QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS
Dão-nos um
lírio e um canivete
e uma alma
para ir à escola
mais um
letreiro que promete
raízes,
hastes e corola.
Dão-nos um
mapa imaginário
que tem a
forma de uma cidade
mais um
relógio e um calendário
onde não vem
a nossa idade.
Dão-nos a
honra de manequim
para dar
corda à nossa ausência.
Dão-nos um
prémio de ser assim
sem pecado e
sem inocência.
Dão-nos um
barco e um chapéu
para tirarmos
o retrato.
Dão-nos
bilhetes para o céu
levado à cena
num teatro.
Penteiam-nos
os crânios ermos
com as
cabeleiras das avós
para jamais
nos parecermos
connosco
quando estamos sós.
Dão-nos um
bolo que é a história
da nossa
história sem enredo
e não nos soa
na memória
outra palavra
que o medo.
Temos
fantasmas tão educados
que
adormecemos no seu ombro
somos vazios
despovoados
de
personagens de assombro.
Dão-nos a
capa do evangelho
e um pacote
de tabaco.
Dão-nos um
pente e um espelho
pra
pentearmos um macaco.
Dão-nos um
cravo preso à cabeça
e uma cabeça
presa à cintura
para que o
corpo não pareça
a forma da
alma que o procura.
Dão-nos um
esquife feito de ferro
com embutidos
de diamante
para
organizar já o enterro
do nosso
corpo mais adiante.
Dão-nos um
nome e um jornal,
um avião e um
violino.
Mas não nos
dão o animal
que espeta os
cornos no destino.
Dão-nos
marujos de papelão
com carimbo
no passaporte.
Por isso a
nossa dimensão
não é a vida.
Nem é a morte.
Natália
Correia, in “ Dimensão Encontrada”, 1957, Edição e capa de Natália Correia
Natália Correia, cultíssima, dinâmica, mulher-poeta, política inconformada, verdadeiro "fogo na noite escura" que todos nós atravessámos no anterior regime ditatorial! Lembrá-la sempre, é nosso dever! Ela foi Maior, porque tinha qualidades e alma para ser Maior, para ser grande, como o demonstrou toda a vida. A nossa humilde Homenagem a Alguém que merece estar entre os que tornaram a nossa Pátria gloriosa!
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