GRANDES ESCRITORES QUE O
NOBEL IGNOROU
I – Marcel Aymé
I – Marcel Aymé
por Eugénio Lisboa
"Alguns dos mais fabulosos escritores do século XX foram completamente ignorados pelos soturnos juízes da Academia sueca, a troco de verdadeiras mediocridades que o tempo já esqueceu e, noutros casos, há de esquecer.
Hoje escolho, entre os ignorados, Marcel Aymé, porque ando a ler, fascinado e deliciado, a sua colectânea de historietas, fábulas, invenções, fantasias, achados, modestamente intitulada ENJAMBÉES.
Aymé é um prodigioso narrador, um humorista surpreendente e ferino, um escritor de enorme inventiva e fantasia, um manipulador genial das palavras, um ventilador da língua, um lírico originalíssimo, um autor dramático de prodigiosa força – a sua peça, LA TÊTE DES AUTRES é uma das sátiras mais contundentes que conheço, em qualquer língua - , um observador minucioso do mundo real e também do sobrenatural, um fabulista do mais alto gabarito, um irresistível contador de histórias para todas as idades e estações.
Seguramente ficará para os vindouros, porque nasceu já clássico e permanecerá eternamente jovem e sedutor. Um escritor que é criminoso não ler, porque não lê-lo é desperdiçar um dos grandes prazeres da vida. Os do Nobel ignoraram-no porque a palavra “humorista” os assusta, esquecendo-se que a maior parte dos verdadeiros humoristas (não confundir com gracejadores) são gente do mais sábio e do alcance mais universal que existe. De Aristófanes, passando por Molière, até aos mais recentes P. G. Wodehouse, Mark Twain, O. Henry, Woody Allen, Stephen Leacock, James Thurber, Damon Runyon, Tom Sharpe, Evelyn Waugh, entre muitos outros, todos estes grandes observadores e originalíssimos comentadores do mundo que nos rodeia – e sempre grandes desbravadores dos recursos da língua em que escreveram – são, a meu ver, dos mais indiscutíveis benfeitores da humanidade: pelo que nos ensinam e porque nos iluminam e divertem. Mark Twain é bem maior, mais durável, mais eternamente jovem e provocador do que muitas das nulidades sombrias que o Nobel galardoou mas não consagrou.
Aymé é um genial desbravador de territórios maravilhosos e inexplorados, é um cantor da música sibilina das palavras, é um portentoso aproximador de palavras improvavelmente associáveis. É um génio da sedução, por várias vias, é, em suma, um dos verdadeiramente grandes.
O filósofo, conde de Keyserling, passando um dia por Paris, perguntou ao poeta Paul Valéry: “Quem é o vosso maior escritor vivo?” Valéry respondeu prontamente: “É Montherlant, mas não convém dizê-lo.” O mundo literário tem destes interditos.”
Eugénio Lisboa, 05.09.2022
"Alguns dos mais fabulosos escritores do século XX foram completamente ignorados pelos soturnos juízes da Academia sueca, a troco de verdadeiras mediocridades que o tempo já esqueceu e, noutros casos, há de esquecer.
Hoje escolho, entre os ignorados, Marcel Aymé, porque ando a ler, fascinado e deliciado, a sua colectânea de historietas, fábulas, invenções, fantasias, achados, modestamente intitulada ENJAMBÉES.
Aymé é um prodigioso narrador, um humorista surpreendente e ferino, um escritor de enorme inventiva e fantasia, um manipulador genial das palavras, um ventilador da língua, um lírico originalíssimo, um autor dramático de prodigiosa força – a sua peça, LA TÊTE DES AUTRES é uma das sátiras mais contundentes que conheço, em qualquer língua - , um observador minucioso do mundo real e também do sobrenatural, um fabulista do mais alto gabarito, um irresistível contador de histórias para todas as idades e estações.
Seguramente ficará para os vindouros, porque nasceu já clássico e permanecerá eternamente jovem e sedutor. Um escritor que é criminoso não ler, porque não lê-lo é desperdiçar um dos grandes prazeres da vida. Os do Nobel ignoraram-no porque a palavra “humorista” os assusta, esquecendo-se que a maior parte dos verdadeiros humoristas (não confundir com gracejadores) são gente do mais sábio e do alcance mais universal que existe. De Aristófanes, passando por Molière, até aos mais recentes P. G. Wodehouse, Mark Twain, O. Henry, Woody Allen, Stephen Leacock, James Thurber, Damon Runyon, Tom Sharpe, Evelyn Waugh, entre muitos outros, todos estes grandes observadores e originalíssimos comentadores do mundo que nos rodeia – e sempre grandes desbravadores dos recursos da língua em que escreveram – são, a meu ver, dos mais indiscutíveis benfeitores da humanidade: pelo que nos ensinam e porque nos iluminam e divertem. Mark Twain é bem maior, mais durável, mais eternamente jovem e provocador do que muitas das nulidades sombrias que o Nobel galardoou mas não consagrou.
Aymé é um genial desbravador de territórios maravilhosos e inexplorados, é um cantor da música sibilina das palavras, é um portentoso aproximador de palavras improvavelmente associáveis. É um génio da sedução, por várias vias, é, em suma, um dos verdadeiramente grandes.
O filósofo, conde de Keyserling, passando um dia por Paris, perguntou ao poeta Paul Valéry: “Quem é o vosso maior escritor vivo?” Valéry respondeu prontamente: “É Montherlant, mas não convém dizê-lo.” O mundo literário tem destes interditos.”
Eugénio Lisboa, 05.09.2022
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