“Nenhuma
relação existe entre a minha profissão e os versos que faço. E não é esse o
mal. O mal está no carácter desapaixonado, frio, mecânico do trabalho; na
ausência de uma participação da inteligência e da sensibilidade na maioria das
actividades profissionais; na servidão implacável do homem instalada no próprio
cerne de uma civilização que se propõe, justamente, abolir a servidão. O mal é
a ausência do homem. «O deserto cresce», dizia Nietzche. O deserto não cessa de
crescer. Numa sociedade alienada até à medula, como a nossa, só a vagabundagem
tem a força e o prestígio de um destino; mas vagabundo parece que não chega a
ser profissão, salvo quando se tem conta farta no banco. Como não é o meu caso,
e a poesia não dá para pagar o almoço, o jantar, e outra vez, e outra vez, até
ao fim do mundo, parece não haver saída. Enquanto se não descobrir como há-de
viver o poeta sem comer, não haverá solução para estas cigarras que persistem
em sonhar alegria até ao seio da morte. A não ser que se ponha em prática o que
Platão já aconselhava na República:
desterrá-los, simplesmente. «Para quê poetas em tempos de indigência?»”.
Eugénio de Andrade, in Rosto Precário, 6ª ed., Fundação
Eugénio de Andrade, 1995
Escrito no Muro
Procura a maravilha.
Onde a luz coalha
e cessa o exílio.
Nos ombros, no dorso,
nos flancos suados.
Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.
Ou a sombra espessa.
Na laranja aberta
à língua do vento.
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.
Onde a luz coalha
e cessa o exílio.
Nos ombros, no dorso,
nos flancos suados.
Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.
Ou a sombra espessa.
Na laranja aberta
à língua do vento.
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.
Eugénio de Andrade, in Obscuro Domínio, Limiar,
p.16-17
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