Um Caminho de Palavras
Sem dizer o
fogo — vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso — duramente, são
pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco
ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que eu sei já lá está, mas não estão os meus
passos nem os meus braços. Por isso caminho, caminho, porque há um intervalo
entre tudo e eu, e nesse intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo caminho e
descubro o meu caminho.
Mas entre mim
e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu
próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedra, invento o vento e as
pedras, caminho um caminho de palavras.
Caminho um caminho de
palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me
ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim
E porque a noite não tem
limites
alargo o dia e faço-me
dia
e faço-me sol porque o
sol existe
Mas a noite existe
e a palavra sabe-o.
António Ramos Rosa, in "Sobre o Rosto da Terra", Covilhã: Livraria Nacional,
col. Pedras Brancas, 1961; "Antologia Poética", prefácio,
bibliografia e selecção de Ana Paula Coutinho Mendes, Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 2001 – p. 67
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