terça-feira, 8 de outubro de 2013

A propósito das nossas ilhas Selvagens

Os artifícios internacionais
"O recurso a reivindicações, conflitos, incidentes, na ordem internacional, usados por governos em dificuldades internas, tem exemplos vulgares, e hoje talvez de mais difícil uso. Isto porque o expediente faz apelo a brios nacionais sobrepostos por arte mediática a dificuldades sentidas perante os eleitorados, mas o globalismo, a interdependência crescente, as migrações avultadas, tudo torna mais duvidosa a eficácia do recurso.
A senhora Thatcher, segundo alguns críticos, usou o caso das Malvinas, tratado com grandeza churchiliana, quando os índices das sondagens ameaçavam a sua permanência no poder. Admito que o seu livro A Arte de Governar, que enfileira com elegância ao lado de O Príncipe, permite a sugestão, mas os exemplos não faltam ao longo de uma história que não é exemplar.
Mais de uma vez, apoiando pregações de investigadores, de universitários, de oficiais da Marinha, tenho alinhado na chamada de atenção para a importância da plataforma continental, como janela de futura liberdade de um Portugal agora em situação de protectorado, e até advertindo quanto ao risco de a definição do mar europeu pela União anteceder o reconhecimento do nosso direito pela ONU, levando finalmente a uma situação que pode recordar as sequências do mapa cor-de-rosa. Os estudos de que já dispomos, quer de instâncias governamentais quer das universidades, destacando-se a dos Açores, são valiosos e apoiam seguramente a arrancada necessária para um novo futuro aceitável do País. Acontece porém que, mais uma vez, se confirmou o aviso de que o imprevisto está à espera, e neste caso trata-se da atitude do governo de Espanha não apenas em relação às ilhas Selvagens, porque vem acompanhada pelo reacender da tradicional atitude em relação a Gibraltar.
No primeiro caso trata-se da soberania portuguesa, no segundo da soberania britânica, e em ambos de uma súbita paixão e interesse irrenunciável pelo que chama rochedos, a designação preferida do primeiro-ministro espanhol para os territórios em causa. É evidente que em relação às ilhas Selvagens é a plataforma continental que pode ser invocada como interesse ambicionado em relação com a procurada cobertura pela legitimidade invocada e no segundo, o que ainda não lhe ocorreu, pode ser alegado que o Rochedo deixou de ter interesse para a rota marítima imperial inglesa, mas é difícil acrescentar alguma coisa que fortaleça o interesse nacional espanhol. Tanta inquietação ao mesmo tempo não chega para fazer esquecer o caso de Olivença, que a Espanha detém ilegalmente há gerações, e em relação à qual procedeu a toda a hispanização possível. É todavia evidente que a relação temporal entre as alegadas ambições e direitos, sem acrescentar o bem lembrado esquecimento do direito português, está articulado com a difícil situação interna da circunstância política espanhola, do partido que apoia o governo, e dos seus dirigentes mais destacados.
Digamos que estamos perante um igual recurso ao das Malvinas, porque as ilhas Selvagens estavam à disposição no sentido de mobilizar o eleitorado espanhol em termos de secundarizar a situação perigosa que alguns dirigentes e o partido governamental enfrentam.
Embora se trate de um recurso antigo, e largamente experimentado ao longo da história, por líderes em dificuldades, isso não pode levar ao convencimento de que a artificialidade do recurso é suficiente para cobrir de nevoeiro a situação política interna que chega para inquietar, esperamos que sem fundamento, qualquer aparelho governamental.
O mundo, e sobretudo a Europa, tem já problemas suficientemente graves, e desafios de difícil resposta, que chegam para ocupar os responsáveis pelo interesse geral da União, dispensando os artifícios que cansam a diplomacia, não iludem a realidade, nem diminuem a eventual gravidade dos incidentes que deveriam ficar pela jurisdição interna. Foi difícil, e exigiu longa devoção e diligência, modificar o perfil das relações seculares peninsulares.O que se pode e deve esperar é que ninguém se sinta autorizado a deteriorá-las." Adriano Moreira , em Artigo de opinião , publicado no DN,  em 8 de Outubro de 2013

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