O SIGNIFICADO
DO NATAL
Por Manoel de
Andrade
"Nestes dias que precedem o Natal, ocorre-me pensar nas
tantas portas que se fecham para o seu real significado, mascarado por
estranhas personagens natalinas e maculado por poderosos interesses
mercadológicos. Ocorre-me também pensar que se o Cristianismo fosse
verdadeiramente interpretado não haveria tantos sectarismos e o simbolismo da
manjedoura de Belém seria fraternalmente reverenciado no mundo inteiro, além da
barreira das religiões.
Jesus não fundou nenhuma igreja, nem dogmatizou nenhuma religião. Trouxe-nos a
imagem de Deus como um pai, mostrou a importância da religiosidade e nos
revelou o significado incondicional do amor. Não escreveu nada, mas deixou, na
memória de seus discípulos, a sabedoria de suas parábolas e, no Sermão da
Montanha, toda a essência do cristianismo, falando do amor aos inimigos, do
perdão das ofensas e da importância de dar a outra face como um caminho aberto
para a reconciliação. Resumindo, quis dizer-nos que ser cristão é saber
transformar o orgulho em humildade e o egoísmo em amor.
A ênfase de sua filosofia propunha a redenção humana pela educação e não pelo
constrangimento. Embora abominasse o pecado, Ele amava o pecador e acreditava
que educar é despertar o senso da justiça, do amor e da beleza moral que existe,
potencialmente, em cada ser humano. Nesse sentido, entre tantos factos de sua
vida pública, exemplificou sua tolerância e sua caridade diante da mulher
adúltera e do bom ladrão, no alto do Calvário.
Passados vinte séculos hoje perguntamos qual o significado do seu nascimento
para cada um de nós. Sobretudo perguntamos quantos já leram e estudaram o seu
Evangelho. Nesse singelo banco escolar que é o planeta, -- onde ainda
somos espiritualmente crianças -- seu conteúdo é uma cartilha insubstituível
para soletrarmos obeabá do amor, da paciência e do perdão. Diante
das sabatinas diárias da vida é imprescindível aprendermos o que significa
“orar e vigiar” e não fazer a ninguém o que não queremos que nos façam. Quantos
são capazes de vivenciar suas lições e seus exemplos, ante as provas e os
embates do dia a dia, oferecendo a outra face ante o agressor e perdoando
sempre? Se já começamos a ensaiar essa difícil conduta então Jesus já nasceu
para nós e temos um Natal para comemorar. Mas muitos ainda trazemos o coração
fechado a essa realidade, tais como as estalagens de Belém, cujas portas se
fecharam ao seu nascimento.
Se perguntássemos a Paulo de Tarso onde nasceu
Jesus, ele certamente diria que foi diante das Portas de Damasco, onde chegou
para aprisionar alguns cristãos da cidade. Se perguntássemos a Maria Madalena
onde Ele nasceu, com certeza, responderia que Jesus nasceu para ela na casa de
Simão, o fariseu. Foi ali que depois de lavar e enxugar seus pés ela ouviu sua
voz compassiva perdoando-lhe os pecados.
Onde
predomina o orgulho e o egoísmo --- essas patologias crónicas da alma humana
--- Ele não poderá renascer, ainda que invocado em rituais e ladainhas. É
imprescindível que façamos do coração uma manjedoura humilde para que Jesus
possa renascer em nossas vidas. Caso contrário, além da beleza sentimental da
fraternidade e o significado envolvente do Natal no seio da família, temos
apenas uma data histórica para comemorar, com muitos presentes, a figura
patética de um Papai Noel, um banquete de sabores e aparências e o apego às
ilusões do mundo. " Manoel de
Andrade, poeta brasileiro
Sem comentários:
Enviar um comentário