Cessa o teu canto!
Cessa o teu
canto!
Cessa, que,
enquanto
O ouvi, ouvia
Uma outra voz
Como que
vindo
Nos
interstícios
Do brando
encanto
Com que o teu
canto
Vinha até
nós.
Ouvi-te e
ouvi-a
No mesmo
tempo
E diferentes
Juntas a
cantar.
E a melodia
Que não
havia,
Se agora a
lembro,
Faz-me
chorar.
Foi tua voz
Encantamento
Que, sem
querer,
Nesse momento
Vago acordou
Um ser
qualquer
Alheio a nós
Que nos
falou?
Não sei. Não
cantes!
Deixa-me
ouvir
Qual o
silêncio
Que há a
seguir
A tu
cantares!
Ah, nada,
nada!
Só os pesares
De ter
ouvido,
De ter
querido
Ouvir para
além
Do que é o
sentido
Que uma voz
tem.
Que anjo, ao
ergueres
A tua voz
Sem o saberes
Veio baixar
Sobre esta
terra
Onde a alma
erra
E com as asas
Soprou as
brasas
De ignoto
lar?
Não cantes
mais!
Quero o
silêncio
Para dormir
Qualquer
memória
Da voz
ouvida,
Desentendida,
Que foi
perdida
Por eu a
ouvir...
9-5-1934
Fernando
Pessoa, in “ Poesias”. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de
Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995)
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