quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O meu caminho

Um Caminho de Palavras
Sem dizer o fogo — vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso — duramente, são pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que eu sei já lá está, mas não estão os meus passos nem os meus braços. Por isso caminho, caminho, porque há um intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho.
Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedra, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.

                   Caminho um caminho de palavras
                   (porque me deram o sol)
                   e por esse caminho me ligo ao sol
                   e pelo sol me ligo a mim

                   E porque a noite não tem limites
                   alargo o dia e faço-me dia
                   e faço-me sol porque o sol existe

                   Mas a noite existe
                   e a palavra sabe-o.

António Ramos Rosa, in "Sobre o Rosto da Terra", Covilhã: Livraria Nacional, col. Pedras Brancas, 1961; "Antologia Poética", prefácio, bibliografia e selecção de Ana Paula Coutinho Mendes, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001 – p. 67

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