ou quase.
E. Bettencourt Pinto
Usamos os espelhos para ver o rosto e a arte para
ver a alma.
G. Bernard Shaw
Eugénio Lisboa faz 85 anos. Celebrar essa data é lembrar quão grande tem sido o contributo deste notável escritor para a Literatura Portuguesa. A singularidade da sua escrita, nos mais diversos géneros literários, eleva-o ao patamar cimeiro daqueles que atingiram a universalidade.
Não é pura retórica afirmar que enriqueceu a Literatura ao rasgar a opacidade estabelecida por muitos académicos na produção literária. Engenheiro de formação permitiu ao saber científico impregnar o dizer literário convertendo-o no pioneiro de um estilo novo, transparente, vivo, pujante e sumptuosamente claro que faz de cada obra um manual de aprendizagem e de intensa fruição intelectual.
Celebrar Eugénio Lisboa não é apenas destacar o escritor , mas evidenciar o homem culto e sensível que decidiu escrever as memórias de uma vida farta, rica e diversa.
Hugo von Hofmannnsthat dizia que " o narrador comum narra como qualquer coisa mais ou menos podia acontecer. O bom narrador faz acontecer qualquer coisa diante dos nossos olhos como se estivesse presente. O mestre narra como se qualquer coisa acontecida há muito tempo acontecesse de novo."
Eugénio Lisboa prepara o V volume das suas Memórias. Descobri-lo ao longo das suas palavras é um exercício de extrema riqueza. Da criança de um bairro humilde de Lourenço Marques, o Alto -Mahé, ao escritor de relevo dos nossos dias, tudo acontece de novo como um registo filmíco de extraordinária qualidade.
A estranha coincidência de o dia do seu aniversário ser também, a partir de 1972, o Dia de África , faz-nos olhar com mais acuidade para as páginas que dedicou a esse continente. Homem de várias pátrias, tem uma alma africana. É desse tempo africano que fomos à procura.
E porque homenagear um escritor é divulgar a sua obra , construímos com as palavras de Eugénio Lisboa a fantástica história (abreviada) da sua vida.
"Escrever memórias, passados os oitenta, é um atrevimento. Planeá-las em cinco volumes é pura loucura. Ninguém me podia assegurar que viveria o tempo suficiente para os escrever todos. "
"A razão de saltar do primeiro para o terceiro volume ( sem redigir o segundo) é simples: tenho 83 anos e nada me garante que terei vida para redigir os ambiciosamente sonhados 5 volumes. Gostaria em todo o caso, de poder deixar escritos os tomos que dizem respeito à minha vida em África. Foi lá que comecei, mesmo que não vá ser lá que acabo. Esses dois livros, eu devo-os à cidade de Lourenço Marques e ao espaço africano e ao mar africano e à luz africana. Faço questão de pagar essa dívida. O resto será feito se os deuses deixarem." Eugénio Lisboa, in " Acta Est Fabula, Memórias -III - Lourenço Marques Revisited ", Ed. Opera Omnia
Nascer em Lourenço Marques
“Não há razão nenhuma para que , no dia 25 de Maio de 1930, “ eu “ tenha nascido num canto improvável da África Austral. O privilégio, o luxo ou o acaso miraculoso (para mim) de estar vivo é algo que me ficará, para sempre, incompreensível.(…)
Estar vivo não é insignificante. Nenhum milagre é coisa de somenos. Vou, pois, tentar arquivar aqui, com palavras incompetentes, milagres que ultrapassaram a minha capacidade de os exprimir. A Lourenço Marques da minha infância e adolescência, com a praia ali ao lado e o mato muito perto, foi um desses milagres. Foi lá que nasci e foi lá que o mundo começou: o sol descomunal, a chuva grande, as trovoadas de estarrecer, o mar , a noite, o amor, a leitura, o futuro a haver – começaram lá. Vou falar-vos de Lourenço Marques, isto é, vou falar-vos da vida. Falando dela, irei viver algum tempo mais. Só ela, a capital da memória, é capaz de me dar este modesto suplemento de vida. “ Eugénio Lisboa, in "Acta Est Fabula, Memórias I,Lourenço Marques ( 1930-1947)", Editora Opera Omnia, 2012
O tempo da descoberta
" Em África , tudo se dilata com o calor, inclusivamente a dimensão do tempo e do espaço, isto é, há muito espaço e muito tempo. A África é enorme, nunca mais acaba, e os dias vão durando por ali fora e dão tempo para tudo e ainda sobra tempo. Trabalha-se devagar, mexemo-nos devagar, amamos devagar ( nem sempre). A vida, ali, dura mais, mesmo quando dura pouco.
Quando as férias grandes começavam, tínhamos, à nossa frente, uma vasta planície de tempo a preencher, mesmo que fosse a não fazer nada. A partir do 5º ano do liceu, eu possuía já uma pequena biblioteca e ia comprando um outro livro que namorava longamente, antes de o poder comprar. Mas, até ao terceiro e mesmo ao 4º ano, a leitura não era muito variada. Lera alguma coisa, mas não encontrara ainda nenhum dos meus grandes amores literários. O Garrett o Herculano e o Júlio Dinis tinham-me cativado muito, mas não lhes chamaria "grandes amores literários".
(…)
Julgo que foi , por esta altura, que meu pai me trouxe, completamente amarfanhado pela água que apanhara no porão do navio, entre Lisboa e Lourenço Marques, na edição da " Inquérito", em belíssima tradução de José Marinho, o romance de Stendhal , Vermelho e Negro ( Le Rouge et le Noir , no original). Foi, em mim, um autêntico terramoto! Apaixonei-me perdidamente pela Senhora de Rênal e foi um amor que nunca me abandonou : a Senhora de Rênal ficou sempre a pertencer ao meu mundo mais privado. Cá fora, na arena, eu andava com fumaças de dominar e meter na ordem as Matildes de la Mole que inundavam o mercado...Mas as Matildes eram só para o toureio; a Senhora de Rênal era para o amor de facto. Nada de confusões! Li, reli, tresli o livro de Stendhal, com uma paixão nunca saciada. Nenhum outro livro me pareceu viável , imediatamente depois daquele.. Eu bem pegava neles, bem tentava lê-los: tinham todos o horrível defeito de não serem o Vermelho e Negro. Como se podia ser outra coisa? Algo de semelhante se passaria, pouco depois, quando li, pela primeira vez, em tradução portuguesa, todo o teatro de Oscar Wilde. Foi um fascínio deparar, pela primeira vez, em todo o seu esplendor, com a arte da conversação. Como se poderia não falar assim? Como era possível continuar a viver, sem se possuir, pelo menos, o brilho dos lordes conversadores do teatro de Wilde? Valia a pena viver, se não se podia ter tal brilho, na conversa de todos os dias ? Ser menos do que Oscar Wilde era programa de vida que se visse? O brilho, àquele nível, seduz mas também angustia. É um valor que se não absorve pacificamente ou que eu, pelo menos, não absorvia pacificamente. Nas conversas com colegas e familiares, apetecia-me ensaiar o paradoxo faiscante. Demolir tudo, desassossegar aquela sociedade amolengada e conformista, sob o calor subtropical..." Eugénio Lisboa, in " Acta Est Fabula, Memórias - I -Lourenço Marques ( 1930-1947)" Ed. Opera Omnia, Novembro de 2012
Em Lourenço Marques, a capital da memória
“Lourenço Marques ficou sendo, para sempre, a minha capital da memória. O termo deu-mo a Maria de Lourdes Cortez, que o pilhou, por sua vez, ao Lawrence Durrell.
Era uma cidadezinha muito bela e ajardinada, onde tudo ficava à mão, para efeitos de convívio, amizade e amor. Crescia-se ali como no paraíso.
Para os pouco abastados, como eu, uma parte da vida (a casa) ficava num extremo da 24 de Julho (a avenida mais comprida lá do burgo), e a outra parte (o liceu) quase no outro extremo, a desembocar na “rampa” que se atirava por ali abaixo até ao Pavilhão da Praia. Mesmo, mesmo no extremo, logo a seguir ao liceu, ficava um caramanchão e a casa do Reis Costa. O Reis Costa, para quem não saiba, era um personagem: homem cultíssimo, de olhar penetrante e caminheiro infatigável (nunca teve carro), fora amigo e companheiro de habitação do Hernâni Cidade e ensinava francês e português como quem trata por tu o Camões, o Anatole, o Oliveira Martins, o Gide, o Pessoa, o Proust ou o Régio. Esfuracava, com os olhos imensamente acesos, os nossos mistérios adolescentes e metia-nos nas mãos a Karenina e as Encruzilhadas de Deus. Amava instantaneamente uns e detestava, figadalmente e de modo igualmente abrupto, outros. Mas, se lhe pedíamos clemência para os colegas em desgraça, cedia com gesto magnânimo de imperador caprichoso mas dialogante.
No liceu, as aulas cheiravam deliciadamente a amendoim torrado. Tudo quanto ali aprendi ficou saborosamente contaminado por aquele bom cheiro e por aquele sabor que o mundo teve quando foi feito. Amendoim, o Júlio Verne, amendoim, o Salgari, amendoim, o Alexandre Herculano.
Aquele liceu era fora de série, e acho que nunca paguei publicamente a dívida que fiquei a ter para com ele. Foi ali que nasci um pouco e foi ali que fiz a minha segunda grande guerra. “ Eugénio Lisboa, em Crónica publicada na Revista LER
A partida para Lisboa em 1947
“O dia era de sol, de luz límpida. Arrumadas as coisas nos camarotes, viemos despedir-nos do meu pai e dos amigos, que tinham ido desejar-nos boa viagem. Ao toque de campainha, desceram para o cais e nós ficámos em cima, no deck, debruçados na amurada. Eu olhava para a cidade, por detrás do cais, num desespero bem amarrado. (…) Eu estava a separar-me de tudo aquilo que eu fora. Estava a ir-me embora de mim mesmo. (…) O barco começou a mover-se e eu comecei a morrer aos bocadinhos." Eugénio Lisboa, in" Acta Est Fabula, Memórias - I -Lourenço Marques ( 1930-1947)" Ed. Opera Omnia, Novembro de 2012 (pp.194-195)
Em Lisboa, o IST e o encontro com José Régio, em Portalegre
"(...)Lisboa não era Lourenço Marques – e no não sê-lo já estava o mal –, por outro lado, o ensino superior não era aquilo que eu sonhara: fiquei a respeitar e a admirar três ou quatro professores num curso de seis anos e dezenas de cadeiras, foi, no entanto, uma experiência rica, intensa e variada. Algumas disciplinas foram realmente inspiradoras, conheci colegas que ficaram amigos para a vida – alguns, como o António Brotas, o Manuel Graça Baptista e o Costinha ainda estão felizmente vivos, embora o Alves Marques já tenha falecido –, reatei contacto com velhas grandes amizades, como o Zeca (Tiago) Oliveira, descobri grandes autores, que passei a não ter medo de ler no original, descobri a grande literatura espanhola, fiz uma primeira e prolongada estadia em Paris (mesmo com pouco dinheiro) e, last but not least, o meu mau comportamento militar em Mafra atirou-me, como oficial miliciano, para Portalegre, onde tive a oportunidade de conhecer uma das maiores figuras da nossa literatura e cultura, de quem fiquei amigo até à sua morte: José Régio. Ao lado da sua estatura intelectual, artística, espiritual e moral, tantas glórias trombeteadas, laureadas e apaparicadas, de hoje, parecem-me pigmeus descartáveis e um pouco risíveis. Conheci também , pessoalmente, por intermédio do meu amigo Tiago Oliveira, um homem fascinante que havia muito admirava: António Sérgio, cuja influência sobre a juventude (e não só) tanto mau sangue fez a tanta gente que ambicionava lavrar o mesmo território. Vergílio Ferreira foi um exemplo. Mas não foi o único.”Entrevista de Eugénio Lisboa a Júlio Conrado para a Revista Triplov( 2015)
O primeiro livro e o regresso a Lourenço Marques
“Publiquei o meu primeiro livro, há 50 anos. Vivia então na cidade da Beira (ainda hoje se chama assim), em Moçambique. O livro, diga-se de passagem, não foi publicado na Beira, nem sequer em Lourenço Marques, cidade onde nascera e onde vivera a maior parte da minha vida até então vivida. Também não foi publicado em Lisboa, onde tirara o meu curso de engenharia (como se vê, a minha vocação para eterno “outsider” é impecável). Viu a luz no Porto, onde nunca vivi, editado pela Livraria Tavares Martins, que o acolheu numa colecçãozinha intitulada “Poetas de Ontem e de Hoje”, dirigida por João Gaspar Simões, que eu não conhecia pessoalmente, e que me não conhecia a mim, nem pessoalmente, nem de maneira nenhuma: eu nunca publicara nada, nem em livro, nem em revista, nem em jornal e não tinha por costume andar atrás de escritores, mesmo dos que admirava. A responsabilidade do livro foi-me simplesmente cometida, de forma algo escandalosa, por um dos tais escritores que eu muito admirava – José Régio - , cuja obra conhecia como os meus dedos, mas sobre a qual não escrevera, nem sonhava escrever uma única linha. Uma noite, em Portalegre, regressando com ele do Café Central – hoje assassinado - , comunicou-me que, na sua recente visita ao Porto, o Tavares Martins lhe pedira autorização (e colaboração) para incluir na supra dita colecção, logo a seguir ao tomo dedicado a Garrett, uma antologia de poesia do autor de Poemas de Deus e do Diabo. Régio respondera-lhe que sim, com a condição de ser ele – e não Simões – a escolher o ensaísta que organizaria a antologia e para ela escreveria um estudo crítico introdutório. E que o escolhido seria um oficial miliciano chamado Eugénio Lisboa, que conhecera em Portalegre e ali se encontrava, a cumprir serviço. O Tavares Martins aceitara e, pelos vistos, o Simões também. (…) Portalegre serviu, também, para me apresentar o Alentejo, que ainda hoje é a minha província favorita num Portugal a que pertenço e não pertenço, visto encontrar-me maravilhosamente tripartido entre Moçambique, a Inglaterra e Portugal, minhas três pátrias de que não abdico: não sou um desenraizado, o que tenho é muitas raízes – em suma, sou rico. De qualquer modo, só para conhecer uma cabeça como a do Régio e um coração como o do Dr. Falcão, valeu a pena ir cumprir a pena de degredo, em Portalegre.
(…)Comecei por gaguejar com a honra que surpreendentemente me visitava e por dizer ao Régio que, sim senhor, me tocava muito o convite, mas que nunca publicara nada (embora rabiscasse um “diário” errático para a gaveta) e que, portanto, não fazia sentido aceitar a oferta. Mas o Régio sabia-a toda. E foi por ali fora, alegando isto e aquilo e ainda que, nas nossas alongadas conversas de café, eu mostrara um conhecimento, em profundidade, da obra dele, como nunca vira em ninguém, que, acrescentava ele, a escrever, é que se aprende a escrever, e que, em suma, ele não tinha qualquer dúvida quanto ao serviço asseado que sairia das minhas mãos. Mas eu iria, poucos meses depois, para África, atirei-lhe, a ver se o dissuadia... Que não fazia mal: acabava o trabalho antes de partir e ele, Régio, comprometia-se a rever, em Portugal, as provas, com todo o cuidado que punha nas suas próprias coisas.
(…)Parti para Lisboa em fim de Fevereiro de 1955, envaidecido e apavorado. Parecia-me cada vez mais uma enorme loucura ter-me rendido ao desafio do grande escritor. De qualquer modo, pus-me ao trabalho, aboletado, em república, na casa do Rui Serrão, colega e amigo de batalhão, que também se fizera amigo do Régio e do Dr. Falcão e deixara, por acaso, o coração em Portalegre, nas mãos gentis da “bela Helena”, com quem viria a casar. De dia, fazia os estágios e ia preparando os relatórios e, à noite, relia o Régio, tomava notas, escrevia períodos que me pareciam dignos de, mais tarde, se irem encaixar no mítico ensaio-a-haver. E tinha cada vez mais medo de não ser capaz de escrever coisa com coisa. Mas sempre ia descobrindo, na obra do autor de A Velha Casa, recantos que, até então, só mal entrevira: dava-me um estranho gozo interior sentir, às vezes, que acertara, que tocara em algo de profundamente revelador, mas sufocava-me a angústia de ainda não ver o texto em que tudo aquilo se iria inserir. Foi um trabalho longo, minucioso, lento, angustiado, que durou de Março a Maio: três meses suados e bem suados. Acabei, com uma alegria que não há palavras para contá-la, por descortinar o guião geral em que as minhas pérolas singulares se iriam incrustar. Aqueles átomos de descoberta não iriam ficar pendurados, sem se articularem num todo que fizesse sentido. Finalmente eu via o argumento. Mas havia em tudo aquilo um defeito contra o qual não me apetecia lutar: era o meu primeiro livro, mais, era o meu primeiro texto, e era-o sobre um escritor que eu conhecia bem e que me “agarrara” aos quinze ou dezasseis anos, com um livro que nunca mais saíra de mim: Uma Gota de Sangue, primeiro volante de uma vasta e ambiciosa soma romanesca, que viria a ficar incompleta. Como acontece com os primeiros livros, eu queria meter “tudo” logo no primeiro parágrafo: tal era o medo de que se “perdesse” se o não registasse logo ali... Um ou outro período corria assim o risco de sair, não propriamente “rico”, mas sim “atafulhado”...
Escrevia à mão, com letra bem desenhada e, no fim, copiei o texto num caderno de trinta e cinco linhas (salvo erro, não juro, branco), que enviei ao Régio, em Portalegre. Passara as duas últimas noites a escrever, sem dormir, à custa de anfetaminas, de que, depois, nunca mais abusei. E fiquei à espera.
Pelo meio, acabei os estágios, amanhei à pressa e sem grande convicção, os relatórios e recusei, com desenvoltura e alguma leviandade, um bom emprego que me fora lisonjeiramente oferecido, para Alverca: decidira mesmo regressar a África, à minha África, onde tinha espaço, recordações, família, o Nero já enterrado e, quem sabe, amores à espera. Estava farto de Lisboa, de Portugal, da Europa, da pequenez disto tudo. Ir-me-ia embora – o Régio não aprovava – no princípio de Agosto. Entretanto, no meio da agitação que precedia a partida, chegaria a reacção do poeta aos meus trabalhos de Hércules. E, com efeito, com data de 22 de Maio (três dias antes do meu aniversário) veio por fim a carta acusando a recepção do meu manuscrito. Abri-a a tremer. Entre outras coisas, dizia o seguinte, começando com as “cautelas” do protocolo: “Ao fazer um juízo sobre o seu trabalho, tenho de ser muito sóbrio: isto porque – numa certa medida – louvando-o, quase teria a impressão de me estar louvando a mim próprio(...) Só quis dizer que Você é muito amável com as minhas coisas. As restrições também lá estão, por certo, e ainda bem! Mas os meus inimigos dirão que certos aspectos apologéticos excedem em muito as observações restritivas, Mais uma vez passemos adiante. O que não pode ser louvar-me, - é reconhecer eu a penetração, a densidade, o encadeamento lógico, visíveis (e creio que, felizmente, não só a mim!) em todo o seu estudo, e que, aliás, eu já esperava de Você. A forma nem sempre é lapidar, e até possível é que Você não tenha propensão especial para o lapidarismo. Ainda se não vê bem, perante certos seus longos períodos, o que é devido a uma inexperiência natural num jovem escritor, ou o que deriva de uma personalidade. Mas o emprego do termo próprio, justo, já é notável na sua prosa; e devo confessar que, se já esperava de Você as qualidades de inteligência e sensibilidade patentes num estudo tão completo e aprofundado a dentro dos seus limites de extensão, não sabia, por ainda não ter lido nada seu, quais seriam as suas possibilidades de expressão verbal. Vejo que tais possibilidades de expressão já não desmerecem da coisa exprimível. Estou, portanto, e em suma, verdadeiramente satisfeito com o ter escolhido, se me permite falar assim. Quando o livro saia, e me pedir alguém de fora (como já tem sucedido) um estudo que dê uma ideia da minha obra – terei, finalmente, um pequeno volume em que já se diz muito sobre ela.” O elogio, vindo do cauteloso Régio, era de monta. Mas fui particularmente sensível ao facto de ele ter percebido o “encadeamento lógico” do meu texto: sofrera angústias, com o receio de não vir a dar uma articulação de enredo ao conjunto de observações que a obra regiana me suscitara. Temera, sobretudo, produzir um amontoado de “pérolas” sem fio de ligação – e, sem fio, como nota Ortega y Gasset, não há “colar”. A carta de Régio vinha sossegar-me.” Eugénio Lisboa, Texto lido na Escola Portuguesa de Moçambique, em 7 de Junho de 2007
O casamento com Maria Antonieta , o amor de toda uma vida
"No dia 21 de Março, acordei cedo, como de costume , em casa dos meus pais, na Rua Fernandes da Piedade. A cerimónia do casamento civil iria ter lugar no pequeno hall da entrada da casa, vindo o oficial do Registo até nós e não nós até ele. Eu estava vestido a carácter e a MA apareceu num vestido branco lindíssimo. Vinha serena, sorridente e menineira ( na véspera ou antevéspera tinha estado invulgarmente nervosa).(…)
A MA era - é - uma pessoa extremamente perceptiva, sensível e de uma grande inteligência dos outros. " Mata-os", por assim dizer, muito antes de mim. Estar com ela era, para mim, um encanto - e, em muitos aspectos uma aprendizagem. Ela observava, com atenção disponível e fina, "as pequenas coisas" que me escapavam.
Receio não ter sido um grande cicerone, porque andava num grande tumulto de emoções. E tinha um medo enorme de cometer gafes que lhe ferissem a sensibilidade. Se calhar cometi.
Tinha planeado irmos passar uns dias às montanhas de Drakensberg, no Natal, mas não foi possível, por não haver vaga no hotel. De modo que terminámos a lua-de-mel, em Durban e seguimos para Lourenço Marques."
Eugénio Lisboa, in " ACTA EST FABULA, Memórias -III - Lourenço Marques Revisited (1955-1976), Ed. Opera Omnia, Outubro de 2013
O grupo do café Nicola
“ Mais tarde, em 1958, já em Lourenço Marques, e sobretudo a partir de 1959, ano do meu casamento, da morte de Reinaldo Ferreira e da publicação de O País dos Outros , as nossas relações foram-se apertando, no grupo que se reunia no café Nicola ( edifício que, depois da independência, ardeu e onde até há pouco tempo, se lhe mijava em cima, com desenvoltura e en passant…)
Foram anos inesquecíveis de aventura intelectual, com o Cine-Clube ( onde vimos , sob o olhar complacente da Censura, o Wadja, o Eisenstein, o Poudovkine, o Kawalerowicz, o Forman e tutti quanti), com a Objectiva 60 e 61, a Voz de Moçambique, A Tribuna, o teatro do Mário Barradas do Norberto Barroca, num grupo de gente solidária mas não monolítica ( o Jorge Pais, já falecido, o Vergílio de Lemos , o Rui Baltazar, o Adrião Rodrigues, o finíssimo e mais tarde suicidado Sr. Morais – que partilhou comigo, anos a fio, as responsabilidades do conselho fiscal do Cine –Clube - , O Vieira Simões , o Gouvêa Lemos , um dos mais notáveis jornalistas portugueses que me foi dado conhecer, o José Craveirinha, que várias vezes levei à Mafalala, de regresso do Língamo, onde geria petróleos e sonhava com outras coisas, o Grabato Dias, poeta grande que a Maria de Lourdes Cortez estudou como ninguém, e tantos outros que peço desculpa de aqui não mencionar (...)
Foram tempos exaltantes, naquela cidade à beira do Índico, onde o sol se punha com uma magia de que nunca vi igual. Havia devoção, alegria de viver e havia , sobretudo, tempo: uma mercadoria que os europeus, mais nórdicos, quase desconhecem, naquela quase monstruosa dilatação que nos coloca num transe em que se percebe o que se seja, afinal, a eternidade. Em Moçambique, naquele Moçambique que foi do Knopfli e também meu, o mundo e a felicidade duravam - e nós também." Eugénio Lisboa, in "Recordando Rui Knopfli- Indícios de Oiro II"
Foram tempos exaltantes, naquela cidade à beira do Índico, onde o sol se punha com uma magia de que nunca vi igual. Havia devoção, alegria de viver e havia , sobretudo, tempo: uma mercadoria que os europeus, mais nórdicos, quase desconhecem, naquela quase monstruosa dilatação que nos coloca num transe em que se percebe o que se seja, afinal, a eternidade. Em Moçambique, naquele Moçambique que foi do Knopfli e também meu, o mundo e a felicidade duravam - e nós também." Eugénio Lisboa, in "Recordando Rui Knopfli- Indícios de Oiro II"
África do Sul: o adeus a Moçambique
"Os últimos dois anos, em Moçambique, tinham sido anos de emoções intensas e contraditórias: exaltação, receio, decepção, medo, rejeição… Vivêramo-los com intensidade, mesmo os sentimentos negativos e as amargas desilusões. O mundo ruíra, mas, mesmo o desmoronar, fora intenso e ocupara espaço emotivo dentro de nós. A paz que agora desfrutávamos contrastava demasiado com esse viver intenso, tornando-se desmobilizadora. O descanso tornava-se uma espécie de vazio. O sossego enfim alcançado era uma espécie de morte. Começávamos a experimentar uma estranha saudade: a saudade do perigo e da ameaça… No “hotel President” foi só o tempo de tratarmos de algumas pequenas coisas (papéis, dinheiro) e logo partimos para umas necessitadas e merecidas férias na Europa. Ia ser uma viagem, desde a partida, já sem o sabor das anteriores; nessas, partia-se de casa (Lourenço Marques) e regressava-se a casa: aos familiares e amigos. Agora, partíamos de terra estranha e regressaríamos a terra estranha, sem ter a quem contar, com alegria, o que tínhamos vivido na mítica Europa. Toda a magia da viagem tinha desaparecido.(…)
O tempo foi passando mas, em Junho, começou novo sobressalto. Mais ou menos em meados deste mês, minha mãe telefonou-me de Lourenço Marques, dizendo-me que iam enviar o meu pai, de avião, para Joanesburgo. A arteriosclerose tomara conta dele, de forma profunda, tivera um AVC e encontrava-se suficientemente mal para ter que vir a Joanesburgo ser visto e tratado como devia ser (o estado em que se encontrava o “hospital Miguel Bombarda”, depois da precipitada, absurda e criminosa “nacionalização” dos serviços de saúde, não era compatível com o tratamento decente que o estado do meu pai requeria.(…)
O meu pai ficou ali cerca de uma semana, com momentos de lucidez e grandes períodos de confusão. Teve visitas de amigos e familiares, nessa altura a viverem em Joanesburgo, e, por momentos, animava-se a conversar e mesmo a galhofar. O Dr. Alberto Reis Costa, que acompanhava o caso, dizia-me que o coração se encontrava muito dilatado, mas que estava optimista quanto ao resultado. Meu pai falava em partir para Portugal, o que me parecia uma boa solução, embora quase inconcebível: o meu pai adoptara África muito mais profundamente do que eu, que lá nascera e a considerava minha, não pensando, nunca, em de lá sair… Depois de um domingo, com muitas visitas e bastante conversa bem disposta, já à noite, regressámos a casa, na hengilcon Avenue. Levávamos boas esperanças, depois da conversa com o Dr. Alberto Reis Costa. Deitámo-nos, descansados, embora, no fundo, sempre um pouco apreensivos. O que iria ser a vida dos meus pais, naquele Portugal desarrumado e inquieto, uma terra em que eles nunca tinham concebido viver? Onde? A reforma permitir-lhe-ia viver com um mínimo de conforto? Como poderia eu ajudá-los? Acabei por adormecer. Mas o sono não foi longo: de madrugada, acordou-me a campainha do telefone. Quase me parou o coração: àquela hora, numa terra em que eu conhecia tão pouca gente que me telefonasse, aquele toque de campainha era ominoso. Levantei o telefone, sentindo-me esvaziar por dentro: era alguém, do hospital, a anunciar o falecimento do meu pai. Ataque cardíaco. Porque o coração estava grande demais? Era, em qualquer dos casos, para mim, a confirmação de que prosseguia a débacle: primeiro, a desagregação do nosso mundo, em Lourenço Marques, agora, o desaparecimento daquela força da natureza, que fora o meu pai. Ele estivera sempre perto, prestável, mesmo quando eu estivera ausente, em Portugal, durante mais de sete anos. Era um apoio óbvio, forte, omnipresente. Podia-se contar com ele. Estava lá, sempre. Mas afinal, quebrara, partira, cedera, não aguentara mais. O meu pai, afinal, não era imortal! Enterrámo-lo em Joanesburgo – a ele, que vivera quase toda a sua vida em Moçambique, de norte a sul, de fora para dentro… Um enterro simples, acompanhado por quase ninguém – ele, que ajudara tanta gente, uns agora mortos, outros dispersos, outros a tratarem simplesmente da sua própria sobrevivência.Em Joanesburgo, improvavelmente, ficou. No estado em que estava tudo,em Moçambique, incluindo uma burocracia sufocante, incompetente e desconfiada, não quis sujeitar o caixão e o corpo do meu pai a humilhações desnecessárias
(…)Os dias que se seguiram ao falecimento de meu pai foram dias sombrios. Pouco depois, fui a Lourenço Marques, com o fim de dar apoio a minha mãe e ver como estavam as coisas com ela,(...)As ruas eram as mesmas, mas já não eram as mesmas: tudo me parecia parado, inanimado, caricatura triste do que tinha sido bulício, noutro tempo. O poeta, romancista e contista Ernest Dowson, representante de um decadentismo literário, ficou célebre sobretudo por um verso e a metade de outro. O verso que, melancolicamente, gostaria de aqui recordar é este: “They are not long the days of wine and roses” (o meio verso – “gone with the wind” – seria aproveitado para título do romance de Margaret Mitchell, que o cinema celebrizaria). O verso que citei exprime, de modo agudo e de grande beleza sonora, o que eu senti, nesses três ou quatro dias em que divaguei pelas ruas de Lourenço Marques: “Não duram muito os dias de vinho e rosas”. E o meio verso – “gone with the wind” – diz o resto: tudo tinha ido com o vento, após um breve, ainda que intenso fulgor. Tinha de facto sido tudo tão bom e tão breve (o título do livro de Dowson, a que o verso pertence, é: Vitae Summa Brevis). Os dias de convívio, os dias de anos e de festa, os dias de criação literária, de praia, de amor e de amizade, os dias de vinho e rosas – tudo tinha fugido tão depressa, levado por um vento desatento e indiferente! E ali estava aquela carapaça grotesca, feita de casas desabitadas, de cariz cinzento, mortiço, despido de vida… Revi alguns amigos, algumas das minhas alunas, a Maria de Lourdes Cortez, o Adrião Rodrigues. Mas já nada sabia ao mesmo, porque já nada era o mesmo. Se, ao menos, os desapossados de antes, estivessem agora a trincar o seu justo quinhão e a serem finalmente livres e felizes… Mas estaria a ser assim? Apertados naquele espartilho ideológico, de um hediondo puritanismo? Enfim, tudo flui, nada permanece, dissera-o já o velho heráclito. A minha própria vida passara já por muita mudança, alguma dela, profundamente dolorosa – como foi o caso da minha mudança, de Lourenço Marques para Lisboa, em 1947. Mas, agora, fora tudo muito brusco, muito brutal, muito desarrumador. E eu já não tinha dezassete anos, tinha feito, havia pouco, quarenta e seis e as “bases” não estavam intactas: o meu pai morrera (inconcebível) e a minha tia Maria (outro pilar) acusara, nos últimos tempos, fragilidades de saúde. Os “avisos” estavam por todo o lado. Para onde iria a minha mãe, com a pensão de viúva ainda a resgatar da infernal teia burocrática, que se assarapantava no Consulado português, em Maputo? O processo acabaria por se extraviar, entre o Maputo e Lisboa… E a tia Maria, nossa mãe sempre mais à mão, a envelhecer a olhos vistos… E o meu irmão? E as tias, sem vencimento, sem reforma e sem nada de material a que se agarrarem? (A casa do Alto Mahé, literalmente construída, pedra a pedra, degrau a degrau, pelo Tio Tropa, grande artista da madeira, que morreu pobre, fora, como tudo, “nacionalizada” – rima com “roubada” e rima com fundamento). Era o fim desordenado e feio de um mundo! De tudo isto ia congeminando, para arrumos e soluções que, não demoraria muito, haveria que tomar. E nós, numa África do Sul, no cú do mundo, e assente num vulcão, que não parava de emitir avisos… Estive, como disse, com algumas das minhas alunas de eleição, com a Maria de Lourdes, com a minha mãe e com a minha cidade, que deixara de ser minha! E regressei a Joanesburgo, desconsolado e com uma terrível sensação de perda irrecuperável.” Eugénio Lisboa, in “ Acta est fabula, Memórias IV Peregrinação: Joanesburgo. Paris. Estocolmo.Londres. (1976-1995), pp. 19,20,35-41, Editora Omnia Opera, Outubro de 2014
Em Moçambique: A propósito dos 50 anos da publicação do primeiro livro
"Tem havido quem estranhe que eu, saído de Moçambique, tenha depois dedicado tão pouca da minha atenção às literaturas africanas de língua portuguesa. Como de costume, a estranheza é que é estranha. Nascido em Moçambique e aí tendo vivido um total de 38 anos, terei sido um dos primeiros – mas não seguramente o primeiro – a dedicar alguma atenção crítica e não pouco carinho a textos importantes de uma emergente literatura africana. Mas a minha cultura, como a de quase todos os europeus residentes em África, era uma cultura fundamentalmente portuguesa, europeia e universal no melhor sentido. Nunca me inculquei – porque nem era verdade, nem era a minha verdadeira vocação – como especialista de literatura moçambicana. Estudei-a, sim, e até muito antes de outros que depois se lhe dedicaram em exclusividade. Mas tive, desde muito novo, outras apetências, outros alimentos a que nunca soube, nem quis fugir. Se a África me está no sangue, no imaginário e no coração, a Europa e as Américas não o estão menos. Aluno de engenharia, em Lisboa, a partir de 1947, a minha curiosidade insaciável por nomes como Camões, Pessoa, Vieira, Sá-Carneiro, Eça, Garrett, Camilo, Régio, Gide, Proust, Montaigne, Montherlant, Thomas Mann, Racine, Stendhal, Balzac, Shakespeare, Dickens, George Eliot, Shelley, Wordsworth, Pessoa, Sá-Carneiro, Régio, Lorca, Unamuno, Ortega y Gasset, T.S. Eliot, Sherwood Anderson, Edgar Poe, Hemingway, Faulkner, Pirandello, D’Annunzio, Huxley, Bertrand Russell, Bernard Shaw, o inimitável Oscar Wilde, Tolstoi, Tcheckov, Dostoiewsky ou Fiodor Sologub, [a minha curiosidade por todos estes nomes] nunca cessou de me devorar e estimular no melhor sentido. Se estudei Craveirinha, Luis Bernardo Honwana, Rui Knopfli, Rui Nogar ou Glória de Sant’Ana, que em Moçambique viveram (e, alguns, nasceram, e outros, ainda, nasceram e morreram), se o fiz com um cuidado e uma imparcialidade crítica que nem sempre se tem votado às literaturas africanas, não me senti por isso obrigado a jugular aquelas outras apetências que eram, para mim, vitais. De nada disto me sinto com vontade de pedir desculpa ao povo de Moçambique. Porque o povo de Moçambique tem a grandeza de Moçambique e deve portanto saber alcançar o que está para além de Moçambique. O melhor do que é particular é também universal. Foi para mim um privilégio inconcebível, uma permanente fonte de assombro – e é o assombro que leva a todas as descobertas – ter nascido em Moçambique: aqui descobri os afectos, os saberes, o respeito sagrado pelas crianças e pelos velhos, o Oceano Índico, as praias como não há outras, o amor, a leitura, a ciência, o calor, os mais bonitos outonos e invernos do universo, mas aprendi também – e assim é a humanidade – que se é muitas vezes feliz e cumulado de riquezas no meio de outros que são menos felizes e bem menos municiados pelos alimentos terrestres. Aprendi que existe a injustiça que fere como um espinho que nunca se arranca. E aprendi que a nossa simpatia para com o sofrimento dos injustiçados nos pode marginalizar numa sociedade que se construiu sobre a injustiça e teme a justiça como o fim de privilégios que se habituara a ter como bens de direito divino. Aprendi a sofrer, também, aqui, em Moçambique. E aprendi a deixar de ser feliz daquela maneira inocente de ser feliz que me visitara a infância e a adolescência, mas que a idade adulta foi desassossegando como quem mina fundações que pareciam tão sólidas. Moçambique. Dei-lhe o que podia, sendo eu quem sou. Não lhe dei, talvez, tudo quanto devia. Repito: tenho raízes em mais do que um quintal. Sou rico – e vário. Ao fim de cinquenta anos de escrever e publicar, agora que se aproxima o fim da minha aventura, agradeço do coração a todos os que me enriqueceram com o seu convívio, com as luzes que em mim acenderam, com os acordes que me encantaram os ouvidos. Moçambicanos ou não, o meu temperamento não se dá nem com a rejeição, nem com a exclusão. Dizia Montaigne – e melhor conselheiro do que ele não há! – que a diversidade é a qualidade mais universal que há no mundo. Com ela me dei sempre bem, ao seu calor me aqueci, com o seu estímulo, caminhei. E, aqui, neste Moçambique que visito provavelmente pela última vez e onde descobri, com assombro inextinguível, o milagre de estar vivo e de estar vivo com outros um pouco diferentes de mim, aqui me despeço de vós, com quem aprendi, entre outras coisas, aquilo que há muitos séculos fora já descoberto por um escravo chamado Terêncio: que, sendo humano, a nada do que é humano sou alheio.” Eugénio Lisboa, Texto lido na Escola Portuguesa de Moçambique, em 7 de Junho de 2007
Eugénio Lisboa é um exímio mestre, "narra como se qualquer coisa acontecida há muito tempo acontecesse de novo."
Descobrir o novo volume das Memórias de Eugénio Lisboa é reiterar o privilégio de poder aceder à história recente do mundo através de uma luminosa e clara escrita e de um olhar profundo e preclaro.
Apresenta-se um sempre e redobrado agradecimento ao escritor, ao poeta , ao homem, ao amigo que, ao brindar-nos tão prodigiosamente, nos permite homenageá-lo.
Brindemos com o mestre, ab imo corde.
Sem comentários:
Enviar um comentário