«(…) é o
silêncio no interior das ondas e as vozes que me acompanham desde sempre e mal
as vozes se calarem levanto-me e regresso a casa. Quer dizer não sei se tenho
casa mas é a casa que regresso.» António Lobo Antunes, In “Que cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?”,
Publicações Dom Quixote, 2009.
20000000
(sufi)
Se a palavra
que vais dizer
Não é mais bela que o silêncio
Não a digas
Se a palavra que vais
Não é mais bela que o silêncio
Não a digas
Se a palavra que vais
Dizer não é
mais
Bela que o silêncio
Bela que o silêncio
Se a palavra
dizer que vais
Não é mais bela que
Silêncio
Não é mais bela que
Silêncio
Se a palavra
Não é mais bela
Silêncio
Não é mais bela
Silêncio
Se a que vais
dizer
Não é palavra
Mais do que o silêncio
Não é palavra
Mais do que o silêncio
Não a digas
bela
Se mais que silêncio
Não é palavra
Se a palavra
Se mais que silêncio
Não é palavra
Se a palavra
Não é mais
Que silêncio
Que silêncio
Se o silêncio
Não é mais
Não é mais
Que palavra
Que palavra?
Que silêncio?»
Que silêncio?»
Jorge Fazenda
Lourenço, in “Cutucando a Musa com verso longo e curto e outras coisas leves e
pesadas”, Relógio d’Água, 2009
REESCRITA
Fender os versos
com a lâmina
implacável do
tempo. No
umbigo do poema cravar
o sabre rente
às vísceras dos verbos,
à linfa de
adjectivos. Despedaçar
os músculos
dos sentidos. Abrir
a rede viária
do sangue. Romper
a velha
epiderme. »
Inês
Lourenço, in “ Coisas que Nunca",Etc & etc, 2010
«SOB A URSA MAIOR
O rumor dum motor na água
negra a água velha do verão as aves
criam fios um fio que
me guia no regresso
ao conteúdo do espelho em que
se espelha este, laminado ao de leve
pelo quarto minguante da terceira semana
de agosto e no som do silêncio, feito
de enigmas ínfimos, o tempo mede
timbres mais sozinhos sucessões
variáveis sob a constelação
fixa, procuro repetir
o exercício reler o céu, agora
é mais difícil encontrar a distância
entre as estrelas que fecham o quadrado,
perdida
aprendizagem do céu que só na água
sobrevive quando água
significa ave »
Gastão Cruz, in
“Os Poemas”, Assírio e Alvim, 2009
Viver na Beira-Mar
Nunca o mar
foi tão ávido
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"
« (…) a
cozinha é baixa, com outras janelas sobre o mar e o terreiro e, no vendaval que
precede o calor, uma filha do país vem agitar as nossas recordações
apresentando-se sempre para ficar. Ela própria é, por vezes, uma obra completa
de beleza e, noutras, de febre. Nessas manhãs insiste connosco, sem nos deixar
um instante de sossego, e ameaça ir dizer às populações vizinhas que a nossa
língua não é verdadeira, que o português que falamos é uma impostura.»
Maria Gabriela Llansol, in “Causa Amante”, A
Regra do Jogo, 1984
Não existem somente prosa e poesia, há palavras, palavras tremendas, e a força telúrica e imaginária que delas brota, nos assalta, nos acompanha, nos projecta para outras aparições!
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