se tivessem vivido no século XX
por Eugénio Lisboa
“Eis um exercício
interessante, à luz das rejeições feitas pelo júri do Prémio Nobel de
Literatura: um mergulho sincero nos gigantes do passado, tentando decifrar aqueles
que o Nobel quase de certeza rejeitaria. Seriam muitos e de monta, garanto.
Sófocles e Aristófanes seriam demasiado inquietantes e infractores e
enfrentariam grandes resistências em muitos dos jurados. AS MIL E UMA NOITES
seriam rapidamente varridas, pelos seus atrevimentos e não pouca
licenciosidade. Shakespeare, de certeza, não se safava: há nele muita turbulência,
muito excesso, muito barulho e fúria, muito atravessar de linhas vermelhas.
Molière, com coisas como o TARTUFO, não ia longe. A Racine, vejo-o muito
tremido: a belíssima PHÈDRE é o diabo. Laclos, Stendhal, mesmo Balzac seriam
demasiado para o aparelho linfático dos jurados suecos. Baudelaire, Verlaine ou
Dostoiewsky, nem pensar! Henry Fielding e o seu atrevido TOM JONES bem podiam
ir cantar para outra freguesia, a não ser que os jurados da Academia Sueca
estivessem todos bêbados. Gente como Cervantes é sempre gente duvidosa, a quem
a malta do Nobel costuma fazer boquinhas. Schiller não sei se se safava. Goethe
tinha mais probabilidades, mas a sua vida sexual irregular tinha hipóteses de
afligir aquela gente da Academia (por essas e outras é que o prémio para
Anatole France andou a arrastar os pés: ele vivia em casa de Mme Arman de
Caillavet, que era casada e tinha o marido em casa). Goldoni bem podia esperar
pelo prémio. Edgar Poe, apesar dos seus admiráveis contos de fantasia, de
ficção científica, de praticamente ter inventado a novela ou conto policial de
dedução e do seu admirável O CORVO, era um bêbado inveterado, além de ter
casado com uma prima de treze anos de idade. Voltaire era demasiado “gamin” e
provocador, não tendo por isso possibilidades (além de ter vivido amantizado
com a Marquesa du Châtelet e outras picardias). Camões, com o seu criado Jau, a
pedir por ele, nas ruas de Lisboa, não tinha estatuto social que encantasse os
suecos. Bocage, estamos conversados. Garrett, com as suas picardias amorosas,
deixa-me algumas dúvidas. Camilo era adúltero e brigão. Eça mexia com muita
coisa grada, não tinha o mínimo respeito pelo sagrado e, de certeza, livros
como A RELÍQUIA eram demasiado apimentados para os suecos. Teixeira Gomes tirou
as primícias a uma menor, como ele próprio confessa numa das suas NOVELAS
ERÓTICAS. Fernando Pessoa não conta, por não ter publicado quase nada, em livro,
enquanto vivo. Machado de Assis, talvez se safasse por ser discreto, embora,
muito de mansinho, tenha, várias vezes pisado o risco.
Hoje, fico-me por aqui, porque estas sondagens são cansativas e deprimentes. Outro dia, voltarei a isto, se para aí me der a fantasia.”
Eugénio Lisboa, 11.09.2022
Hoje, fico-me por aqui, porque estas sondagens são cansativas e deprimentes. Outro dia, voltarei a isto, se para aí me der a fantasia.”
Eugénio Lisboa, 11.09.2022
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