"Quando
voltou ao salão de convívio teve pela primeira vez consciência plena
da segregação etária que as novas gerações estavam a impor. O
convívio e a coabitação intergeracionais estavam, efectivamente, em processo de
regressão, senão mesmo em declarada extinção.
O quadro com
que deparou nessa manhã, naquele salão, impôs-lhe abruptamente a dolorosa assunção
dessa realidade chocante que nunca se dispusera sequer a formalizar.
O Lugar era a
morada de uma só geração: a geração dos velhos.
Apesar do
conforto discreto que a decoração emprestava ao salão, sentia-se no ar o
silêncio frio e mudo da tristeza que enferma a solidão.
Estariam aí
cerca de quinze pessoas. Algumas estavam confortavelmente sentadas em cadeirões
reclináveis junto a uma grande televisão que estava ligada com o som no mínimo,
quase inaudível. Outras, que teriam problemas locomotores, estavam
acomodadas em cadeiras de rodas perto das grandes portas envidraçadas que davam
para o terraço. Entre elas, distribuíam-se mesas intercaladas com jornais e
revistas. No canto direito, oposto ao da televisão, havia duas mesas de jogo:
uma com um tabuleiro de xadrez e a outra com baralhos de
cartas. Ambas estavam vazias.
Dois grandes
sofás de cabedal castanho completavam o “decors “ do salão , onde dormitavam
ostensivamente duas senhoras com os cabelos brancos muito alisados.
Pelas semelhanças do porte pareciam irmãs gémeas, já que
era impossível ver os rostos que estavam pendidos sobre o peito .
No terraço,
existiam algumas cadeiras de madeira forradas com grossas almofadas
amarelas e foi lá que conheceu o único casal do Lugar: os Lacerda.
Estavam
sentados em frente de uma pequena mesa, onde havia sido colocado um tabuleiro
com duas chávenas de chá. Falavam um com o outro olhando para o jardim. Assim que
deram pela sua presença, o Dr. Lacerda levantou-se e convidou-a a sentar-se
numa cadeira vaga da mesa.
- Tenha a
bondade de nos fazer companhia neste dia em que se estreia nesta
casa. Esta é a minha mulher, Sofia Lacerda e eu sou Carlos Lacerda. Somos
hóspedes antigos do Lugar.
Uns grandes
olhos pretos sorriam para ela num rosto sulcado pelas marcas do tempo ( forma
eufémica e costumeira de designar as rugas), mas que irradiava simpatia. A
mulher continuava sentada, indicando-lhe com gentileza a cadeira. Tinha também
um rosto agradável .
Sentou-se.
Uma empregada surgiu repentinamente, trazendo outra chávena de chá ,
desaparecendo quase tão misteriosamente como tinha aparecido.
(...)- Já
sabemos que chegou ontem à noite e que está no quarto 12. Nós estamos no quarto
10, logo no mesmo corredor. Somos o único casal deste Lugar. Havia outro, os
Pereira Gonçalves, mas infelizmente já cá
não estão.
- O meu
marido é um grande conversador. Prepare-se que ele vai saturá-la com tanta
verbosidade, não lhe dando oportunidade de responder. O que vale é que neste
sítio ninguém quer falar quanto mais conversar. - ia avisando Sofia Lacerda.
(...) - Já estão
avisando que vai ser servido o almoço . Ver-nos-emos mais tarde. Bom apetite. -
rematou a mulher, Sofia.
Carlos
levantou-se e gentilmente puxou a cadeira onde estava sentada. Em seguida,
dando a mão à mulher foi carinhosamente amparando-a até que ela
acabasse de se erguer e dando-lhe o braço dirigiram-se para a sala
de refeições.
Quando
entrou, viu-os sentados no fundo da sala em frente de uma mesa
rectangular que se distinguia das outras não só pelo formato, mas também pelo
tamanho. Era, ostensivamente, bastante maior que todas as restantes
mesas. Estavam sozinhos, embora houvesse lugares para mais pessoas.
Algumas mesas
já estavam completas , mas o silêncio continuava imperando apesar da
esplendorosa luminosidade natural que invadia aquela sala
magnifica, realçando a beleza sóbria das paredes e o minucioso trabalho em
relevo que preenchia o tecto.
Sentou-se na
mesa que lhe fora atribuída e foi analisando o que a rodeava. Verificou que as
mesas tinham lugares para quatro pessoas e que as empregadas, com
fardas cor-de-rosa e touca da mesma cor, iam trazendo os hóspedes com
deficiência locomotora, empurrando as respectivas cadeiras de rodas ou
auxiliando aqueles que se moviam com alguma dificuldade, muitos
deles apoiados em bengalas. A maioria apresentava um olhar vago e perdido como
se o corpo fosse apenas a matéria visível de uma ausência
voluntária. "
Maria
José Vieira de Sousa, in " O Lugar, memórias de um romance", Junho de
2008
2012 ANO EUROPEU DO ENVELHECIMENTO ACTIVO E DA SOLIDARIEDADE ENTRE
GERAÇÕES
"O Ano de 2012 foi designado "Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre as
Gerações” e pretende
promover a vitalidade e a dignidade de todos. Segundo a Decisão
N.º 940/2011/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Setembro de 2011, o objectivo global do Ano Europeu é facilitar a criação de uma cultura de envelhecimento activo na Europa, baseada numa sociedade para todas as
idades".
Vários eventos sob a forma de Congressos , Conferências, Palestras, Colóquios , Encontros e outras Actividades têm acontecido ao longo do ano. Entretanto, a exclusão social da grande maioria dos idosos continua, o internamento compulsivo de tantos e tantos em Lares onde acabam por morrer pouco tempo após a entrada aumenta, o abandono nos corredores de hospitais, nas ruas de cidades inóspitas , nas casas em ruínas permanece. Num país que não protege os seus idosos de nada serve comemorar , se não for implantada uma política que promova efectivamente a dignidade de todos e provoque a mudança numa sociedade que se recusa a projectar-se no seu próprio devir.
O Ano Europeu do
Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações é assinalado nos dias 19
e 20 de Novembro na Fundação Gulbenkian com uma conferência internacional que
reúne alguns dos principais especialistas mundiais para debater as práticas e
políticas inovadoras no campo do envelhecimento e os principais desafios que enfrentam
na Europa e no mundo.O painel dedicado ao caso europeu é presidido por Manuel Villaverde Cabral,
responsável pelo Instituto do Envelhecimento.O segundo painel, dedicado aos desafios do envelhecimento no mundo, é presidido
por António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa. Há ainda um workshop aberto ao público sobre práticas intergeracionais,
coordenado por Alan Hattan-Yeo (Beth Johnson Foundation). Trata-se de uma área
que tem vindo a ser explorada pela Fundação, desde 2009, através do projecto Entre Gerações, criado em simultâneo em Portugal e no Reino Unido com o objectivo de encontrar iniciativas originais para fomentar o encontro de jovens
e seniores.
Campanha pretende alertar para solidão dos idosos
Assinalando o Dia Internacional do Idoso, a Cáritas Portuguesa lançou, em Outubro, a campanha nacional "E esta semana, já visitaste os teus avós?", com o intuito de alertar para as situações de isolamento e solidão em que muitos idosos vivem.Para 2012, declarado pelo Parlamento Europeu e a Comissão Europeia como o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre as Gerações, a instituição portuguesa destacou uma equipa com o objectivo de analisar as questões associadas ao envelhecimento.Em comunicado enviado à agência Ecclesia, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, salienta "a importância e alertar a sociedade para este drama" sendo necessário o empenho e dedicação de toda a comunidade. Esta campanha nacional também contará com um anúncio publicitário que irá passar no canal RTP.Segundo os dados da Operação Censos Sénior da GNR, em Portugal existem cerca de 23 mil idosos que vivem em condições de isolamento e exclusão social. In “ Boas Notícias
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