Anos depois,
em isla Negra imagem do dia da exumacão do corpo do poeta Pablo Neruda Fotos: Evandro Teixeira, F. Füllgraf, divulgação |
Crónica de um assassinato presumido
Por Frederico Fullgraf
"Pablo Neruda:
12 de Julho de 1904-23 de Setembro de 1973. O corpo do poeta, Prêmio Nobel de
Literatura, foi exumado em 8 de Abril último. O relatório preliminar e parcial
do SML, Instituto Médico Legal do Chile, de 2 de maio, sobre os exames
radiológicos e histológicos, conclui que o poeta, morto na Clínica Santa María,
em Santiago do Chile, “padecia de câncer de próstata em estágio avançado, com
metástase”. A informação não é nova – ela foi veiculada após o falecimento de
Neruda pela equipe médica e depois usada para fragilizar e desautorizar a
segunda linha de investigação da efetiva causa mortis, que suspeita de um
atentado, realizado mediante aplicação de uma injeção letal.
Junho de 1975
Durante as
filmagens de Um Minuto de Escuridão não nos Deixará Cegos, estávamos em
Valparaíso e Vinha del Mar, muito perto de Isla Negra, mas não era possível
visitar a casa de Neruda, ela estava lacrada e vigiada por militares. Para a
ditadura do general Augusto Pinochet, era a “casa maldita”. Mais de 30 anos
depois, tenho permissão para visitar Isla Negra por um motivo insólito: a
exumação do corpo de Neruda, que não foi apenas o diplomata-viajor.
Com sua obra
traduzida para 35 idiomas, tornou-se “cidadão do mundo” e poeta da planetária.
Autor do metafísico Residencia en la Tierra, com sua casa em Isla Negra,
Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, também conhecido por Pablo Neruda,
decidira morar em frente ao mar. A casa seria seu barco, e ele seu capitão.
Escrivinhador
anônimo dos Versos do Capitão, dedicados a Matilde Urrutía, sua terceira
mulher, Neruda sentia-se um marinheiro frustrado, um marujo em terra, com os
olhos teimosa e perenemente postos sobre o Pacífico. “Para Neruda, o mar é
aquilo, onde tudo nasce e tudo termina”, observou Francisco Rivas, escritor e
neurocirurgião nerudino chileno. De volta da Espanha – em cuja guerra civil
apoiara os republicanos, por isso persona non grata e expulso pelos franquistas
vitoriosos – em 1937, Neruda procurou um lugar para morar no litoral central do
Chile.
Montado a
cavalo, em uma tarde de 1939, descobre a pequena praia de Las Gaviotas, que
abrigava uma modesta casa feita de pedras, onde Don Eladio Sobrino, um velho
capitão de navio espanhol, aposentado, resolvera passar seus últimos dias.
Neruda compra o terreno de Don Eladio, mas rebatiza-o com o nome de “ilha” por
necessidade poética e de “negra” por causa das rochas pretas. As mesmas rochas
pretas que em um domingo de 2013 estão apinhadas de jornalistas em busca de um
ângulo favorável para acompanhar o momento em que se interromperá o sono etéreo
do autor das Odes Elementais, aqui sepultado, cara a cara com o mar.
O pescador
O convite
para acompanhar a exumação partiu de Don Manuel Araya, ex-motorista, dublê de
secretário e segurança do poeta, que me foi apresentado em março deste ano pelo
líder pescador Cosme Caracciolo, com quem eu preparava as filmagens de um
documentário. Araya e Caracciolo vivem a poucas quadras um do outro, na cidade
portuária, San Antonio, distante 100 km de Santiago, 30 km de Isla Negra.
A exumação,
ocorrida em 7 e 8 de abril, foi celebrada por Araya como uma vitória, embora
salientasse com delicadeza que era a “vitória da verdade”. Araya é o pivô da
exumação ordenada pelo juiz Mario Carroza, da Corte de Apelações de Santiago.
Há 40 anos, esse senhor de pele morena e modos suaves, sempre trajando um terno
impecável, insistia que Neruda não fora vitimado por um câncer, mas assassinado
com uma injeção letal. Na condição de militante do Partido Comunista, filiação
que compartilhava com o patrão, por oito vezes Araya interpelara o partido com
sua denúncia, mas ninguém dera crédito.
Então, o
pescador Cosme Caracciolo – ex-militante do MIR (Movimento de Esquerda
Revolucionária), preso político torturado durante meses pelos sicários de
Pinochet, hoje um livre-pensador da oposição – teve uma ideia engenhosa: chamou
o jornalista Francisco Marín, correspondente no Chile da revista mexicana
Proceso, e juntou-o a Araya em torno da mesa da copa de sua casa. O resultado
dessa conversa foi a reportagem ¿Mataron a Pablo Neruda?, publicada em 31 de
maio de 2011, que repercutiu nos meios de comunicação de língua espanhola. Só
então o PC reconheceu em seu militante o homem obstinado que batera o pé e obrigara
o Chile a reescrever sua história. Depois de entrevistar-se duas vezes com
Araya, o advogado do PC, Eduardo Contreras – o mesmo que, em 1998, processara
Pinochet por crimes de lesa-humanidade – não pestanejou, registrando ação
criminal por homicídio e acobertamento da morte de Neruda, exigindo sua
exumação.
Araya e Marín
voltariam a se encontrar várias vezes, o que resultou o livro-reportagem El
Doble Asesinato de Neruda, lançado no Chile no final de 2012, mas já em vias de
contratação no Brasil pela Geração Editorial.
Sobre a causa
mortis de Neruda, a sociedade chilena está rachada, mas a maioria admite que o
poeta pode ter sido assassinado, como ilustração de tantos casos ainda mal
explicados, mais de 20 anos após o fim da ditadura do general Pinochet.
Portanto, encontrar-se em Isla Negra significa
embarcar em uma dolorosa retronarrativa. Empossado no governo dos EUA havia
menos de um ano, em uma célebre entrevista de 1970, o presidente Richard Nixon
comparava a América Latina com Fidel Castro no poder em Cuba e Salvador Allende
no Chile, com a imagem de um “sanduíche” esmagado por dois “polos marxistas”.
Medindo consequências, ordenou a derrubada de Allende e seus assessores
desenvolveram o Track II – um plano de desestabilização generalizada das instituições
chilenas, com infiltração de agentes da CIA, financiamento do jornal El
Mercurio para combater o governo, fomento de greves, visando ao
desabastecimento do país, treinamento de militares chilenos em atentados,
assassinato de militares leais a Allende e comprometimento da ditadura de
Garrastazu Médici na conspiração." Frederico Fullgraf , em Crónica publicada na Revista Brasileiros, Brasil
Leia a Crónica completa AQUI ,Revista Brasileiros 70
Frederico Füllgraf, Brasil,cineasta, escritor, ambientalista , jornalista, tem uma extensa obra cinematográfica cuja credibilidade, conforme escreveu o poeta Manoel de Andrade, "vem
de uma longa trajetória de realizações cujos rastros foram deixados, em 2006, no interior paranaense e na distante Namíbia,
quando dirigiu a filmagem de Maack, o profeta pé-na-estrada, relatando as
viagens e pesquisas geológicas feitas no Paraná, na década de 40, pelo
cientista alemão Reinhard Maack, um precursor do ambientalismo, descobridor
do Pico do Paraná e autor de estudos geológicos que ligam a bacia geológica
paranaense à bacia de Gondwana, na Namíbia.
Seu primeiro filme, Queremos que esta
terra seja nossa, rodado em Portugal, em 1975, aborda a Revolução dos Cravos, golpe militar pacífico que derrubou o
governo herdeiro da ditadura de Salazar. Em 1985, pelo seu filme Dose Diária
Aceitável, sobre as consequências dos agrotóxicos no Brasil, recebe no
RIEENA ― Festival Internacional do filme ambiental, na França, o prêmio de
Melhor Documentário de Conscientização, considerado o primeiro prêmio internacional
do cinema paranaense. No seu invejável currículo acadêmico, Füllgraf, na década de 80, estudou
Comunicação Social, Filosofia e Ciências Políticas na Universidade Livre da
Alemanha, época em que realizou reportagens e filmagens de documentários para a
ARD (rede pública de televisão da Alemanha). Em 1988, a Editora Brasiliense
publicou seu livro (já esgotado) A bomba
pacífica ― O Brasil e outros cenários da corrida nuclear.
Frederico Füllgraf é um respeitável intelectual" com várias obras publicadas. Edita o Blog Füllgrafianas que considera "um diário de bordo da cultura na era do espanto".
Frederico Füllgraf é um respeitável intelectual" com várias obras publicadas. Edita o Blog Füllgrafianas que considera "um diário de bordo da cultura na era do espanto".
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