Uma Europa por reconstruir
por Serge
Halimi
"Donald Tusk,
presidente do Conselho Europeu, deve arrepender-se de ter associado um eventual
voto negativo dos britânicos a um «início de destruição, não apenas da União
Europeia, mas também da civilização europeia» (BBC World, 13 de Junho de
2016). Apesar disso, a vitória do Brexit constitui, de facto, um duro golpe
para todo o Velho Continente.
Porque,
desta vez, vai ser difícil ignorar o sufrágio universal recorrendo ao apoio de
uma classe política desautorizada pelo resultado do referendo de 23 de Junho,
no intuito de atamancar disposições rejeitadas pelo povo. Em Londres, ninguém
consegue imaginar que se avance para uma denegação da democracia tão flagrante
como a que foi perpetrada em França e na Holanda a seguir ao voto negativo de
Maio de Junho de 2005 sobre o Tratado Constitucional Europeu. É também duvidoso
que os britânicos possam ser tratados com tanto desprezo como os gregos que, em
resposta à sua pretensão de reorientação do rumo da União Europeia, foram
asfixiados financeiramente e forçados a aceitar uma purga social com efeitos
económicos desastrosos.
Em 1967, o
general De Gaulle opôs-se à entrada do Reino Unido na Comunidade Económica
Europeia, porque recusava «a criação de uma zona de comércio livre da Europa
ocidental, enquanto se aguarda pela zona atlântica, a qual retiraria ao nosso
continente a sua própria personalidade». Seria injusto, no entanto, imputar
apenas a Londres a responsabilidade dessa retracção, pois ela teve mãos
igualmente cúmplices em Berlim, Paris, Roma, Madrid… A tal ponto que não se
percebe bem que «personalidade», que especificidade reclama ainda hoje a União
Europeia. É aliás esclarecedor que, para tentar prevenir a saída do Reino
Unido, esta tenha aceitado, sem grande dificuldade, uma disposição que teria
suspendido as ajudas sociais prestadas aos trabalhadores de outros países
europeus, bem como uma outra que teria concedido uma protecção reforçada aos
interesses do sector financeiro.
A União,
projecto de elites intelectuais nascido num mundo dividido pela Guerra Fria,
desperdiçou há um quarto de século uma das grandes bifurcações da história – um
outro caminho possível. A queda da URSS deu ao Velho Continente uma
oportunidade para refundar um projecto susceptível de satisfazer a aspiração
das populações a justiça social e paz. Mas, para isso, teria sido necessário
que não se tivesse medo de desfazer e reconstruir a arquitectura burocrática
sub-repticiamente erigida ao lado das nações, e ainda que se tivesse mudado o
motor livre-cambista desta máquina. A União teria então oposto, ao triunfo da
concorrência planetária, um modelo de cooperação regional, de protecção social
e de integração por cima das populações do ex-bloco de Leste.
Contudo, em
vez de uma comunidade ela criou um grande mercado, carregado de comissários, de
regras para os Estados e de punições para as populações, mas muito aberto a uma
concorrência desleal para os trabalhadores. Um grande mercado sem alma e sem
outra vontade que não a de agradar aos mais privilegiados e aos mais bem
relacio nados das praças financeiras e das grandes metrópoles. A União já só
alimenta um imaginário de penitências e de austeridade, invariavelmente
justificado pelo argumento do mal menor.
Serge Halimi, Le Monde Diplomatique
Não será
possível compreender a dimensão do protesto que o voto britânico acaba de
expressar acusando-o de populismo ou de xenofobia. Também não será amputando
mais ainda as soberanias nacionais, em benefício de uma Europa federal que
quase ninguém quer, que elites políticas autistas e desacreditadas poderão
responder à cólera popular que acaba de se manifestar no Reino Unido – e que
está a aumentar noutras paragens…"
sexta-feira
8 de Julho de 2016Serge Halimi, Le Monde Diplomatique
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