"É verdade que os livros legitimaram acontecimentos terríveis, mas também sustentaram os melhores relatos, símbolos , saberes e invenções que a humanidade construiu no passado. Na Íliada contemplamos a lancinante aproximação entre um idoso e o assassino do seu filho; nos versos de Safo descobrimos que o desejo é uma forma de rebeldia; nas Histórias de Heródoto aprendemos a procurar a versão do outro; na Antígona vislumbramos a existência da lei internacional; em As Troianas enfrentamos a própria barbárie; numa epístola de Horácio encontramos a máxima " atreve-te a saber"; em A Arte de Amar de Ovídio fizemos um curso intensivo de prazer; nos livros de Tácito compreendemos a ditadura; e na voz de Séneca ouvimos um primeiro grito pacifista. Os livros legaram-nos algumas ideias dos nossos antepassados que não envelheceram muito mal: a igualdade entre os seres humanos , a possibilidade de escolher os nossos dirigentes, a intuição de que talvez as crianças estejam melhores na escola do que a trabalhar, a vontade de usar - e diminuir - o tesouro público para cuidar dos doentes , dos idosos e dos mais fracos. Todas estas invenções foram descobertas dos antigos, esses aos quais chamamos clássicos , e chegaram até nós por um caminho incerto. Sem os livros , as melhores coisas do nosso mundo teriam caído no esquecimento."
Irene Vallejo, in O Infinito num junco, a invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura, Bertrand Editora, Lisboa 2021, p 401.
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