Tempo desdobrado
Há um respirar alheio ao tempo.
Na geometria dos triângulos,
tudo se abre, nada se fecha.
O contrário não exclui o seu contrário,
e por isso quem respira alheio ao tempo
não deixa de estar no tempo desdobrado.
As tílias espalham em redor o seu perfume
de consonâncias perfeitas,
como no Lindenbaum de Schubert.
Cheira a Verão na Avenida Central
e debaixo das tílias falamos
sobre o curso das estrelas,
cuja história é também a nossa,
desdobrada no tempo
no desdobramento do nosso tempo.
Frederico Lourenço in "Santo Asinha e outros poemas", Editorial Caminho, Alfragide, 2010
Há um respirar alheio ao tempo.
Na geometria dos triângulos,
tudo se abre, nada se fecha.
O contrário não exclui o seu contrário,
e por isso quem respira alheio ao tempo
não deixa de estar no tempo desdobrado.
As tílias espalham em redor o seu perfume
de consonâncias perfeitas,
como no Lindenbaum de Schubert.
Cheira a Verão na Avenida Central
e debaixo das tílias falamos
sobre o curso das estrelas,
cuja história é também a nossa,
desdobrada no tempo
no desdobramento do nosso tempo.
Frederico Lourenço in "Santo Asinha e outros poemas", Editorial Caminho, Alfragide, 2010
Falar com o relógio na mão
falar com o relógio na mão
pela noite suspensa entre paredes emprestadas
falar com o relógio na mão
cortando o sonho aos pedacinhos comportáveis
falar com o relógio na mão
quando eram poucos os dias e as noites
falar com o relógio na mão
quando eram poucos os meses e os anos
falar com o relógio na mão
falar pensar olhar seguir amar
e amar e amar com o relógio na mão
eis o destino imediato
Mário Dionísio, in "Poesia Incompleta", Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1966
Momentos
1.
1.
Arranca do meu peito o coração das horas:
que o tempo se detenha, onde nasce a aventura
e deixe os séculos dormirem a seus pés;
que essa pomba perdida que chegou do futuro
seja um voo fulminando a raiz do terror.
2.
Um silêncio de morte no silêncio do mundo
rasga as horas roídas pelas bruxas do medo.
Nunca deixes nascer o não ser dos poetas,
nem um muro de trevas no lugar do futuro.
3.
na espessa argila deste fim de século
o silêncio ocupa os interstícios da sede
4.
atravesso o claustro dos teus sonhos
como um outono à deriva
e aí procuro duramente
as tão raras sementes da alegria
Rui Namorado, in "Sete Caminhos", Coimbra, Fora do Texto, 1996
Livro de Horas
No Livro de Horas, que leio,
há a história do meu destino...
há a história do meu destino...
...Mistério,
desatino,choros de fados e saudade inútil,
cenários de luar,
um corpo inexplorado de Mulher-Menina
na quentura da noite,
e tudo o mais que eu não li
porque saltei para o fim.
E no fim outra história continuava,
mas que não era já do meu destino.
Essa era só um minuto
em todo o livro das horas,
Louco, que corri mundo procurando
o meu minuto.
Um só minuto que interessa,
se é o destino de todos que se joga,
se são as horas todas o que interessa?!
Álvaro Feijó, in " Os Poemas de Álvaro Feijó", Porto, Brasília Editora, 1978
Pára-me um tempo por dentro
passa-me um tempo por fora.
O tempo que foi constante
no meu contratempo estar
passa-me agora adiante
como se fosse parar.
Por cada relógio certo
no tempo que sou agora
há um tempo descoberto
no tempo que se demora.
Fica-me o tempo por dentro
passa-me o tempo por fora.
José Carlos Ary dos Santos, in "Obra Poética", Lisboa, Edições Avante, 1994, 4.ª ed.
"Avec le Temps" poema de Léo Ferré (1916-1993), cantor e poeta que celebrou intensamente a poesia. " Avec le Temps “ é uma das mais emblemáticas canções francesas que faz parte do duplo album “Amour Anarchie” de 1970, um dos mais relevantes da carreira de Léo Ferré.
O tempo imperceptível, nas nossas vidas, nas vidas dos que são nossos, nas vidas dos outros, tempo imparável, "vício" por dentro e por fora de nós mesmos, mandante em nós, comandante de tudo quando fomos, fizemos, e ainda esperamos vir a organizar... O tempo em nós para além do tempo em que vivemos!... Nas vozes do João Carlos (Ary dos Santos), esse génio da poesia mais alta, no canto arrrastado e vivo do Léo Ferré,ou mesmo no talento do "silencioso" e pensativo Mário Dionísio...e em muitos outros. Um domingo que começa assim, traz-nos a sensação de que somos, e fomos, e porventura seremos também eternos. A eternidade?!... Será pedir demais?!... - V. P.
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