Manhã. O traço do Cabedelo separa o azul do rio do pó verde do mar. O hálito salgado que respiro renova todas as tintas e a Outra Banda, como um biombo verde, emerge no fundo do quadro. Azul - mais azul ainda... Vejo agora que a viração do norte arrasta para o largo os últimos farrapos de neblina, os barcos da sardinha que há mais de um mês largam todas as noites para a pesca. A safra da sardinha começa no mês dos Santos e acaba na Senhora da Guia. O batel, três homens e outras tantas redes. São às centenas, é uma frota que distingo pelas velas para lá do areal e que, no azul desmaiado e na névoa a dissolver-se, parecem suspensos no ar. Todas as tardes entram a barra uns atrás dos outros, em fila, para despejarem nas linguetas viscosas o peixe miúdo que salta aos montões nos cavernames. Duas, três horas... É o momento em que as mulheres saem das tocas: as Bexigas, a Papeira, a Maria da Viela, que passam a vida pelas estradas com a canastra à cabeça e o pé descalço; as matosinheiras, as de Afurada, quase sempre de luto, porque o mar lhes leva os homens e os filhos. Conheço-as todas de pequeno."
"A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento" Platão
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
Foz do Douro
Manhã. O traço do Cabedelo separa o azul do rio do pó verde do mar. O hálito salgado que respiro renova todas as tintas e a Outra Banda, como um biombo verde, emerge no fundo do quadro. Azul - mais azul ainda... Vejo agora que a viração do norte arrasta para o largo os últimos farrapos de neblina, os barcos da sardinha que há mais de um mês largam todas as noites para a pesca. A safra da sardinha começa no mês dos Santos e acaba na Senhora da Guia. O batel, três homens e outras tantas redes. São às centenas, é uma frota que distingo pelas velas para lá do areal e que, no azul desmaiado e na névoa a dissolver-se, parecem suspensos no ar. Todas as tardes entram a barra uns atrás dos outros, em fila, para despejarem nas linguetas viscosas o peixe miúdo que salta aos montões nos cavernames. Duas, três horas... É o momento em que as mulheres saem das tocas: as Bexigas, a Papeira, a Maria da Viela, que passam a vida pelas estradas com a canastra à cabeça e o pé descalço; as matosinheiras, as de Afurada, quase sempre de luto, porque o mar lhes leva os homens e os filhos. Conheço-as todas de pequeno."
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