Bom dia, cão e gata,
por essa saudação e de manhã,
o corpo de veludo, a língua suave,
em simultânea tradução:
bom dia
Bom dia, sol, que
entraste aqui,
me ofereces este espelho
onde me vejo agora, e tão de frente,
tornaste um pouco clara a folha de papel
e nela: em faixa transparente,
o tempo
Bom dia, coisas todas
que brilham na varanda,
folha de japoneira, o nome cintilante,
o som daquele pássaro,
como se o mundo, de repente,
se fizesse mais mundo, e de maneira tal
que nunca mais se visse
escurecente o dia
Bom dia, gente
pequenina
que não consigo olhar desta cadeira,
mas que está: formigas e aranhas,
minúsculos insectos
que hão-de morrer, mas aqui nascerão,
todos os dias
Bom dia, minha filha,
igual a girassol,
quantas mais vezes te direi bom dia,
olhando o corredor,
tu, já não de baloiço, mas de amor
e pura filigrana,
eu, quase entardecendo
Bom dia, meu sofá,
onde me sento à noite, e devagar,
as flores que ora não são, ora às vezes
povoam esta mesa, a porta em vidro,
iluminada, em mais pura esquadria,
livros e quadros, curtas
fotografias em breve
desalinho
Bom dia, a ti também,
pelo perfume em fio que me trouxeste,
como se encera um chão rugoso de madeira,
os veios de uma planta desejosa de folhas,
ou mesmo as falhas na paz que me ofereceste,
e que desejo tua
Mesmo no tom cruel
que é acordar todos os dias
para um mundo sem sol em tantas mãos,
mesmo nesse desmando e tão violento curso
que é o mundo,
ainda assim, esta pequena anotação
de abrir os olhos e dizer bom dia,
e respirar de fresco o ar de tudo
em tudo –
Ana
Luísa Amaral, in E
todavia, Assírio &
Alvim, 2015
por essa saudação e de manhã,
o corpo de veludo, a língua suave,
em simultânea tradução:
bom dia
me ofereces este espelho
onde me vejo agora, e tão de frente,
tornaste um pouco clara a folha de papel
e nela: em faixa transparente,
o tempo
folha de japoneira, o nome cintilante,
o som daquele pássaro,
como se o mundo, de repente,
se fizesse mais mundo, e de maneira tal
que nunca mais se visse
escurecente o dia
que não consigo olhar desta cadeira,
mas que está: formigas e aranhas,
minúsculos insectos
que hão-de morrer, mas aqui nascerão,
todos os dias
quantas mais vezes te direi bom dia,
olhando o corredor,
tu, já não de baloiço, mas de amor
e pura filigrana,
eu, quase entardecendo
onde me sento à noite, e devagar,
as flores que ora não são, ora às vezes
povoam esta mesa, a porta em vidro,
iluminada, em mais pura esquadria,
livros e quadros, curtas
fotografias em breve
desalinho
pelo perfume em fio que me trouxeste,
como se encera um chão rugoso de madeira,
os veios de uma planta desejosa de folhas,
ou mesmo as falhas na paz que me ofereceste,
e que desejo tua
que é acordar todos os dias
para um mundo sem sol em tantas mãos,
mesmo nesse desmando e tão violento curso
que é o mundo,
ainda assim, esta pequena anotação
de abrir os olhos e dizer bom dia,
e respirar de fresco o ar de tudo
em tudo –
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