POESIA E ORALIDADE
por Manoel de Andrade
"A Poesia, ao longo do tempo, foi perdendo a nítida feição com que nasceu: a oralidade. Conta-se que há 2.500 anos, o poeta grego Simónides de Ceos — célebre pelo hino que compôs aos heróis das Termópilas e que treinou sua memória para correr a Grécia declamando os poemas de Homero, de Safo e de poetas que o antecederam — encontrou um dia seu discípulo e conterrâneo Baquílides, escrevendo suas odes sobre uma placa de cera e o acusou de trair a poesia cuja magia e encanto, dizia, estava em sua expressão declamatória e não na palavra escrita. “A Poesia, afirmava ele, é uma pintura que fala”. A poesia oral consta dos mais antigos registros literários da Grécia micênica e embora, no terceiro mundo, ainda se encontrem hoje culturas ágrafas, cuja expressão poética se manifesta apenas pela oralidade, é necessário lembrar que a literatura nasce da littera(letra), como pressuposto da escrita e da leitura. Assim, um fenômeno não pode excluir o outro e é tão importante valorizar a tradição oral da poesia, quanto reconhecer que sem a escrita, parte de todo o seu acervo histórico se perderia com o tempo. Nesse sentido tanto a poesia escrita, como a vocalizada ou dramatizada são expressões por onde permeia a mágica dimensão poética. Nas antigas culturas de tradição oral os poetas eram tidos como os receptores e transmissores do Conhecimento e reverenciados como os guardiões da Sabedoria e por isso considerados tão importantes como os reis, sendo que os reis podiam ser mortos, mas matar um poeta era considerado um sacrilégio. O premiado poeta nicaraguense Ernesto Cardenal, em seu notável Prólogo a la antología de la poesía primitiva, afirma que “ el verso es el primer linguaje de la humanidade. Siempre ha aparecido primero el verso, y después la prosa; y ésta es una espécie de currupción del verso. En la antigua Grécia todo estaba escrito en verso, aun las leyes: y en muchos pueblos primitivos no existe más que el verso. El verso parece que es la forma más natural del lenguaje”.
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Nós, os poetas, temos plena consciência de que não podemos mudar o mundo, embora nosso DNA seja feito de sonhos. Por isso somos tão poucos e estamos cada vez mais sozinhos. Quem sabe por sermos os herdeiros solitários de tantas utopias!? A pós-modernidade aniquilou o homem. Tentou matar Deus, tentou matar a Verdade, está tentando matar a Arte e a Poesia. Na década de 70 perguntaram a Pablo Neruda o que aconteceria com a poesia no ano 2000. Ele respondeu que, com certeza, não se celebraria a morte da poesia. Que em todas as épocas deram por morta a poesia, mas que ela está sempre ressuscitada e que parece ser eterna. O grande poeta e revolucionário argentino Juan Gelman, prémio Cervantes de 2007, afirma que “Lo extraordinário es como la poesía, pese a todo, a las catástrofes de todo tipo, humanas, naturales, viene del fondo de los siglos y sigue existiendo. Ese es el gran consuelo para mí. Va a seguir existiendo hasta que el mundo se acabe si es que se acaba alguna vez”.
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A poesia está inscrita no âmago da alma humana e ela é de todos os tempos. Desde Homero, há 3.000 anos, cantando as peripécias de Ulisses e os combates de Aquiles; desde Camões cantando a saga dos grandes descobrimentos, até Castro Alves cantando a liberdade para os escravos e Drummond de Andrade, dizendo-nos, poeticamente, que há sempre “uma pedra no caminho” de nossas vidas. A palavra, na poesia, foi e será sempre a mais bela forma de resistência contra um mundo desumano, e um profético aceno para um tempo melhor.
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Eis porque nós, os poetas, sentimos que só resta a nossa própria plenitude, esse misterioso monólogo com a história e o incognoscível, porque habitamos o território do encanto e do amanhecer. Cantamos porque vivemos dessa partícula de sonho que nos sobrepõe ao real, como disse Ingenieros. Cantamos porque acreditamos na missão imperecível da beleza, apesar de todo esse desamparo e essa perplexidade ante um mundo cada vez mais violento e cruel. Cantamos “porque a canção existe” e essa é a nossa fortuna. Cantamos para dizer nossas verdades e repartirmo-nos em cada verso. Cantamos porque cada palavra, cada poema nosso é uma esperança de busca e de encontro, um mágico roteiro para a liberdade, uma proposta de diálogo com o mundo, um gesto de amor para legitimar a condição humana e também nossa gota de lirismo para salvar a poesia de sua angustiante agonia. (...)”
Manoel de Andrade, poeta brasileiro, em ensaio publicado no Blog Palavras todas as palavras, 4 Novembro 2008.
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