O monoteísmo do capital financeiro e a
felicidade
por Anselmo Borges
"De finanças o
meu conhecimento é praticamente nulo. De ciência económica, quase. Mas não fico
muito aflito, pois o que noto é que entre os economistas a confusão é imensa,
tornando-se cada vez mais claro que, afinal, a economia é tudo menos uma
ciência exacta.
Mas vamos ao
capital, que é mesmo capital, como diz o étimo: caput, capitis (cabeça),
necessário e até essencial para a existência humana. Seguindo em parte uma
taxonomia de P. Bourdieu, X. Pikaza apresenta os diferentes sentidos de
capital.
Nos capitais
simbólicos, encontramos o capital sócio-cultural - o conjunto das riquezas
simbólicas dos grupos e da humanidade, começando na língua e continuando nas
tradições, nas esperanças de futuro, nas artes e tecnologias, nos saberes
tradicionais e nos novos saberes científicos e técnicos - e o capital ético,
incluindo os diferentes domínios da vida, no plano social, laboral, jurídico,
abrangendo, portanto, o capital político, jurídico, religioso...
Mas, quando
se fala em capital, pensa-se fundamentalmente no capital monetário e
financeiro. Evidentemente, também este é um capital simbólico, mas hoje é o
dominante, acabando por subordinar os outros. O capital de consumo situa-se no
mundo da vida, está ao serviço da vida e da produção de meios para o consumo,
bem-estar e desenvolvimento da humanidade. Há um capital monetário ligado à
produção e distribuição do poder, isto é, das relações sociais, no quadro dos valores
humanos e da democracia, da distribuição dos meios que permitem a realização
dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, num plano ético.
O problema
maior é que nas últimas décadas se foi dando o triunfo do capital financeiro,
sobretudo na sua vertente neoliberal, desligado da produção de bens materiais e
da distribuição de bens sociais, para se transformar em fim em si mesmo, sem
atender à vida das pessoas e acima dos próprios Estados, que devem garantir os
direitos humanos e a igualdade dos cidadãos. Fim em si mesmo, domina os
próprios mercados, que "já são mercados do capital".
Encontramo-nos
diante do "perigo de um monoteísmo do capital financeiro, que
aparece assim como o único Deus do nosso mundo. Um capital por cima da produção
de bens e da administração da justiça dos Estados, um capital sem normas
éticas, sem outra finalidade que não a do desenvolvimento do próprio capital
nas mãos de poderes financeiros frequentemente sem nome."
Este capital
toma conta de todos os outros, a começar pelo capital ético, e está na base de
uma guerra em curso, que custa milhões de vítimas.
Esta situação
exige reflexão, pois cada vez se torna mais clara a urgência de mudar
globalmente de paradigma. Entretanto, é salutar saber de exemplos de
solidariedade e ética, que animam a esperança e são sinal de que a humanidade
verdadeira mora para outras bandas.
A gente nem
quer acreditar, quando lê, em Isabel Gómez Acebo e no Courier International, o exemplo impressionante do presidente do
Uruguai, José Mujica. Após a eleição, continua a viver na sua pequena casa,
numa zona da classe média, nos arredores de Montevideu. Tem um salário de 12500
dólares mensais, mas dá 90%, vivendo com 1250 (que lhe basta, pois muitos
concidadãos vivem com menos). A mulher, a senadora Lucía Topolansky, também dá
a maior parte do seu salário. Como transporte oficial utiliza um Chevrolet
Corsa. Durante o Inverno, a residência oficial servirá de abrigo aos sem tecto.
Mandou vender a residência de Verão do presidente, e o resultado da venda
destina-se, entre outros usos, à construção de uma escola agrária para jovens
sem posses.
Na reunião do
Rio+20, pronunciou um discurso especial. Aconselhou a uma mudança de vida, pois
foi para sermos felizes que viemos ao mundo. Ora, na sociedade actual, vivemos
completamente obcecados com o consumismo: trabalhamos para consumir sempre
mais... tendo de pedir empréstimos que temos de devolver, e esquecemo-nos da
felicidade. É este o destino da vida humana? Terminou, estimulando à luta pela
conservação do meio ambiente, porque "é o primeiro elemento que contribui
para a felicidade.”
Anselmo
Borges em Artigo de Opinião , publicado no DN ,em 20 de Outubro 2012
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