segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os Chicanos (2ª Parte), por Manoel de Andrade


Iniciámos, no último Sábado,a publicação da 1ª Parte do Capítulo,"Os Chicanos",extraído da obra "O Bardo Errante " que Manoel de Andrade está a escrever sobre o período de exílio a que foi forçado no tempo da Ditadura,no Brasil.Pelo interesse histórico e documental, publica-se ,hoje, a 2ª Parte e, na próxima Quarta-feira, a 3ª e última Parte.


Os Chicanos - 2ª Parte
Por Manoel de Andrade
Mural de Diego Rivera (1886-1957), pintor mexicano
7. O surgimento da luta sindical
             Apesar de tudo, a rebelião dos trabalhadores mexicanos encontrou sua expressão através da militância sindical. Efetivamente foram os imigrantes os pioneiros da organização sindical no sudoeste dos EE.UU. O primeiro sindicato de trabalhadores mexicanos nesse país foi fundado no sul da Califórnia em 1927, com a formação da Confederação das Uniões Operárias Mexicanas, integrada por 3.000 camponeses organizados em vinte locais de região.
          A primeira greve levada a cabo pela União, em 1928, no Vale Imperial, na Califórnia, foi rompida por prisões em massa e deportações. Em 1930, uma greve de 5.000 trabalhadores mexicanos foi novamente esmagada na mesma região. Em 1933, 7.000  camponeses fizeram uma greve no Condado de Los Angeles. Este movimento despertou a atenção e a preocupação dos plantadores e das autoridades sobre a crescente rebeldia dos mexicanos. Neste mesmo ano, outra greve de trabalhadores agrícolas, na Califórnia, protestava “pela discriminação racial, habitações miseráveis e salário baixo”. Em 1936, no sul da California, para romper uma greve de 2.000 trabalhadores mexicanos, a polícia teve que mobilizar cerca de1.500 homens armados. A repressão foi a mais sangrenta até então. Houve vários grevistas mortos e centenas de presos e feridos. Dessa época em diante a história dos trabalhadores mexicanos nos Estados Unidos foi uma sequência  de greves reprimidas com a maior violência. Mas não somente na Califórnia. A repressão foi sofrida pelos mineiros de carvão no Novo México, pelos mineiros de cobre do Arizona e pelos trabalhadores petroleiros do Texas, onde a Companhia tinha duas tarifas de pagamento para o mesmo trabalho: uma tarifa “blanca” para os trabalhadores norte-americanos, e outra “no blanca”, para negros e mexicanos. A diferença era 10 centavos de dólar por hora.
   
8. A discriminação racial

       A história do racismo nos Estados Unidos, não está somente relacionada com os 23 milhões de negros, com o milhão e meio de portorriquenhos e outras minorias como os chineses e filipinos.
          Os mexicanos, a segunda minoria do país, têm sido sistematicamente discriminados e segregados. No entanto, sempre foi nos Estados de Texas e California  --- onde se concentra, proporcionalmente, a maioria da população de origem mexicana --- que este fenómeno  tem assumido as dimensões mais insólitas.
          Muitos casos famosos, ocorridos principalmente em Los Angeles, mas que não caberia relatar nos limites dessa síntese, ilustrariam a tragédia cotidiana e a humilhação pública da gente mexicana, por um lado e, por outro, o desprezo e o cinismo das autoridades norte-americanas. Na década de 40, en Los Angeles, os mexicanos, além da discriminação, eram perseguidos por bandos ianquis, condenados à prisão por crimes não cometidos, massacrados nas ruas e assassinados friamente ante o olhar impassível de cidadãos norte-americanos.
          À parte da violência física, a violência moral era absoluta. Por todos os lugares havia letreiros proibindo a entrada de mexicanos em determinados lugares públicos. Em certas piscinas públicas lia-se: “Quintas-feiras reservado para negros e mexicanos”. Determinados teatros da cidade não permitiam a entrada aos mexicanos ou lhes reservavam sessões especiais. Alguns restaurantes negavam-se, terminantemente, a servi-los e o declaravam com avisos públicos desse tipo: “Proibida a entrada de negros e mexicanos”. Nos cárceres do Texas havia letreiros em que se especificavam dias de visitas especiais “para negros e mexicanos”. Neste mesmo estado, havia igrejas católicas que exibiam em seus letreiros: “Não se admite mexicanos”. Noutras igrejas  lia-se “Para negros e mexicanos”, e noutras estavam pendurados letreiros com a frase: “Igrejas brancas”. Havia no Texas um restaurante com o seguinte letreiro: “Proibida a entrada de negros, mexicanos e cães”. Em muitos cemitérios negava-se o direito ao sepultamento. Nutros os cadáveres eram enterrados numa região separada, suficientemente distanciada da terra destinada aos brancos. Nos banheiros de muitos tribunais de “justiça” lia-se na porta: “Para brancos. Proíbe-se a entrada de mexicanos”.
          Proibições desse tipo eram tanto para os mexicanos de nascimento como para os já nascidos nos Estados Unidos.
          A discriminação também se fazia nas escolas primárias e secundárias, entre crianças negras e mexicanas. As crianças mexicanas que não sabiam falar bem o inglês, apanhavam, eram colocadas nos últimos lugares ou em salas de aula para retardados mentais.
          Seria cansativo relatar todos estes aspectos  da segregação e da discriminação das pessoas morenas no sudoeste dos Estados Unidos. De qualquer forma essa era a situação dos habitantes de origem mexicana nesse país quando, há sete anos atrás, começaram a organizar-se em torno de um movimento social e político.
9. Os primeiros passos de oito milhões de excluídos
          No domingo, 16 de abril de 1972, as páginas 12 e 13 de REVISTA, suplemento cultural do jornal PURO CHILE, trazia a parte final do meu texto com a seguinte nota introdutória:
         “Publicamos a segunda e última parte da reportagem que o poeta e escritor brasileiro, Manoel de Andrade, escreveu sobre os chicanos. Seu informe, cheio de dados contundentes, de revelações incríveis, foi elaborado especialmente com base na mais feroz exploração do homem pelo homem, que fica  --- uma vez mais  --- a descoberto. As fotografias que publicamos (de um patetismo estremecedor) foram extraídas da revista “La Raza”, que expressa as aspirações de todos os chicanos."
          Entre os acontecimentos mais importantes que marcam o início do Movimento Chicano nos Estados Unidos, destacam-se a Greve da Uva, na Califórnia; a Marcha de Delano a Sacramento; A Retirada de Albuquerque; a Greve do Texas e a luta sem trégua de Reyes Tijerina, no Novo México.
          A Greve da Uva teve início em 8 de setembro de 1965, em Delano, Califórnia. Esta famosa greve está sendo levada ao cinema, durou oito meses e foi dirigida por César Chávez, atualmente o líder mais importante do Movimento Chicano. Seu êxito se deveu à forma como César Chávez a converteu numa “greve de família”, ou seja, fundamentando a estrutura da união e solidariedade dos grevistas, na sólida estrutura familiar mexicana. A greve logo se tornou em notícia nacional e se difundiu rapidamente por todo o país, obtendo o apoio de muitas organizações civis e eclesiásticas.
          O ponto posteriormente culminante da greve foi a Marcha de Delano à Sacramento, capital do Estado da Califórnia. A história quase heroica da Greve e da Marcha, assinalam os primeiros passos de uma minoria de oito milhões de pessoas em busca de um caminho para dar causa ao seu anelo secular de justiça econômica, política, social e cultural, numa luta que, em sua primeira etapa, começou por reivindicar  igualdade de oportunidades e de direitos. Contudo, o valor eminentemente histórico da Greve da Uva e da Marcha a Sacramento, foi haver dado a primeira vitória aos trabalhadores agrícolas mexicanos nos Estados Unidos. Em si mesmo a peregrinação de Delano a Sacramento foi um feito carregado de significação porque era também a primeira vez que o povo de origem mexicana se unia e se solidarizava em torno de um problema comum. Simbolicamente a marcha dos agricultores era também a marcha de um povo que, embora durante 117 anos tivesse sido sacrificado ao longo do vale californiano, marchava agora vitorioso junto com os trabalhadores de sua raça.
          Quase ao mesmo tempo em que os trabalhadores da uva na Califórnia marchavam até Sacramento, em Albuquerque, no Estado do Novo México, no dia 28 de março de 1966, sessenta membros da delegação chicana que participavam das audiências públicas da Comissão de Oportunidade de Igualdade e Direitos, retirou-se inteira do recinto da audiência, em sinal de protesto pela falta de atenção e a condescendência com que a estavam levando a cabo. Essa retirada assumiu uma grande importância moral aos olhos das novas gerações de jovens e de alguns líderes que começavam a surgir. A Retirada de Albuquerque teve amplas repercussões nas inúmeras comunidades de língua hispânica do sudoeste. Tal como a Greve de Delano, foi um sinal de que os chicanos já não estavam dispostos a sofrer pacificamente todo tipo de humilhação.
          Estes três acontecimentos já haviam inicialmente acendido o espírito de luta e de solidariedade dos chicanos, quando, em 5 de junho de 1967, os camponeses mexicanos do Texas, sob a orientação de Eugene Nelson, convocaram uma greve que também culminou com uma longa marcha desde o Vale do Rio Grande até à capital do Estado. Conta-se que em 4 de setembro do ano seguinte, quando os quarenta cansados componeses, que haviam resistido por três meses a uma peregrinação de 800 quilómetros  entraram na cidade de Austin, foram recebidos com o entusiamo de 8.000 partidários da mesma luta. Conta-se ainda que, além disso, a marcha despertou a solidariedade de todos os habitantes mexicanos do Texas, estimada em quase dois milhões de pessoas.
          É muito longa a história das lutas quase heroicas dos trabalhadores mexicanos nos últimos trinta anos nos Estados Unidos. Contudo, nenhum acontecimento qualifica com mais exatidão o surgimento de uma consciência de dignidade e orgulho de um povo e sua determinação de pôr um basta à opressão, como o levantamento dos habitantes do Norte do Novo México sob a direção de Reyes López Tijerina, organizador da Aliança Federal de Mercedes. Sua luta para recuperar as terras usurpadas aos mexicanos começou  já em 1957 e tem sido, em princípio, baseada na legalidade. Apesar disso, por conta das brutais repressões a que foi submetida a sua gente, bem como pelas perseguições pessoais que sofreu, obrigaram-no a recorrer à violência para defender os direitos e a honra dos mexicanos. Esteve várias vezes na prisão e atualmente cumpre uma nova sentença."
Manoel de Andrade, em " O Bardo Errante", (livro em laboração).
CONTINUA

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