Ó silva, dá-me uma amora!
Ó meu amor, dá-me a vida!
Que a morte não se demora...
Bate, coração de ferro,
O maior que houve em mulher!
Ama contra tudo e todos,
E seja o que Deus quiser...
Quando a flor da faia abriu
Passámos rente do muro.
«Juras que és minha?» disse eu;
E tu disseste-me: «Juro!»
Quando morrermos, meu Deus,
Faz pão co ela e comigo;
Pàdeja os bons namorados
Como um punhado de trigo!
Vitorino
Nemésio, in " Festa Redonda", Livraria Bertrand, 1950
Quatro poetas!... Nenhum deles necessita de qualquer comentário, que seria insípido e redundante. Lê-los, através destes poemas, é um privilégio. Dir-me-ão... E Borges? Tudo na oralidade, como na escrita de Borges é Poesia.
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