Outro dia
Leio cinco versos.
Já os tinha lido, depressa,
a apanhar-lhes o espírito,
no ar.
Que versos!
Mal os entendi,
não os apreciei...
Leio-os agora mais devagar,
palavra a palavra...
Cada palavra,
ou duas,
ou três...
Sim, é isto...
Assim se pensa,
efectivamente,
depressa ou devagar,
por meios sentidos...
Cada palavra é um título,
E larga!
Tanto vale sendo verbo
como adjectivo...
E não há adjectivos banais,
nem de mau gosto,
há pensamentos...
coisas visíveis
ou invisíveis,
mostradas de repente.
Mas escapadiças...
É sempre preciso
um esforço novo,
inteligência
e sensibilidade
para as compreender...
'saisir!'
Irene Lisboa, in «um dia e outro dia... outono havias de vir», volume I, Poesias I, Ed. Presença
Já os tinha lido, depressa,
a apanhar-lhes o espírito,
no ar.
Que versos!
Mal os entendi,
não os apreciei...
Leio-os agora mais devagar,
palavra a palavra...
Cada palavra,
ou duas,
ou três...
Sim, é isto...
Assim se pensa,
efectivamente,
depressa ou devagar,
por meios sentidos...
Cada palavra é um título,
E larga!
Tanto vale sendo verbo
como adjectivo...
E não há adjectivos banais,
nem de mau gosto,
há pensamentos...
coisas visíveis
ou invisíveis,
mostradas de repente.
Mas escapadiças...
É sempre preciso
um esforço novo,
inteligência
e sensibilidade
para as compreender...
'saisir!'
Irene Lisboa, in «um dia e outro dia... outono havias de vir», volume I, Poesias I, Ed. Presença
O papagaio do pensamento
«Note-se que aquele que escreve, por um circunlóquio próprio, posição,
atitude (e estou fazendo gestos, hem! virando as mãos para o peito...
escapa-se-me a palavra), atitude expectante, recolhida ou de rodeio, raro
aborda de pronto o tema escolhido, que andou ruminando, com mais ou menos
consciência. E porquê? Suponho que pelo receio de errar, de se exceder, de
dizer o que não quer, que apenas suspeita.
A sua atitude, que apontei, é toda de tentação e de esquivança, de
flutuação. E por isso muitas vezes fala de alhos pensando em bugalhos.
Outro problema, se problema é, e se no primeiro não está implícito, se
põe a quem escreve. A quem escreve que é como quem diz: a quem trabalha da pena
e se entretém gastando o espírito, excitando-o e refreando-o ao mesmo tempo em
cogitações literárias. E é o modo de surpreender (de surpreender não digo bem,
bem, de segurar) o próprio pensamento. Ou antes a dificuldade, a incerteza, a
impotência de lançar o fio bastante para a subida do 'papagaio do pensamento',
papagaio que há-de arrancar de baixo por efeito de um sopro mais raro que o
vento, sendo ele mais frágil que papel de seda.
O sopro de arrancada e depois o fio a largar, são... que são?
dificuldades e incógnitas, fora de dúvida, sempre propostos ao manejador da
pena.
Tanto assim que se lê um bocado de prosa, como este de Camus, prosa
eivada de poesia, mas quase levada à mão, medida, tensa, e sente-se a cautela
do seu autor, dirigindo-a. Isto é, a porção de fio lançado e a resistência da
mão sustentando-o.»
Irene
Lisboa, in «Solidão
II», Editorial Presença, p.114-115
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