terça-feira, 15 de julho de 2014

Do Amor da Palavra,Do Amor do corpo

Silêncio Amoroso

Deixe que eu te ame em silêncio.
Não pergunte, não se explique, deixe
Que nossas línguas se toquem, e as bocas
E a pele
Falem seus líquidos desejos.

Deixe que eu te ame sem palavras
A não ser aquelas que na lembrança ficarão
Pulsando para sempre
Como se o amor e a vida
Fossem um discurso
De impronunciáveis emoções.
Affonso Romano de Sant'Anna, in “Os dias do Amor, um poema para cada dia do ano”; recolha, selecção e organização de Inês Ramos; Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho; Ministério dos Livros

Amo os teus defeitos

Amo os teus defeitos, e tantos
eram, as tuas faltas para comigo
e as minhas; essa ênfase
de rechaçar por timidez: solidão
de fazer trepadeiras, agasalhos
para velhos, depois para netos;
indulgência de plantar e ver
o crescimento da oliveira do paraíso,
carregada de flores persistentemente
caducas; essa autoridade, irremediável
desafio; e a astúcia
de termos ambos quase a minha cara.
António Osório, in «Poemas de Amor», selecção de Inês Pedrosa, Ed. D. Quixote


Amor da Palavra, Amor do corpo

A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que te não vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
António Ramos Rosa , inAntologia Poética”- «Nos Seus Olhos de Silêncio», 1970, Ed. Caminho

Paisagem

Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.

E desejei: < dos horizontes que tu olhas!>>

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)
David Mourão Ferreira, in «A secreta Viagem», 2ª ed. Lisboa : Ática, 1958
 Dum Caderno Antigo I

O meu enleio
é a tua boca
- rosa de carne abrindo...-

E o meu desejo
é pisá-la num beijo...

- Destroço lindo!-
Saul Dias, in «Obra Poética», Tanto (1934), 3ª ed. rev e aum., Porto: Campo das Letras, 2001
Se tu me esqueceres

Quero que saibas
uma coisa.

Tu já sabes o que é:
se olho
a lua de cristal, o ramo rubro
do lento outono em minha janela,
se toco
junto ao fogo
a implacável cinza
ou o enrugado corpo da madeira,
tudo me leva a ti,
como se tudo o que existe
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
para essas tuas ilhas que me aguardam.

Pois ora,
se pouco a pouco deixas de me amar,
de te amar, pouco a pouco, deixarei.

Se de repente
me esqueces,
não me procures,
já te esqueci também.

Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que canta em minha vida
e te decides
a me deixar na margem
do coração no qual tenho raízes,
pensa
que nesse dia
a essa hora
levantarei os braços
me nascerão raízes
procurando outra terra.

Porém,
se cada dia,
cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável.
Se cada dia se ergue
uma flor a teus lábios me buscando,
ai, amor meu, ai minha,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
do teu amor, amada, o meu se nutre,
e enquanto vivas estará em teus braços
e sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in “Os Versos do Capitão” 8ª edição,Ed. Bertrand Brasil Ltda., 2004, Brasil

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