É um ritual insuportável,onde o poder trama as suas dinastias,as ideologias são negociadase nas tribunas se mascara a hipocrisia.Manoel de Andrade
Manoel de Andrade , o poeta da Liberdade, retrata, neste fragmento de um extraordinário poema , a grande verdade que se mascara para se poder aceder ao poder, para vencer eleições.
O Brasil vive em campanha eleitoral. As promessas , as ameaças, as calúnias e as inverdades são arremessadas pelos candidatos como se tratasse de um jogo de vale tudo ou nada. E, realmente, nestas situações, a maioria nunca vale nada. As promessas multiplicam-se e desfazem-se na tribuna perante o olhar de um povo quase sempre enganado e traído.
Manoel de Andrade tem uma obra poética notável . Foi um dos grandes combatentes pela liberdade , tendo espalhado , em verso, pela América Latina, essa palavra luminosa que luta contra a tirania.
Liberdade é a palavra maior que se deseja nestes tempos conturbados de tanta ameaça ao Homem e à Democracia.
Recuperamos um magistral poema deste autor de Curitiba, que saudamos com veemente apreço.
A
moldura dos tempos
Cada dia é um devir inquietante,
um enredo que anuncia a tempestade
e a bonança...?
ah! a bonança é um barco num medonho temporal!
Uma egrégora maligna comanda o
turbilhão,
é a frequência subliminar que domina o mundo,
a combustão da história,
o trágico espasmo da vida,
o tumulto e a fúria linchando as derradeiras utopias.
Na moldura dos tempos cada alma revela
o seu retrato,
entre a incredulidade dos “sábios” e a fé de uma criança,
transita a expectativa dos homens...
São dias sem bandeiras,
quando a verdade se envergonha da “justiça”,
as togas e os mandatos acumpliciados na ambição,
os crimes lavados na corte dos “eleitos”
e os vilões absolvidos nesse palco de trapaças.
Até quando assistiremos a esse fatídico cenário?
Quem apagará as luzes dessa medonha ribalta?
Até quando, Senhor, suportaremos tanta ignomínia?
Nessa república de escândalos,
a corrupção gargalha da história.
Nos palanques da ilusão,
máfias partidárias e alianças promíscuas
maquiam seus patéticos contendores.
São dois bandos que disputam
contra a voz meiga e solitária da esperança.
É um ritual insuportável,
onde o poder trama as suas dinastias,
as ideologias são negociadas
e nas tribunas se mascara a hipocrisia.
Eis o reduto oficial dos futuros saqueadores,
festejando sua agenda eleitoral em sórdidos banquetes,
ante a súplica inconsolável no olhar dos miseráveis.
Não quero o esquecimento,
não aceito o silêncio,
sou a acusação e a profecia
vivo num tempo de iniquidades e presságios,
numa pátria humilhada pela impunidade,
comandada por homens sujos e soturnos
e eis porque hoje meu canto surge assim crispado,
testemunhando o impasse e esperando novos dias.
Sei que não se engana a posteridade,
que nessa nau dos insensatos toda perfídia será nominada,
todas as máscaras cairão.
Sei também que um lento alvorecer
anunciará o amanhã,
e que a fé e a decência viverão muito além desse holocausto.
Mas até quando, Senhor, combateremos esse combate?
Há uma música sinistra e constante,
martelando, sem limites, em toda parte,
e eu e tantos outros não toleramos essa assuada.
Canto para os homens honrados e para os cultores da beleza
e vos peço perdão por tanto desencanto,
por vos dar meu verso sombrio e indignado,
e esse febril retrato da esperança.
Curitiba, 04 de julho de 2014
Manoel de Andrade , in As Palavras no Espelho, Editora Escrituras, São Paulo, Brasil, pp.249, 250
um enredo que anuncia a tempestade
e a bonança...?
ah! a bonança é um barco num medonho temporal!
é a frequência subliminar que domina o mundo,
a combustão da história,
o trágico espasmo da vida,
o tumulto e a fúria linchando as derradeiras utopias.
entre a incredulidade dos “sábios” e a fé de uma criança,
transita a expectativa dos homens...
São dias sem bandeiras,
quando a verdade se envergonha da “justiça”,
as togas e os mandatos acumpliciados na ambição,
os crimes lavados na corte dos “eleitos”
e os vilões absolvidos nesse palco de trapaças.
Até quando assistiremos a esse fatídico cenário?
Quem apagará as luzes dessa medonha ribalta?
Até quando, Senhor, suportaremos tanta ignomínia?
a corrupção gargalha da história.
Nos palanques da ilusão,
máfias partidárias e alianças promíscuas
maquiam seus patéticos contendores.
São dois bandos que disputam
contra a voz meiga e solitária da esperança.
É um ritual insuportável,
onde o poder trama as suas dinastias,
as ideologias são negociadas
e nas tribunas se mascara a hipocrisia.
Eis o reduto oficial dos futuros saqueadores,
festejando sua agenda eleitoral em sórdidos banquetes,
ante a súplica inconsolável no olhar dos miseráveis.
não aceito o silêncio,
sou a acusação e a profecia
vivo num tempo de iniquidades e presságios,
numa pátria humilhada pela impunidade,
comandada por homens sujos e soturnos
e eis porque hoje meu canto surge assim crispado,
testemunhando o impasse e esperando novos dias.
Sei que não se engana a posteridade,
que nessa nau dos insensatos toda perfídia será nominada,
todas as máscaras cairão.
e que a fé e a decência viverão muito além desse holocausto.
Mas até quando, Senhor, combateremos esse combate?
Há uma música sinistra e constante,
martelando, sem limites, em toda parte,
e eu e tantos outros não toleramos essa assuada.
Canto para os homens honrados e para os cultores da beleza
e vos peço perdão por tanto desencanto,
por vos dar meu verso sombrio e indignado,
e esse febril retrato da esperança.
Curitiba, 04 de julho de 2014
Manoel de Andrade , in As Palavras no Espelho, Editora Escrituras, São Paulo, Brasil, pp.249, 250
Em 2014, quando escrevi este poema, seu conteúdo retratava um tempo marcado por grandes pressentimentos. O mundo se assustava com a ascensão e as ameaças do Estado Islâmico e no Brasil era deflagrada pela Justiça Federal, a Operação Lava Jato para investigar um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro no país. O esquema funcionava a partir da cobrança de propina para facilitar as negociações das empreiteiras com a Petrobrás e a aquisição de licitações para a construção das grandes obras públicas, beneficiando políticos dos Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Progressista (PP).
ResponderEliminarHoje a mensagem do poema atinge os escândalos que se acumulam no governo Bolsonaro, nessa sinistra transição do país caminhando para o abismo. Embora Lula não tenha feito, explicitamente, seu “mea culpa” pelos equívocos do passado, sua candidatura à Presidência do Brasil, é a nossa mais bela esperança de redenção democrática, na sua feição política, social, cultural, educacional e ambiental.
Agradeço a editoria dos Livres Pensantes pela postagem desse poema. Creio que essa é uma das funções da poesia, pelo seu pacto com a verdade, com a beleza e a com a história. Agradeço comovido pela esperança de que, todos nós, brasileiros, depois do próximo pleito eleitoral deste ano de 2022, possamos comemorar a vitória da decência, da dignidade e da democracia com os celebres versos de Drummond de Andrade:
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.