Por Luis Fernando Veríssimo
"É livre quem pode fazer o
que quiser — dentro das suas limitações de espaço, tempo, energia e recursos.
Só se é livre dentro de certos limites. Portanto, toda a liberdade é condicional.
Só é totalmente livre
quem pode exercer a sua vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto
é: o tirano. Assim, a liberdade suprema só existe nas tiranias.
Dizer que a minha
liberdade termina onde começa a liberdade do outro é muito bonito. Mas e se a
liberdade foi mal distribuída e o meu vizinho tem um latifúndio de liberdade
enquanto a minha é um quintal de liberdade, liberdade mesmo que tadinha? Não é
feio sugerir um reestudo da divisão.
Cuidado com quem dá aos
outros toda a liberdade. Geralmente é quem pode tirá-la.
Há os que passam o dia
inteiro livres e chegam em casa se queixando disso. São os motoristas de táxi.
Toda liberdade é relativa.
Toda liberdade é
relativa. Verdade exemplarmente ilustrada por este diálogo entre o preso e o
carcereiro.
— Nunca mais vou sair
daqui.
— Calma. Não desanime.
— Não tem jeito. Estou
aqui para sempre.
— Vou ver o que posso
fazer por você.
— Não adianta. Estou
condenado. Desta prisão eu não saio. Se esqueceram de mim.
— Eu não esquecerei.
Voltarei para visitá-lo.
— Promete? — diz o
carcereiro.
Quem é livre às vezes não
sabe. Quem não é livre sempre sabe. Ou será o contrário? A gente vê tanta gente
inexplicavelmente feliz.
Alguns são obcecados pela
liberdade e prisioneiros da sua obsessão.
Os loucos são livres e
vivem presos por isso.
Poderia se dizer que
livre, livre mesmo, é quem decide de uma hora para outra que naquela noite quer
jantar em Paris e pega um avião. Mas mesmo este depende de estar com o
passaporte em dia e encontrar lugar na primeira classe. E nunca escapará da
dura realidade de que só chegará em Paris para o almoço do dia seguinte. O
planeta tem seus protocolos.
Fala-se em liberdade como
se ela fosse um absoluto. Mas dizer “eu quero ser livre” é o mesmo que dizer
“eu quero” e não dizer o quê. Existe a Liberdade De e a Liberdade Para. Não é
uma questão apenas de preposições e semântica. É a questão do mundo. O
liberalismo clássico iconizou a Liberdade Para. Você é livre se tem liberdade
para dizer o que pensa e fazer o que quer, para ir e vir e exercer o seu
individualismo até o fim, ou até o limite da liberdade do outro. A ideia de que
a verdadeira liberdade é a Liberdade De é recente. Livre de verdade é quem é
livre da fome, da miséria, da injustiça, da liberdade predatória dos outros. A
ideia é recente porque antes era inconcebível.
Ser livre do despotismo
era automaticamente ser livre para o que se quisesse, para a vida e a procura
individual do paraíso. Foi preciso uma virada no pensamento humano para
concluir que Liberdade Para e Liberdade De não eram necessariamente a mesma
liberdade e outra virada para concluir que eram antagônicas. A última virada é
a decisão de que uma liberdade precisa morrer para que a outra viva. Não concorde
com ela muito rapidamente.
Enfim, de todos os crimes
que se cometem em nome da liberdade, o pior é a retórica.
Mas eu desconfio que a
única pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo
do ridículo." VERISSIMO, Luis
Fernando. Em algum lugar do paraíso. Rio de Janeiro: Objetiva,
2011, p.181-185.
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