Falar / beijar
" Segundo uma hipótese de Leroi-Gourhan, terá sido depois de libertar os seus membros anteriores da marcha ( e portanto a boca da predação) que o homem terá podido falar. Eu acrescento: e beijar. Pois o aparelho fonador é também o aparelho oscular. Ao passar à posição de pé, o homem ficou livre para inventar a linguagem e o amor: talvez tenha sido o nascimento antropológico duma dupla perversão concomitante: a palavra e o beijo. De acordo com isso, quanto mais os homens se sentiram livres ( pela boca) tanto mais falaram e beijaram; e , logicamente, quando, através do progresso, os homens ficarem libertos de todas as tarefas manuais, não farão outra coisa senão discorrer e beijar-se.
Imaginemos para esta dupla função, localizada no mesmo sítio, uma transgressão única, que nasceria duma utilização simultânea da palavra e do beijo: falar beijando, beijar falando. Teremos de acreditar que esta volúpia existe, uma vez que os amantes não param de " beber as palavras nos lábios amados". Aquilo que assim experimentam é, na luta amorosa, o jogo do sentido que irrompe e se interrompe: a função que se perturba: numa palavra : o corpo balbuciante." Roland Barthes por Roland Barthes, Edições 70, Maio de 2009, pp 172, 173
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