Soneto de amor da hora triste
Quando eu
morrer - e hei-de morrer primeiro
Do que tu - não deixes fechar-me os olhos
Meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
E ver-te-ás de corpo inteiro
Do que tu - não deixes fechar-me os olhos
Meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
E ver-te-ás de corpo inteiro
Como quando
sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
Dentro de mim, se, então, tiveres coragem,
Fecha-me os olhos com um beijo.Eu, Marco Pólo,
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
Dentro de mim, se, então, tiveres coragem,
Fecha-me os olhos com um beijo.Eu, Marco Pólo,
Farei a
nebulosa travessia
E o rastro da minha barca
Segui-lo-ás em pensamento. Abarca
E o rastro da minha barca
Segui-lo-ás em pensamento. Abarca
Nele o mar
inteiro, o porto, a ria...
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
Ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
Ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.
António
Feijó,in «366 Poemas que falam de Amor», Antologia organizada por Vasco Graça
Moura, Lisboa: Quetzal, 2003
"E, todavia,
sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o de saber, saber a minha
condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo –
da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto. Ah, ter a evidência ácida
do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e
ver depois, em fulgor, que tenho de morrer. A minha presença de mim a mim
próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei – não do olhar dos
outros. Os astros, a Terra, esta sala, são uma necessidade, existem, mas é
através de mim que se instalam em vida: a minha morte é o nada de tudo. Como é
possível? Conheço-me o Deus que recriou o mundo, o transformou, mora-me a
infinidade de quantos sonhos, ideias, memórias, realizei em mim um prodígio de
invenções, descobertas que só eu sei, recriei à minha imagem tanta coisa bela e
inverosímil. E este mundo complexo, amealhado com suor, com o sangue que me
aquece, um dia, um dia – eu o sei até à vertigem – será o nada absoluto dos
astros mortos, do silêncio." Vergílio Ferreira, in "Aparição", 1959, Bertrand Editora
Dá-me a tua mão
Dá-me a tua
mão,
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua
mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.
até o Abismo da Ternura Derradeira.
José Gomes
Ferreira, in «Poeta Militante I», Dom Quixote, Lisboa, 1999
Um dia não muito longe não muito perto
Às vezes
sabes sinto-me farto
por tudo isto
ser sempre assim
Um dia não
muito normal um dia quotidiano
um dia não é
que eu pareça lá muito hirto
entrarás no
quarto e chamarás por mim
e digo-te que
tenho pena de não responder
de não sair
do meu ar vagamente absorto
farei um
esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer
que pareço morto
que disparate
dizias tu que houve um surto
não sabes de
quê não muito perto
e eu sem nada
pra te dizer
um pouco
farto não muito hirto vagamente absorto
não muito
perto desse tal surto
queres tu ver
que hei-de estar morto?
Ruy Belo , in
“ Homem de Palavra(s)”, Editorial Presença
“ Ninguém se mata pelo amor de uma mulher. Matamo-nos porque um amor, não importa qual, nos
revela a nós mesmo na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado inerme,
no nosso nada.»
Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver", Ed.Relógio D’Água
Um dia quando eu morrer
isto é um dia quando eu estiver debaixo da terra
não quero que me vão levar flores
mas que as vão lá buscar
Gostava que por cima da minha cova não pusessem
laje nenhuma
só terra por mim estrumada
e aí plantassem as flores que amei em vida
açucenas rosas Palminhas de Santa Teresa (ditas Frésias)
ervilhas-de-cheiro goivos cravos jasmins
tudo flores com perfume
que é a alma das plantas
Sempre gostei mais de dar do que de receber
por isso ficarei feliz se forem à minha beira
buscar flores
os que me quiserem bem
Que as levem para casa e as ponham numa jarrinha com água
à cabeceira ou em cima da mesa de escrever
ou de comer
onde possam sentir minha presença viva
e trocar comigo olhares e sorrisos
e quem sabe talvez palavras
essas as mais importantes que em vida
nós não soubemos dizer
Teresa Rita Lopes, in ". Afectos", Lisboa: Editorial Presença, 2000
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