Por Eugénio Lisboa
" Pedem-me que indique os dez melhores romances que até hoje li. A resposta é evidente que é impossível. Porquê dez? Porque não doze, ou vinte ou cinquenta? Há, neste número, dez, um não sei quê de arbitrário. Seja como for , entremos no jogo. Suponhamos , por exemplo, que se trata de limites de espaço, de limites de bagagem...
Segundo André Gide, foi Jules Lemaître que lançou a moda destes jogos: " Tendo que passar o resto dos seus dias numa ilha deserta, quais os vinte livros que desejaria levar consigo?" Jules Lemaître era menos rigoroso: vinte em vez de dez, e livros, em geral, sem indicação de que devessem ser romances. Romances, limita. Por outro lado, esta escolha reflecte sempre as inclinações pessoais de cada um. Como dizia Somerset Maugham, a quem também perguntaram pelos seus dez, uma pessoa apaixonada por música tenderá a incluir livros que tenham que ver com esse mundo (o Doutor Fausto, de Thomas Mann, por exemplo). Um espanhol ou um francês, segundo Maugham, nunca se lembrariam de incluir o Pride and Prejudice, de Jane Austen que, para um inglês, é provável que se torne obrigatório. Por outro lado, a Princesse de Clèves, de Madame de Lafayette, inevitável para um francês , poderá ser esquecida pelo inglês, pelo espanhol ou pelo alemão. E por ai fora. Quis apenas dar uma ideia, ainda que superficial, das armadilhas que espreitam este tipo de escolhas.
Por outro lado, quando se ama profundamente um autor, a tentação é grande de escolher os livros todos desse autor e esquecer os outros. Porque não? Porquê escolher o Le Rouge et le Noir de Stendhal e deixar de fora La Chartreuse de Parme e o Lucien Leuwen?
Porquê aceitar a convenção (arbitrária e, se calhar, injusta) de que se não deve seleccionar mais do que um livro de cada autor? Porquê os Karamazov e não Os possessos , o Crime e Castigo ou O Idiota? Quase percebo a tentação em que se deixou cair um crítico inglês, quando lhe perguntaram quais os seis maiores romances deste século. respondeu, sem hesitar: " Quaisquer seis , desde que sejam todos de Conrad." A mim, quando um dia me perguntaram pelos meus três compositores preferidos, também não hesitei: " Mozart, Mozart e Mozart". Há que ter a coragem das nossas convicções...
Feitas as reservas anteriores, irei dar, não a minha lista de dez, mas duas, três ou quatro listas de dez, todas elas viáveis e duvido que alguma delas especialmente melhor do que as outras. É o meu modo de afirmar, com ênfase, a relatividade destas escolhas:
Primeira Lista:
Le Rouge et Le Noir, Stendhal
Le Cousin Pons, Balzac
Middlemarch, George Eliot
David Copperfield, Charles Dickens
Os Irmãos Karamazov, Dostoievsky
Ana Karenina, Tolstoi
Les Liaisons Dangereuses, Choderlos de Laclos
Nostromo, Joseph Conrad
Os Maias, Eça de Queirós
Jogo da Cabra Cega, José Régio
Segunda Lista
La Chartreuse de Parme, Stendhal
Adolphe, Benjamin Constant
Guerra e Paz, Tolstoi
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
As Aventuras de Huckleberry Finn, Mark Twain
À la Recherche du Temps Perdu, Marcel Proust
O Processo , Kafka
O Doutor Fausto, Thomas Mann
Moby Dick, Herman Melville
Le Chaos et La Nuit, Henry de Montherlant
Terceira Lista
Vilette, Charlotte Brontë
Great Expectations, Charles Dickens
Tess of the D'Urbervilles, Thomas Hardy
Amor de Salvação, Camilo Castelo Branco
A Loucura de Peredonov ( ou O Demónio Mesquinho) , Fiodor Sologub
Dom Casmurro, Machado de Assis
Les Faux Monnayeurs, André Gide
Les Thibault, Roger Martin du Gard
A Confissão Impúdica, Junichiro Tanizaki
Para Sempre, Vergílio Ferreira
Quarta Lista
Wuthering Heights, Emily Brontë
Os Possessos, Dostoievsky
Niels Lyhne, Jens Peter Jacobsen
Madame Bovary, Flaubert
L'Immoraliste, André Gide
Etzel Andergast, Jacob Wasseman
Les Jeunes Filles, Henry de Montherlant
The Heart of the Matter, Graham Greene
Nome de Guerra, Almada Negreiros
Sons and Lovers, D.H. Lawrence
Posto o que, fico perfeitamente inconsolável por causa de todos os nomes e títulos que deixei de fora... os quais me ficam a azedar a alma, sussurando-lhe que são indesculpáveis as exclusões que fiz. Onde ficaram Cervantes, Sterne, Fielding Musil, Svevo, Goncharov, Teixeira Gomes, Guimarães Rosa, Faulkner, Gogol etc.,etc., etc.? Até à náusea... Não me perdoarei nunca, por exemplo, não ter incluído esse notabilissimo romance que é The Sun Also Rises, de Hemingway. E, depois, a palavra "romance" exclui do mundo da ficção as histórias menos longas de Karen Blixen, de Isaac Bashevis Singer, de Irene Lisboa... Mais vale terminar mesmo! De uma vez por todas.
Londres, Março de 1985"
Eugénio Lisboa, in Portugaliae Monumenta Frivola, Universitária Editora, Lisboa
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